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A despedida do CEO: as lições e o futuro de Carlos Brito após a AB InBev

Executivo passa o bastão a Michel Doukeris depois de uma década e meia construindo um gigante global. Em entrevista, ele conta como foi a mudança e aponta tendências para o mercado de consumo

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Carlos Brito deixou o comando da cervejaria AB InBev após 15 anos construindo um gigante global. À EXAME, ele afirmou que a cultura da eficiência, da humildade e do senso de dono é atual como nunca (Olivier Anbergen/Divulgação)

Carlos Brito deixou o comando da cervejaria AB InBev após 15 anos construindo um gigante global. À EXAME, ele afirmou que a cultura da eficiência, da humildade e do senso de dono é atual como nunca (Olivier Anbergen/Divulgação)

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Lucas Amorim

Publicado em 15 de julho de 2021 às, 05h05.

Última atualização em 25 de julho de 2021 às, 10h40.

Depois de 15 anos na presidência da cervejaria AB InBev, o carioca Carlos Brito deixou o comando da companhia em 30 de junho. Seu sucessor, o catarinense Michel Doukeris, segue a linhagem de uma das maiores fábricas de líderes do planeta. Foi treinado por Brito e indicado por ele ao conselho como o mais preparado para comandar um gigante de 130 bilhões de dólares com 164.000 funcionários pelo mundo e marcas líderes como Stella Artois, Skol e Beck’s.

Doukeris e o time de futuros líderes vão encarar, segundo Brito, um mercado com menos oportunidades de grandes aquisições — embora elas não estejam descartadas. E precisará seguir investindo em inovação e novos negócios criados internamente, como o novo serviço de entregas Zé Delivery, com um olhar atento para as novidades cada vez mais frequentes.

“Construímos a empresa vendo nas mudanças oportunidades, e não ameaças”, diz Brito. Ele falou com a EXAME por videoconferência, poucos dias antes de deixar o cargo. E afirmou ainda não ter definido qual será seu próximo desafio. Mas, assim como fez nos 32 anos de AB InBev, diz que mirará o longo prazo. “Meu pai é médico, vai fazer 89 anos e fechou o escritório dele quando fez 86. Como tenho 61, tenho mais 25 anos de trabalho pela frente, pelo menos”, afirma.

Sua saída era uma decisão esperada pelo mercado há anos. Quando o senhor bateu o martelo? 

Estou na empresa há 32 anos espetaculares, 15 deles como CEO. Não é um tempo muito normal quando você olha pelo mercado, é meio fora da curva. Mas isso aconteceu porque eu sempre adorei a companhia e sempre me identifiquei muito com seus valores. Para mim sempre foi um prazer estar aqui, é parte de minha vida e de minha família.

Uma coisa que sempre foi central em nosso modo de ver as coisas é ter um grupo de pessoas muito fortes que precisam de oportunidades para continuar se desenvolvendo. Só temos uma certeza neste mundo — que há gente melhor do que nós. Tem gente pior também. E com 164.000 pessoas quero crer que há muita gente que com o tempo vai ser melhor do que eu e meus colegas.

Se não, estamos fazendo um trabalho errado de admissão de pes­­so­as. Se acharmos que as pessoas vão ser no máximo iguais ao que somos hoje, a empresa não vai progredir. Só que para manter essas pessoas você precisa, em algum momento, passar o bastão para que elas possam crescer. Todo ano eu falo com o conselho da companhia e trago para as principais posições, inclusive a minha e a do meu time, as pessoas que estão preparadas agora, quem estará preparado daqui a três anos, e quem estará preparado daqui a cinco anos ou mais.

Quando você sente que aquelas pessoas estão preparadas, e a companhia está apontada, é hora de passar o bastão.

Em seu caso, o questionamento nos últimos anos no mercado é que a troca pode ter demorado. Demorou?

Quinze anos não é a média, então as pessoas começaram a se perguntar. Foi dando certo, as coisas foram andando e continuamos expandindo. Tivemos muitas combinações de negócios que foram acontecendo. Não é que fiquei 15 anos fazendo a mesma coisa. A companhia cresceu tanto que a cada quatro anos tínhamos uma nova empresa. Então era sempre um novo começo.

E por que 2021 foi o último ano? 

Porque em algum momento vimos que tínhamos talentos que já estavam prontos para oportunidades e responsabilidades maiores. Vimos também que o futuro da companhia era mais de crescimento orgânico e menos de combinações enormes. E que tínhamos um grupo — não só uma pessoa, mas um grupo — que treinamos por esses anos todos, e que agora estava na hora de eles liderarem esta nova fase da companhia. Era natural. 

