Revista Exame

O conselheiro de Bolsonaro fala a EXAME

O ministro-general Carlos Alberto dos Santos Cruz é considerado uma das vozes mais ouvidas pelo presidente Jair Bolsonaro. Veja o que ele diz

General Santos Cruz: como ministro, mira conter os gastos públicos e impedir a corrupção (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

General Santos Cruz: como ministro, mira conter os gastos públicos e impedir a corrupção (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h42.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h16.

Era fim de tarde de sábado, dia 13 de abril, quando o telefone do ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, tocou. Do outro lado da linha, o presidente Jair Bolsonaro convocava o general para a reunião diária que se tornou frequente entre os dois. As pautas dos encontros se desenvolvem em torno do dia a dia do governo e de quais são os tópicos principais dos quais o presidente precisa se inteirar.

Na Esplanada dos Ministérios não há dúvidas, o general Santos Cruz tornou-se braço direito, conselheiro e figura indispensável a Bolsonaro. “O gabinete do presidente é logo aqui embaixo, eu desço a escada e já estou dentro dele, a facilidade de eu furar a fila é grande”, disse o ministro em uma entrevista exclusiva a EXAME.

Gaúcho, o ministro-general de 66 anos dedicou mais de cinco décadas à carreira militar. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras, na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Formado em engenharia civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Santos Cruz especializou-se em Operações na Selva na Amazônia e em Ações de Comandos. Trabalhou como adido militar na embaixada do Brasil na Rússia em 2001 e 2002, mas foi como comandante de duas missões de paz da Organização das Nações Unidas — no Haiti e no Congo — que ele se tornou o militar brasileiro com mais experiência em liderar grandes contingentes em campo desde a Segunda Guerra Mundial.

Nas duas missões, Santos Cruz comandou mais de 35.000 homens, de mais de 20 países, e respondia diretamente ao então secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e ao Conselho de Segurança da ONU. Antes do atual governo, ele passou um breve período na Secretaria de Segurança Pública do ex-presidente Michel Temer.

Como ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, Santos Cruz tem tarefas delimitadas. Estão sob seu comando o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), a Secretaria de Comunicação, a Empresa Brasileira de Comunicação e o relacionamento federativo com prefeitos e governadores. Além disso, tem auxiliado o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, na articulação política — algo que pegou Lorenzoni de surpresa no início do governo, visto que ele achava que a estrutura da Secretaria de Governo passaria a ser subordinada à Casa Civil.

Mas, se no aconselhamento ao presidente Santos Cruz tem ganhado protagonismo no Planalto, não se pode dizer o mesmo na articulação política. Nos três primeiros meses de governo, a agenda de Santos Cruz registrou audiências com 32 parlamentares, ante os 150 que passaram pelo gabinete de Lorenzoni no mesmo período. “Parece que a porta do general está sempre fechada para nós”, afirma um deputado governista. Comparado ao antecessor, o ex-deputado Carlos Marun, que ocupou a pasta no governo Temer, Santos Cruz é pouco afeito à dinâmica entre os Poderes. “Marun respirava política e estava disposto a tudo pelos amigos. Já o general respira ideal e é disposto a tudo pelo Brasil”, diz o líder do PSL no Senado, Major Olímpio.

Entre as missões que o general abraçou, uma delas é a redução do risco de ocorrer corrupção dentro do governo. Por esse motivo, toda nomeação de um congressista para qualquer cargo atualmente passa por um pente-fino de Santos Cruz. Se algo estiver errado, o candidato recebe cartão vermelho do general e a decisão é levada a Bolsonaro. O presidente tem acatado a rejeição de nomes. “Ele é o único no governo que o presidente respeita e segue à risca seus conselhos. Além de ser o único que consegue sentar na mesma mesa com diferentes grupos governistas e só sair da sala com uma solução”, afirma um analista político.

