Revista Exame

Com inflação em 160% e moeda derretendo, Milei precisa de velocidade para ver resultados em 2024

Presidente recém-empossado tenta resolver a pior crise do país em três décadas

Javier Milei: novo presidente deixou claro que haverá meses difíceis à frente (Anita Pouchard Serra/Bloomberg/Getty Images)

Javier Milei: novo presidente deixou claro que haverá meses difíceis à frente (Anita Pouchard Serra/Bloomberg/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 21 de dezembro de 2023 às 10h40.

Prometer trazer de volta a glória do passado tem sido a receita de sucesso nas urnas em muitos países. Foi assim com Donald Trump em 2016, Jair Bolsonaro em 2018 e agora com Javier Milei, que tomou posse na Argentina em 10 de dezembro. Milei, porém, tem desafios bem maiores: enquanto os Estados Unidos e o Brasil tinham condições econômicas estáveis, a Argentina vive sua pior crise em três décadas, com inflação acima dos 160% anuais, uma moeda que perdeu metade do valor diante do dólar só neste ano — no câmbio oficial — e uma dívida bilionária com o FMI.

Com tantos problemas, a Argentina votou em peso a favor de uma mudança. No entanto, já na noite da vitória, o novo presidente disse que o caminho será difícil: Milei ressaltou que a queda da inflação pode levar até dois anos para atingir níveis normais. Ao mesmo tempo, no curto intervalo de 21 dias entre a eleição e a posse, o novo líder foi deixando as partes radicais do seu discurso para trás. A dolarização da economia e o fechamento do Banco Central ficaram para depois e não são mais citados.

Para compor o governo, Milei chamou vários nomes da política tradicional, os quais chamava de “casta”. Surgiu uma aliança com o ex-presidente Mauricio Macri e três nomes que estavam naquela gestão terão cargos no novo governo, incluindo Luis Caputo, ministro da Economia que foi secretário de Finanças de Macri, e Patricia Bullrich, candidata que ficou em terceiro lugar no primeiro turno e assumirá o Ministério da Segurança. “A tendência é um início mais moderado em relação à campanha, até porque o sistema político argentino demanda isso”, diz Mauricio Moura, sócio do fundo Zaftra, da Gauss Capital, e professor da Universidade George Washington. “Todavia, é importante ficar atento entre as práticas de políticas públicas e os discursos. Temos percebido nos discursos populistas pelo mundo uma distância entre a prática e a retórica.”

Neste começo de governo, o principal desafio para Milei é acertar o tamanho e a velocidade do ajuste fiscal que propõe. Ele cortou o total de ministérios de 18 para nove, prometeu não fazer mais obras públicas e retirar subsídios públicos a tarifas como a de energia, para baixar gastos e buscar um déficit fiscal zero em 2024. No entanto, o custo desse ajuste é estimado em 5% do PIB. O corte no déficit é maior do que o recomendado pelo FMI. O fundo sugeriu que a Argentina persiga uma meta de déficit fiscal de 1,9% do PIB em 2024.

Milei tem dado sinais de que pretende fazer o ajuste mais rapidamente possível, mas a grande questão é como a sociedade argentina vai reagir. De início, ele terá de convencer o Congresso a aprovar temas que geram resistência, como cortar auxílios e vender estatais. Depois, precisará lidar com a pressão das ruas: o peronismo, embora derrotado nas urnas, tem grande capacidade para mobilizar protestos e greves — recentemente o governo proibiu protestos que bloqueiem vias públicas.

Esta pressão pode dificultar a adoção de mudanças mais fortes, como Macri sabe bem: ele tentou algumas das medidas que Milei defende agora, mas não conseguiu avançar. “Apesar de ter minoria no Congresso e não contar com governadores, o momento político e o clima social na Argentina favorecem o governo Milei. Ele ganhou ao prometer um ajuste forte e o Congresso agora terá de acompanhar suas propostas, sobretudo os não peronistas”, diz Juan Ignacio Carranza, cientista político argentino. 

Apesar dos desafios, a Argentina terá em 2024 duas perspectivas de melhora. No campo, espera-se recuperação na produção agrícola após um 2023 marcado pela seca. Há expectativa também pelo aumento da produção de gás natural em Vaca Muerta, na Patagônia. A ampliação da rede de gasodutos, que facilita o transporte do material para a região de Buenos Aires e o norte, onde há maior demanda, deve levar o país a se tornar autossuficiente em gás e a deixar de importar o produto da Bolívia. Em julho, foi inaugurado o primeiro tramo de um novo gasoduto, chamado de Néstor Kirchner. Se os planos derem certo, a segunda etapa ficará pronta em meados de 2024. Os dutos levam o gás do sul do país até a província de Buenos Aires, a mais populosa da Argentina. O gasoduto começou a operação com capacidade de 11 milhões de metros cúbicos/dia, mas deverá chegar a 40 milhões por dia com a entrada em operação de usinas de compressão e a extensão da rede de dutos rumo ao norte do país.

Com o avanço da rede, haveria também a possibilidade de exportar gás para países vizinhos, como Chile e Brasil. “As reservas de Vaca Muerta farão com que a Argentina passe de importador a exportador de gás. Além de reduzir o custo de energia para a população, isso ajudará a trazer dólares para o país”, afirma Carranza. As reservas de gás de Vaca Muerta são estimadas em 300 TCFs (trilhões de pés cúbicos, na sigla em inglês), sendo que o país consome algo em torno de 1,5 TCF por ano. Assim, as reservas podem garantir mais de um século de chamas acesas na Argentina. Mas, antes de pensar nos próximos 100 anos, Milei precisa organizar as contas do país e convencer que as medidas duras serão um remédio amargo que, desta vez, vai funcionar. 

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