Como foi para você, pessoalmente, a decisão? 

Escolhemos conjuntamente a data, eu e o conselho. Inclusive foi uma data perto do meu aniversário — comunicamos o público dois dias antes do meu aniversário. Mas queríamos fazer uma coisa que casasse com o anúncio de resultados. E eu fiquei muito satisfeito. Você fica muito ansioso.

É uma coisa que se faz a cada 30 anos, então não se tem experiência. A companhia também não muda CEO a cada cinco anos. Os CEOs aqui têm mais vida, e as pessoas têm mais vida na empresa. É aquela noção do sócio, do dono. A pessoa fica mais tempo para que as decisões façam sentido no curto e no longo prazo.

Como foi a despedida ainda durante a pandemia? 

Nesses dois meses estou atuan­do normalmente, até o último dia. E em cima disso estou fazendo a transição e envolvendo o Michel [Doukeris] em vários temas globais de que ele não tinha conhecimento profundo, e agora está tendo. A gente se conhece há 25 anos, então não existe nenhuma surpresa. A pandemia mudou tudo. Metade do meu dia a dia era viajando pelo mundo. No ano da transição com a SAB ­Miller eu viajei 808 horas.

Quando viaja você visita cliente, vê as pessoas, vai ao mercado ver a execução, vai às agências ver o trabalho das marcas, vai tomar um chope com o pessoal no fim do dia, toma café da manhã com os talentos que está contratando. O Zoom conseguiu fazer alguma coisa, mas não tudo. Ontem meu dia começou às 5 horas da manhã, porque estou interligando com zonas que ficam em fusos horários diferentes. Numa época normal, estaria lá fazendo evento. Ficou até mais intenso nesse sentido. E vai até as 19, 20 horas.

A escolha do Michel Doukeris era uma prerrogativa do conselho, mas você apresentava a lista de possíveis sucessores. Quanto você participou? 

Participei integralmente, mas claro que a escolha final é do conselho. É uma das prerrogativas do board, mas querem saber minha opinião sempre, até porque eu convivo com as pessoas no dia a dia, e eles não. O Michel já vinha sendo meu primeiro da lista havia algum tempo, então não foi novidade. Michel Doukeris é o cara certo para a próxima etapa da companhia.

Ele sabia que era cotado? Há empresa que abre e empresa que não abre... 

Não sabia. Achamos que não valeria a pena. Até porque essas coisas podem mudar. Não faz sentido você criar essa ansiedade. Até porque não estava certo quando seria a mudança. Na companhia valorizamos muito o foco. Procuramos distrair as pessoas o mínimo possível, e isso seria uma megadistração. Imagina chegar para as pessoas e dizer: “Você está na lista”? E dizer para os outros que estão e não serão escolhidos?

A possibilidade de trazer alguém de fora era vista sob várias óticas. Uma delas dizia que a AB InBev era ótima para formar executivos com determinado perfil. A escolha do Doukeris mostra que há diferentes perfis dentro da companhia? 

Nós sempre montamos nossa empresa olhando para fora. Há muita gente lá fora, e é claro que na maioria das vezes as melhores ideias estão lá fora. Há 8 bilhões de pessoas tentando resolver problemas semelhantes aos nossos. Sempre visitamos muitas empresas e sempre tentamos comparar os talentos que estamos desenvolvendo com o que vemos lá fora. Essa sempre foi parte de nossa cultura. Somos muito modestos e sabemos que lá fora existem ideias muito boas.

O que o senhor teria feito diferente em todos esses anos na AB InBev? 

Primeiro gostaria de falar do que me orgulho. Me orgulho de trabalhar numa companhia que vê as pessoas como única vantagem competitiva permanente. Me orgulho de ter montado, junto com meus colegas, uma empresa em que nós resolvemos os problemas, nós corremos atrás das oportunidades, nós contratamos os talentos que vão ser melhores do que nós no futuro.

Me orgulho muito também de ter princípios, de não pegar atalhos. Se você pegar a parte europeia da nossa companhia, ela começou em 1366. Queremos continuar a empresa para sempre. Para isso, não tem jeito, temos de fazer as coisas do jeito certo, e do jeito difícil. Me orgulho também de ser uma empresa eficiente. Às vezes fomos criticados no passado por ser eficientes. E hoje isso é valorizado. O que é sustentabilidade? É ser eficiente no uso de recursos naturais. A eficiência operacional, que sempre pregamos, está sendo valorizada. Porque os recursos são escassos. Do que me arrependo é de não ter entrado na empresa cinco anos antes. Trabalhei em outras que eram bacanas, mas não eram espetaculares como a nossa. 