Isso não impede que o militar se envolva em polêmicas. No dia 16 de abril, o ministro Santos Cruz foi chamado à comissão de trabalho da Câmara para explicar a publicação de um vídeo institucional que comemorava o Golpe de 1964. Ele assumiu a responsabilidade pelo material e disse que havia sido um funcionário com mais de 26 anos de trabalho que divulgara o conteúdo “não propositalmente”. Um dia depois, na quarta-feira 17, o ministro recebeu a reportagem de EXAME em seu gabinete no 4o andar do Palácio do Planalto. Ali, Santos Cruz falou da polarização no ambiente político e dos principais desafios do governo Bolsonaro. A seguir, a entrevista do ministro.

Qual é a missão do senhor no governo?

Vejo minhas tarefas de maneira objetiva. Tenho o programa de parcerias de investimento, que trata de projetos de infraestrutura, a Secretaria de Comunicação, que é uma área muito sensível, porque falamos diretamente com o público. A Secretaria de Governo também é a porta de entrada para todo segmento que queira se comunicar com a Presidência. Conduzo também a parte de relacionamento com prefeitos e governadores, além de fazer uma assessoria nas emendas parlamentares. 

E qual é seu papel na articulação política?

Auxilio o ministro Onyx, responsável pela articulação política. Não existe divisão formal da articulação. É uma atividade que não pode ser dividida de maneira matemática ou com limites nítidos. O relacionamento com parlamentares é trabalhoso e, para dar a atenção que os deputados federais e senadores merecem, temos de somar os esforços. O trabalho é grande, até mesmo pelo número de deputados, de bancadas, de lideranças, de demandas. E minha relação profissional com o ministro Onyx é excelente.

Qual é o grande desafio do governo?

A falta de harmonia, não só dentro do governo, mas em geral. Há dois fatores muito fortes. O primeiro foi a eleição polarizada, então os grupos dos dois lados continuam efervescentes. A segunda é que o Brasil, infelizmente, nos últimos 20 anos passou por um processo em que as pessoas eram incentivadas a ir umas contra as outras. O pobre contra o rico, o negro contra o branco, o Norte contra o Sul. E isso colabora para esse ambiente e essa dificuldade de arrefecer a polarização. Temos de tirar essa ideia de confrontos entre grupos.

Levando em conta os discursos contra mulheres e LGBTs que o presidente fez na campanha, o senhor acredita que o governo pode acabar com a polarização?

Não importa se a pessoa é LGBT, lésbica, gay, mulher, pobre, rico. Precisamos enfatizar que temos de respeitar a todos. Nós tivemos uma eleição marcada pela polarização. Quem perdeu tem de respeitar quem ganhou, e quem ganhou deve respeitar quem perdeu.

Uma parte de suas atribuições está ligada aos investimentos. Para o senhor, quais são os maiores problemas econômicos do Brasil?

Um deles é o desequilíbrio das contas públicas. Outro é a falta de transparência. Precisamos ter transparência de todos os nossos gastos. As contas públicas ficaram escondidas por muito tempo, e por isso tivemos tantos roubos. Alguém só consegue colocar 51 milhões de reais dentro de casa em dinheiro se não há transparência no sistema. Aqui, pode vir qualquer um que eu mostro todas as contas da Secretaria de Governo.

O senhor acredita que a reforma da Previdência vai passar no Congresso? O projeto sofrerá muitas mudanças?

Acho que a proposta está de acordo com a perspectiva do Ministério da Economia e foi estudada tecnicamente por pessoas dedicadas ao problema. É normal que a Câmara dos Deputados estude o assunto e faça as modificações que julgue cabíveis. Esse é o processo normal de aperfeiçoamento. O importante é ter confiança na Câmara dos Deputados no cumprimento das atividades que são de sua competência. Acredito que, ao final de todo o processo na Câmara e no Senado, a proposta será aprovada.

Santos Cruz, em missão de paz da ONU no Congo: o único militar brasileiro a ter a experiência de liderar tropas numerosas no exterior desde a Segunda Guerra Mundial | Divulgação

E depois da Previdência quais são os planos do governo?

