Revista Exame

IAs são máquinas de vendas, diz Aaron Ross, da Salesforce

Autor do best-seller Receita Previsível, Aaron Ross reflete sobre como a automação deverá revolucionar a prospecção de novos clientes corporativos

Aaron Ross: o autor de Receita Previsível compara a chegada da IA generativa com a descoberta da eletricidade (Divulgação/Divulgação)

Aaron Ross: o autor de Receita Previsível compara a chegada da IA generativa com a descoberta da eletricidade (Divulgação/Divulgação)

Daniel Salles
Daniel Salles

Repórter

Publicado em 30 de junho de 2023 às 06h00.

Última atualização em 30 de junho de 2023 às 17h58.

Aaron Ross sem­pre se­rá associado a um número e tanto: 100 milhões de dólares. Eis quanto a Salesforce passou a faturar por ano, em meados dos anos 2000, depois que ele assumiu o cargo de diretor de vendas corporativas da companhia e implantou uma série de mudanças. Em resumo, ele montou a equipe de prospecção outbound da empresa e apostou boa parte das fichas na especialização. “O que faz sentido é permitir a profissionais da área que se concentrem naquilo que fazem melhor”, defende ele, autor do best-seller Receita Previsível. A seguir, Ross relembra sua trajetória no gigante do Vale do Silício e reflete sobre como a inteligência artificial (IA) generativa tende a ser incorporada pelas equipes responsáveis por vendas corporativas. 

  Você ajudou a Salesforce a dobrar o faturamento, que saltou para quase 100 milhões de dólares por ano. Qual foi o segredo? 

Acho que nunca se trata de um único segredo. Quando entrei na companhia eu tinha a vantagem de não saber muito sobre vendas. Precisava aprender sobre o assunto e não deixei que meu ego me impedisse de desempenhar até as funções de nível mais baixo. Atender o telefone, por exemplo. Estava determinado a encontrar uma oportunidade e “fazer acontecer”. E, com isso, fui ganhando credibilidade. Passei as primeiras semanas só conversando com pessoas de departamentos diversos. Tudo para entender como todas as áreas funcionam em conjunto. É um caminho que recomendo para qualquer pessoa. Foi assim que pude propor alternativas para aquilo que não estava funcionando — como a contratação de executivos de vendas caros, apesar de muito bem relacionados, ou a terceirização. Nenhuma dessas estratégias estava gerando leads da maneira que precisávamos. Dois problemas, claramente, precisavam ser vencidos pela área: descobrir quais são as pessoas certas para quem devemos vender e conseguir marcar reuniões com elas. Com a estratégia de vendas outbound que implementei, os resultados começaram a aparecer em quatro, cinco meses.

  Uma das principais recomendações de Receita Previsível é esta: “você precisa especializar seu pessoal de vendas se quiser crescer e ter sucesso”. O que isso significa?

Por muito tempo, esperava-se tudo dos vendedores. Que encontrassem seus próprios leads qualificados. Que achassem os próprios clientes e ainda se encarregassem do marketing. É demais. Nem sei se existe outra área que exija tanto dos profissionais. Na publicidade, por exemplo, há desde redatores de conteúdo até produtores de vídeo. Você pode se especializar de diversas maneiras. Vale o mesmo para os executivos, que têm suporte de vários departamentos. Na área de vendas, porém, todo mundo precisa fazer de tudo. Imagine se o técnico de um time de futebol dissesse para os jogadores: “Agora todo mundo vai para o ataque e, depois, todos devem atuar como goleiros”. Não funcionaria. Por que então adotar essa tática quando se trata de vendas? O que faz sentido é permitir aos profissionais da área que se concentrem naquilo que fazem melhor. Vale, na verdade, para qualquer departamento. Líderes, gerentes ou diretores não são ótimos em tudo, e é injusto esperar que eles sejam. A especialização não só contribui com os resultados como diminui a sobrecarga mental. Cobrir diversas frentes leva à exaustão. E, com menos gasolina no tanque, é mais difícil lidar com a pressão e tomar decisões acertadas. 

  Como a IA generativa impactará o dia a dia das equipes de vendas, marketing e comunicação das grandes empresas?

