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O mercado precisa de competição, diz economista

Para o economista Luigi Zingales, da Universidade de Chicago, os grandes monopólios digitais têm de ser rompidos, como já ocorreu antes na história

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Zingales: “O capitalismo de laços está crescendo nos Estados Unidos” | Germano Lüders /

Zingales: “O capitalismo de laços está crescendo nos Estados Unidos” | Germano Lüders /

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Luciano Pádua

Publicado em 7 de setembro de 2017 às, 05h11.

Última atualização em 7 de setembro de 2017 às, 05h11.

O economista italiano Luigi Zingales, professor na Universidade de Chicago, notabilizou-se pelo estudo das relações danosas entre governos e empresas — o capitalismo de laços. Recentemente, em um artigo, ele defendeu que os economistas precisam analisar mais detidamente a interseção entre poder e economia. O raciocíno: há uma interação negativa entre o domínio de mercado de uma empresa e o poder político. A atenção ao tema se deve ao fato de que, para Zingales, a economia dos Estados Unidos está cada vez mais calcada nos laços com o governo, reduzindo a competição. Os gigantes digitais Google e Facebook são, na opinião do italiano, os “novos Rockfellers”, em referência a John Rockfeller, empresário que monopolizou o setor de petróleo no final do século 19.

Por que o senhor tem dito que a interação entre política e poder das empresas é uma ameaça ao mercado livre?

Por muito tempo, buscou-se eliminar o termo “poder” da teoria das firmas [que analisa a relação da empresa com o mercado]. Mas há uma interação negativa entre poder de mercado e poder político. O poder de mercado permite ter mais influência política, que será usada para ganhar mais poder de mercado. É um ciclo vicioso. Como economistas, temos de lidar com a interseção entre economia e poder. Esse problema não está restrito à Itália e ao Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, sofrem com o capitalismo de laços de uma forma inconcebível há 20 anos.

O senhor diz que os Estados Unidos já se comparam à América Latina. Por quê?

De 1950 até o final dos anos 80, a legislação antitruste foi forte nos Estados Unidos. Havia mais competição entre as empresas entrantes no mercado, o que diminuía o poder das corporações. Nos últimos 20 anos, o sentimento antitruste desapareceu. Também cresceu a influência do dinheiro na política, seja por lobby, seja por financiamento de campanha. Quando Ronald Reagan assumiu, nos anos 80, a ideia era: “Tire o governo do meu pescoço”. Agora é: “Bote o governo no bolso”. Donald Trump é uma consequência, não uma causa, dessa tendência. A boa notícia é que ele é incompetente para governar. Mas isso não é consolo. O próximo Trump será similar a um líder latino-americano.

Especula-se uma candidatura do fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, à Presidência dos Estados Unidos…

Seria deprimente. O Facebook é um grande monopólio. Venho defendendo a portabilidade do social graph [os dados pessoais dos usuários do Facebook]. No caso dos celulares, a portabilidade veio para gerar mais competição. É a mesma questão com as redes sociais. Por que uma pessoa que está no Facebook e quer mudar de rede com as informações de sua conta não poderia? O Facebook briga com qualquer um que tente isso. No final dos anos 90, a Microsoft fez o mesmo com os concorrentes. Antes do Excel, havia o Lotus 123. Ele foi destruído pela Microsoft, que o copiou e deu de graça com o sistema operacional. No final dos anos 90, os órgãos de combate ao truste investiram contra a Microsoft. Foi tarde demais para salvar esse software, mas cedo para dar espaço a Google, Facebook e Twitter. Agora é preciso fazer o mesmo contra eles para dar condições de competição no mercado. Os dados são o novo petróleo, e o Google é o novo Rockfeller [em referência a John Rockefeller, empresário que monopolizou o setor de petróleo no final do século 19].

Na época de Rockefeller, os Estados Unidos eram um país muito corrupto. Como mudaram isso?

Na época, a inflação e a falência generalizada de agricultores criaram um ressentimento contra o establishment. Ao concorrer pela segunda vez, o presidente William McKinley escolheu como vice Theodore Roosevelt, famoso pelo combate à corrupção. Em 1901, McKinley foi assassinado, Roosevelt assumiu e mudou o sistema. Ele foi hábil em detectar o ressentimento popular e transformá-lo de uma maneira que limpasse o sistema — e não o destruísse. Posteriormente, o trabalho foi finalizado por Franklin Roosevelt depois da crise de 1929. Foi uma combinação de fatos que levou o país à direção correta.

No Brasil, passados três anos de Operação Lava-Jato, qual é sua avaliação?

A Lava-Jato é um bom sinal. É um lembrete de que, se há vontade política, não é tão difícil combater a corrupção. Mas, na Itália e no Brasil, a corrupção é a norma, não o desvio. Não dá para lutar contra a corrupção de forma sustentável apenas com o Judiciário. Em algum ponto, o apoio político desaparece. Vi isso na Itália. Sem um novo equilíbrio sustentável, a corrupção encontrará outros caminhos.

E como tornar a corrupção uma exceção?

O que funciona é oferecer algum tipo de perdão em troca de revelações de corrupção. Se a pessoa reincidir, pagará por tudo que foi perdoado antes. Também é importante dar proteção aos denunciantes. O principal elemento da corrupção é a confiança. Se alguém pode ser denunciado a qualquer momento, a confiança fica em xeque. E um sistema mais transparente de financiamento de campanhas é vital.

O capitalismo de laços está em declínio?

Não. Os Estados Unidos são a maior potência do mundo, e o capitalismo de laços está crescendo lá. Na China, não há muita transparência. Meu medo é que o mundo vá mais na direção desse capitalismo. Há uma perversa relação entre populismo e capitalismo de laços. Para uma economia verdadeiramente competitiva, é preciso haver amplo apoio público à noção de que a economia de mercado funciona. Sem isso, há o risco de que o sistema político se volte contra o mercado. Assim, um empreendedor se vê obrigado a jogar politicamente. No Brasil e na Itália, e de forma crescente nos Estados Unidos, não dá para se preocupar somente com o próprio negócio sem pensar no governo. É preciso se preocupar com as movimentações de governo. Não há como escapar. 

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