Existem muitas iniciativas importantes, tais como a reforma tributária, mudanças no Pacto Federativo para aumentar a autonomia e os recursos destinados aos estados e municípios, e por aí vai. Há muito trabalho à frente e a aprovação da Nova Previdência não é o final.

O governo já pensou em privatizar a Empresa Brasileira de Comunicação ou até mesmo extingui-la. Qual é o plano do senhor para a empresa?

Hoje a EBC tem  dois canais de televisão, além de um grupo de rádios. São quase 2.000 servidores, sendo 90% concursados. Esse tipo de recurso governamental precisa ser muito bem utilizado. Pode-se até pensar em extinguir ou questionar para que serve, mas, quando existe, tem de funcionar bem, tem de ser eficiente e ter qualidade.

O senhor acredita que este governo se comunica bem?

A EBC não funciona como propaganda de governo. Ela tem de trazer informação, sem o aspecto ideológico, sem ser um instrumento de comunicação estatal ou de projeto de poder. Nesta semana eu apresentarei ao presidente normas estabelecendo a política de comunicação governamental. Elas já estão prontas e só precisam ser aprovadas.

Essas normas se aplicarão à conta do presidente no Twitter? 

Não. A comunicação do presidente pelo Twitter é dele. Meu relacionamento com o presidente não é o de fazer normas para ele, mas de aconselhá-lo. Sou o conselheiro do presidente.

Quando o convidou para o governo, o que o presidente pediu ao senhor?

Ele não precisou dizer qual era a expectativa dele em relação a mim. Um chefe pode te dar uma diretriz clara, às vezes por escrito ou verbalmente. Em outros casos,  conclui-se pela observação, pelo discurso da autoridade, pelo olhar. A primeira coisa que o presidente quer é cortar qualquer desperdício público e eliminar qualquer chance de corrupção. A segunda é fazer o governo funcionar.

A alta participação dos militares no governo era vista com preocupação. Hoje, é apontada como o bastião de estabilidade do governo. Como o senhor avalia essa mudança?

Não foram os militares que mudaram, e sim as pessoas, que pensavam que os militares eram seres diferentes. O estereótipo do militar é de uma sociedade fechada, em que cultiva só a solução da força. Essa imagem foi construída ao longo do tempo. Mas não é assim. Tenho um perfil de ser um cara sério e fechado, as pessoas me perguntam se eu dou risada. É claro que eu dou risada, não sou louco.

O senhor já passou por missões de paz no Congo e no Haiti. Como avalia a vida em Brasília?

Lá era mais fácil, porque ou você matava ou morria. Aqui a gente não mata nem morre, só sofre. É bastante complexo, porque os interesses são muitos, as reações não são pelo mérito das coisas, mas pelos interesses. Para mim, não tem problema nenhum. A dificuldade e o desafio me motivam.

O senhor teve de se explicar no Congresso sobre o vazamento de um vídeo que comemorava o Golpe de 64. Na visão do senhor, houve um golpe?

Acho esse tipo de discussão totalmente inútil. Na internet estão as imagens, os artigos da época. Qualquer pessoa pode chegar a essa conclusão. A história é bem clara quanto a isso. As pessoas precisam chegar a suas próprias conclusões, sem viés ideológico. Para aquele que foi perdedor político foi golpe, sem dúvida nenhuma. Para o outro que ganhou, é revolução. Acho um crime os professores contarem apenas uma parte dos acontecimentos nas escolas. A população não está preocupada se foi ou não golpe. A população quer emprego, habitação, mandar os filhos para a escola e ter saúde pública de qualidade.

O guru Olavo de Carvalho exerce grande influência sobre a família do presidente e já fez críticas duras ao senhor. Como o senhor se relaciona com a ala mais ideológica do governo?

Primeiramente, eu não acompanho esse cidadão. Não leio suas críticas. Eu também não mantenho contato com essa ala mais ideológica. Não estou preocupado com ideologia, estou focado em meu trabalho.

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