Não é uma cura para tudo. Pessoalmente, só uso quando estou escrevendo ficção, uma atividade recente. Uso a IA generativa em busca de nomes para personagens ou de sinônimos e para criar imagens dos cenários que descrevo. É extremamente útil para o meu caso, mas significa que eu preciso dela para escrever? Não. Para quem costuma travar na hora de redigir um e-mail para um cliente, no entanto, ou quando vai criar um post, a coisa muda de figura. A IA generativa pode destravar nós do tipo e em grande escala, dando mais tempo para todo mundo se concentrar em tarefas mais importantes. Acredito que essa tecnologia, porém, será vítima de seu próprio sucesso. Todo mundo passará a utilizá-la, o que impactará a geração de leads qualificados etc. Mas vai chegar um momento em que ficará clara a diferença entre quem só está utilizando a automação e quem está seguindo o próprio instinto. A autenticidade humana, seja num e-mail, seja numa apresentação, acabará sendo mais valorizada no futuro. 

  Você tem exemplos práticos de como a IA generativa tem sido usada com sucesso por grandes empresas para impulsionar as vendas?

Por enquanto as empresas ainda estão na fase da experimentação. Nenhuma a adotou de forma ampla. É muito cedo para medir o impacto daqui a um ano, que seja. Mas é importante que cada companhia reflita sobre se o uso da IA generativa realmente faz sentido para ela. Ou será adotada só porque outras empresas fizeram o mesmo? O fato de ajudar a rascunhar e-mails faz com que seja útil para todo mundo. Para os líderes empresariais, no entanto, apresenta-se como uma grande oportunidade. Porque eles deveriam se expor mais para os funcionários e para o mercado como um todo, o que não fazem por falta de tempo. A IA generativa pode ajudá-los a criar conteú­do, de acordo com sua personalidade, para os mais variados tipos de canal.  

  Como imagina que as empresas estarão daqui a 50 anos por causa de tecnologias como o ChatGPT?

A essa altura, a IA generativa será vista como a eletricidade. Alguém repara nela? Todo mundo simplesmente usa e sabe que ela está por todo lado. Ou como a gasolina. Nós nos damos conta dela? Só enchemos o tanque e nos preocupamos com o carro. 

  Chatbots de atendimento são cada vez mais comuns. Como evitar que eles afastem os clientes em vez de ajudá-los?

Eles vão melhorar por causa da IA. Lá atrás, as companhias batiam na porta dos clientes, depois passaram a usar o telefone, o e-mail, o WhatsApp, e agora chegou a vez dos chatbots. São uma nova forma de comunicação, mas não podem impedir a interação humana. Na maioria das vezes, quando me deparo com um chatbot, tudo que eu quero é ser transferido para um atendente de carne e osso, pois a automação costuma ser incapaz de resolver minhas demandas. Engana-se quem pensa que a IA pode tomar todos os empregos. As empresas não podem abrir mão totalmente de humanos para fazer o suporte a clientes. 

  O que achou da famosa carta divulgada em março pelo Future of Life Institute, que dizia que “esses sistemas de IA só devem progredir quando estivermos confiantes de que seus efeitos serão positivos; e seus riscos, administráveis”? 

Não li a carta. Mas as pessoas estão com medo, com razão, porque é algo novo. Toda nova tecnologia abre oportunidades positivas e pode levar a consequências negativas. Vide a fusão nuclear. Ou o telefone. Quantos acidentes de carro por ano são causados por motoristas que se distraíram com o celular? É muito difícil dizer se a IA generativa terá consequências negativas, o que a regulamentação talvez possa resolver. Não me dedico muito a isso porque tenho mais com o que me preocupar. De todo modo, essa tecnologia chegou e será usada, inclusive por hackers, golpistas e criminosos em geral.

  Segundo o Goldman Sachs, até 300 milhões de empregos em tempo integral serão automatizados por culpa da IA generativa, e alguns profissionais poderão se livrar de até 50% das tarefas atuais. Quais tarefas acredita que serão extintas em pouco tempo?

As tarefas mais simples, como criar os primeiros rascunhos de e-mails e apresentações, o que vai contribuir com os ­leads inbound. Mas ainda vai demorar um pouco até a IA realmente virar parte do dia a dia das equipes de vendas e marketing. Daqui a um ano, porém, talvez esteja amplamente assimilada.

  O segundo país em que Receita Previsível fez mais sucesso foi o Brasil. Enxerga alguma explicação para isso?

Notei um entusiasmo no Brasil que não vejo em outros países. A economia brasileira não é fácil e há diversas mazelas sociais, e ainda assim há uma vontade de aprender e crescer, especialmente vinda dos empreendedores da área de tecnologia. Constatei também uma preocupação em crescer e, ao mesmo tempo, ajudar o entorno. Como Receita Previsível deu origem a uma consultoria que também está presente no Brasil, queremos ajudar na criação de novos negócios de sucesso no país, que adoro poder visitar.

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