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Por que a dona do iFood incentiva funcionários a pedirem demissão

Para ser inovadora, a Movile incentiva seus funcionários a irem atrás de seus sonhos, o que em alguns significa sair da companhia.

Movile: aqui, todos precisam focar em empreendedorismo (Movile/Divulgação)

Movile: aqui, todos precisam focar em empreendedorismo (Movile/Divulgação)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 12 de junho de 2018 às 06h00.

Última atualização em 12 de junho de 2018 às 06h00.

São Paulo - No escritório da Movile, dona do iFood e Playkids, há uma parede em que os funcionários podem escrever seus maiores sonhos de vida. “Levar meu pai para a Europa”, “comprar uma moto” ou “fazer um curso de gastronomia” estão entre os objetivos, alguns já cumpridos. Uma das metas chama a atenção: “abrir uma empresa”.

Pode parecer contraditório que um funcionário exponha o sonho de sair da companhia, mas empreendedorismo é um dos valores incentivados na cultura da Movile. Mesmo que alguns colaboradores deixem o cargo para tocar o próprio negócio, ela acredita que ter um senso empreendedor é fundamental para fazer parte da equipe.

O objetivo é incentivar a criação de novas ideias, projetos e procedimentos a todo tempo. Ficar parada, para a empresa, seria sua morte em um ambiente digital cada vez mais competitivo. “O que dá certo hoje pode não dar certo amanhã”, afirma o diretor de novos negócios da Movile, Eduardo Henrique.

A Movile surgiu em 1998, como uma empresa de venda de ringtones para celular e envio de SMS, chamada de Intraweb. Durante um bom tempo, se focou nos negócios que já desenvolvia. Mais de dez anos depois de sua fundação, a companhia adotou o nome Movile e mudou seu posicionamento de mercado, para a inclusão digital por meio de serviços móveis.

Erros e lentidão

No entanto, a criação de novos serviços ainda estava lenta. A primeira solução da empresa para estimular a inovação foi a criação de um departamento próprio. A ideia foi um fracasso.

“Com uma equipe fechada de inovação, tínhamos conflitos de gestão, já que essa equipe seguia metas diferentes do resto da empresa”, diz o diretor. Enquanto uma equipe precisava queimar dinheiro no desenvolvimento de novas soluções, a equipe financeira barrava esse gasto, por exemplo.

Em 2011, teve os primeiros contatos com a cultura do Vale do Silício, região nos Estados Unidos onde estão as grandes empresas de tecnologia e, no ano seguinte, abriu um escritório na região.

A empresa percebeu, assim, que sua visão estava distante do que era praticado pelos grandes players de tecnologia. “Precisávamos jogar o jogo dos times grandes”, fala Eduardo Henrique. As equipes teriam, a partir de então, autonomia para testar novas ideias. Além disso, o processo de desenvolvimento foi descentralizado: em vez de ter uma equipe separada para a criação de novos produtos, esse passou a ser o papel de todos.

Além de incentivar o desenvolvimento interno, a companhia também buscou novidades do lado de fora de suas paredes. De 2012 a 2014, fez dez aquisições, com investimento de pelo menos 55 milhões de reais. Entre as empresas que passaram a fazer parte da holding nesse período estão iFood, Apontador e Rapiddo, de entregas.

Logo nos primeiros meses da nova cultura, os resultados foram desastrosos. A empresa gastava muito tempo e dinheiro em um novo produto, que deveria estar completo antes de ser lançado no mercado.

Aos poucos, aprendeu a operar como o Vale do Silício e a lançar produtos ainda inacabados no mercado, para testar a ideia antes de investir pesado. Esse produto incompleto é chamado de MVP: Minimum Viable Product, ou Produto Mínimo Viável, em português.

Case de sucesso

Ao final de quase um ano da mudança de cultura, em dezembro de 2012, a companhia lançou um novo aplicativo ainda com pouco conteúdo ou sofisticação, chamado Canal Desenho. O número de acessos ao app explodiu, conta o diretor.

Com apenas 3 mil dólares e três meses, muito mais rápido e barato do que era feito antes, lançaram uma nova versão do aplicativo, o Playkids. Antes desse modelo, a empresa investia cerca de 30 vezes mais para desenvolver algo novo.

“Aprendemos a testar muito, errar rápido e ajustar o caminho”, afirma Eduardo Henrique. Hoje, o Playkids é um dos maiores produtos da companhia, presente em mais de 180 países e com 5 milhões de usuários ativos.

O produto ainda deu outros dois saltos de crescimento. O primeiro veio três anos depois do lançamento do serviço, cujo crescimento estava estagnado. A empresa decidiu ir além do conteúdo de entretenimento e passou a lançar novas funcionalidades, como jogos educativos. Os lançamentos, hoje, são quase quinzenais.

O segundo salto para o Playkids veio há dois anos, quando comprou a Leiturinha, clube de assinatura de livros infantis. Nos últimos 18 meses, o crescimento no faturamento foi de 180%.

Incentivo interno

A valorização do empreendedorismo começa de cima. Quase todos os CEOs e diretores participam de programas de aceleração de empresas ou como investidores-anjo e cerca de 90% dos gerentes são mentores na Endeavor, organização de apoio a empreendedorismo.

O departamento de Recursos Humanos também está empenhado em incentivar o empreendedorismo de seus funcionários. A Academia Movile, um "programa" que conta com diversos cursos de formação, ensina os funcionários a liderarem equipes e projetos e entenderem o mercado como um todo.

O funcionário também é autônomo para cuidar de seu próprio desenvolvimento pessoal, diz a diretora de gente da Movile, Luciana Carvalho. Por fazer parte do grupo Naspers, conglomerado de mídia sul-africano dono do Buscapé, a Movile também tem acesso aos cursos online da sul-africana. São mais de mil opções de treinamento sobre diversos assuntos.

Com tanto incentivo para criação de novos negócios, é natural que funcionários e até diretores deixem o cargo para abrir a própria empresa. No entanto, o diretor de novos negócios não se abala. “E se a gente não investir em empreendedorismo? O risco é muito maior”.

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