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Quebrem os robôs! O que significou a carta pública que pediu pela pausa da inteligência artificial

Ou melhor, calibrem-nos. A resposta adequada à disrupção econômica não é parar o relógio, mas tentar maximizar os ganhos e minimizar a dor

Steve Wozniak, cofundador da Apple: entre os líderes da tecnologia que pediram uma pausa na evolução da inteligência artificial (David Geraghty/Newspix/Getty Images)

Steve Wozniak, cofundador da Apple: entre os líderes da tecnologia que pediram uma pausa na evolução da inteligência artificial (David Geraghty/Newspix/Getty Images)

Michael R. Strain
Michael R. Strain

Diretor de estudos de política econômica no American Enterprise Institute

Publicado em 30 de junho de 2023 às 06h00.

Última atualização em 30 de junho de 2023 às 17h35.

O mundo anda deslumbrado com os súbitos avanços significativos da inteligência artificial. Contudo, agora algumas pessoas de renome e bem posicionadas estão reagindo com demandas equivocadas para puxar o freio de emergência.

Uma carta aberta pedindo a “todos os laboratórios de IA que pausem imediatamente por pelo menos seis meses o treinamento de sistemas de IA” já recebeu milhares de assinaturas, inclusive de ícones do setor de tecnologia, como Elon Musk e Steve Wozniak, vários CEOs e acadêmicos renomados. Geoffrey Hinton, um dos pioneiros dos métodos de deep learning (“aprendizado profundo”) por trás dos novos avanços, foi questionado recentemente pela CBS News sobre a IA “varrer a humanidade”. E, como sempre, muitos comentaristas temem que a IA vá eliminar a necessidade de trabalhadores humanos. Uma pesquisa de 2022 da Ipsos descobriu que só um terço dos americanos acha que produtos e serviços baseados em IA trazem mais benefícios do que desvantagens.

Aqueles pedindo uma pausa enfatizam que a “IA generativa” é diferente de tudo que veio anteriormente. O ChatGPT da OpenAI é tão avançado que pode dialogar de modo convincente com um ser humano e escrever artigos melhor do que muitos alunos de nível universitário, além de escrever e depurar códigos de computador. O Financial Times descobriu recentemente que o ChatGPT (ao lado do Bard, o chatbot experimental do Google) consegue contar uma piada no mínimo razoavelmente bem, escrever um slogan publicitário, escolher ações e imaginar uma conversa entre Xi Jinping e Vladimir Putin.

É compreensível que uma nova tecnologia com poderes aparentemente tão amplos despertasse preocupações. Mas grande parte da angústia está mal colocada. Os atuais detratores da IA tendem a subestimar o ritmo da mudança tecnológica que as economias desenvolvidas já vivem. Em 1970, o desemprego nos Estados Unidos se dividia de modo aproximadamente uniforme entre as profissões, com empregos de baixa, média e alta qualificação respondendo, respectivamente, por 31%, 38% e 30% do total de horas trabalhadas. Meio século depois, o emprego de qualificação média caiu surpreendentes 15 pontos percentuais.

Essa mudança foi em grande parte o resultado de avanços tecnológicos que permitiram a robôs e programas realizar tarefas antes delegadas a trabalhadores no setor industrial e funcionários administrativos. O esvaziamento da classe média é um dos avanços econômicos mais importantes da memória viva. Ele está transformando a vida no Cinturão da Ferrugem e nos escritórios em todos os Estados Unidos, com efeitos profundos na sociedade e na política americanas.

Mesmo a tecnologia mais recente não é tão nova quanto parece. Chatbots e assistentes virtuais já eram comuns antes de o ChatGPT capturar as manchetes. Embora o assistente de suporte online ao cliente de seu banco e a função de autocompletar de seu celular não consigam passar no Teste de Turing, os dois usam processamento de linguagem natural para tentar dialogar com você, assim como o ChatGPT. Meus filhos tentam conversar com a Alexa da Amazon do mesmo jeito que tentam falar com seres humanos.

Aqueles que se preocupam o bastante com a IA para defender puxar o freio estão provavelmente exagerando a velocidade com que ela transformará a economia. Por mais impressionante que seja, o ChatGPT erra bastante. Quando eu digitei “por favor, deixe-me ver alguns artigos escritos por Michael Strain sobre economia”, ele retornou cinco textos. Todos pareciam plausíveis, mas eu não escrevi nenhum deles. Para hospitais, escritórios de advocacia, jornais, think tanks, universidades, órgãos de governo e muitas outras instituições, tais erros jamais serão aceitáveis.

A velocidade da transformação também será limitada pelas barreiras dentro das empresas. Advogados me dizem que não querem suas empresas usando essas tecnologias porque não podem arriscar divulgar informações confidenciais online. O mesmo será verdade, por exemplo, para hospitais e dados de pacientes. Provedores de IA vão criar soluções corporativas. Contudo, se uma solução de IA não puder ser treinada com dados de outras empresas do mesmo setor, será que ela vai ser tão poderosa e útil como sugerem os otimistas? Além disso, como um problema geral, demora mais do que as pessoas imaginam para as empresas encontrarem novos jeitos de dar um uso produtivo a novas tecnologias.

A carta aberta pede uma pausa de seis meses para permitir aos legisladores e reguladores estar a par do estado atual da IA. Só que os reguladores estão sempre brincando de quem chega por último, e, se os maiores temores sobre a IA forem válidos, uma pausa de seis meses ajudaria pouco. Além disso, se esses temores forem de fato exagerados, a pausa poderia causar dano duradouro ao enfraquecer a competitividade americana ou ao dar espaço a atores menos responsáveis. A carta argumenta que, se uma pausa “não puder ser implementada rapidamente, governos devem intervir e instituir uma moratória”. Boa sorte para fazer a China topar isso.

Sem dúvida, há momentos em que os governos gostariam de interromper o desenvolvimento de uma tecnologia. Mas este não é um deles. A regulamentação deveria focar como a IA é usada, e não se ela pode continuar a se desenvolver. Uma vez que a tecnologia esteja mais avançada, ficará mais claro de que modo ela deve ser regulamentada. Existe uma chance de a IA “arrasar” a humanidade? Pequena, eu suponho. Mas a IA generativa dificilmente seria a primeira tecnologia a insinuar esse risco.

Se há uma coisa que os profetas do apocalipse acertam, é que a IA generativa tem o potencial de afetar grandes áreas da economia — como a energia elétrica e a máquina a vapor fizeram antes dela. Eu não me surpreenderia se a IA eventualmente se tornasse tão importante quanto o smartphone ou o navegador da web, com tudo o que isso implica para trabalhadores, consumidores e modelos de negócios existentes.

A resposta certa à disrupção econômica não é parar o relógio. Em vez disso, legisladores deveriam ter o foco em encontrar meios de aumentar a participação na vida econômica. Será que os subsídios de renda podem ser mais bem usados para tornar o trabalho mais atraente do ponto de vista financeiro para aqueles que não têm diploma universitário? As universidades comunitárias e os programas de capacitação conseguem desenvolver habilidades que permitam aos trabalhadores aumentar sua produtividade usando a IA? Que políticas econômicas e instituições estão no caminho de uma participação econômica maior? 

Temos de lembrar que a destruição criativa não só destrói. Ela também cria, geralmente de jeitos poderosos e inesperados. Nosso futuro com a IA vai ter nuvens de tempestade. Mas, de modo geral, será brilhante. 


(Publicidade/Exame)

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