Mas insistindo no ponto. A evolução é natural numa jornada tão longa e tão rica. Se pudesse ter percebido antes alguma tendência, você teria feito algo diferente?

Quando começamos, a empresa estava só no Brasil. Nós tínhamos uma noção muito boa do que estava acontecendo e tomávamos mais risco porque éramos menores. A gente teve de tomar várias medidas rápidas para crescer. Aí você vai crescendo e chega um momento em que fica tão grande que se bobear — e isso aconteceu em algumas áreas da companhia — começa a resistir a mudanças.

Construímos a empresa vendo nas mudanças oportunidades, e não ameaças. Como não somos perfeitos, em alguns mercados tentamos ir contra algumas tendências, algumas mudanças. Até que acordamos, abraçamos a tendência, e aí ela passou a nos dar uma megaoportunidade de crescimento. A melhor hora de mudar é quando as coisas estão indo bem. Então você aprende a lidar com isso. Como a máquina é muito grande, e o risco é muito grande, criamos uma unidade, a ZX ventures, que reúne novas iniciativas. Criamos uma equipe separada que só vivia daquilo. Quando os projetos foram provados, e precisavam ser escalados, voltaram para a máquina. Por isso hoje o Zé Delivery é o que é no Brasil, por exemplo. 

Como o senhor deixa a presidência de uma empresa como a AB InBev e cria um novo sonho grande para si mesmo?

Isso ainda está sendo trabalhado. Depois que o anúncio virou público, muitas pessoas que conheci de vários carnavais me ligaram. Eu só anotei. Mas agora não estou com tempo para entrar no detalhe. Depois de sair, quero dar uma respirada. Vou tentar ter um pouco mais de tempo, tenho quatro filhos, uma esposa com quem estou casado há quase 30 anos. Então vamos avaliar as ideias que recebi e aos poucos ir entrando mais a fundo para entender e em algum momento tomar uma ou mais decisões. A única coisa é que qualquer decisão tem de cumprir três requisitos. Quero continuar trabalhando com pessoas que eu admire, respeite e aprenda.

Quero trabalhar com um grupo de pessoas que tenham valores iguais aos meus. E quero trabalhar num lugar em que eu seja sócio, como sempre fui aqui. De resto, estou totalmente aberto. Meu pai é médico, vai fazer 89 anos e fechou o escritório dele quando fez 86. Como tenho 61, tenho mais 25 anos de trabalho pela frente, pelo menos.

O senhor é uma referência em trabalho duro e comprometimento. Mas o mundo discute cada vez mais o equilíbrio. O senhor trabalhou exageradamente? 

Sempre gostei de trabalhar duro. É parte de nossa cultura. Mas isso não quer dizer abrir mão da família. Significa que você tem de administrar muito bem seu tempo. Sempre falei isso para os trainees nesses 30 anos. Sempre me perguntam de balanço de vida pessoal e profissional. Eu digo que isso sempre foi uma coisa que você precisou administrar.

Quando estava na faculdade, tinha de pensar se vai para a festa ou estuda para tirar uma nota melhor. Isso sempre foi presente na vida, não temos tempo para tudo o que queremos fazer, e a vida é muito curta para tudo o que queremos alcançar. 

Olhando para o futuro do mercado de consumo, o que há de concreto nas mudanças recentes?

O principal continuará valendo. O consumidor nunca vai ter a vida baseada ou na loja da esquina ou na marca grande. As ocasiões se fragmentam cada vez mais. Tem hora que você olha preço, e hora que você não olha. Tem hora que quer qualidade, e hora que quer só quebrar um galho. Hora que quer online, hora que não quer.

A Amazon comprou o Whole Foods porque viu que em nenhum momento o consumidor resolveria 100% das coisas online; tem hora que ele quer pegar, quer testar. Sonho grande continua valendo; pessoas que fazem diferente, também; cultura de dono, também; foco nas necessidades do consumidor e trabalhar de lá para trás, nada disso mudou.

O que mudou: há mais tecnologia, que permite fazer coisas que antes você não conseguia. Claro que a vida está mais prática, mas as necessidades são as mesmas. A tecnologia também faz com que, se bobear, você perca muito tempo com besteira. Ela pode não melhorar a produtividade porque cria muita distração. O consumidor hoje é muito mais informado e espera das empresas que elas também tenham opinião, e não só produtos espetaculares. 

Por qual marca o senhor gostaria de ser lembrado? 

Gostaria de ser lembrado como uma pessoa que é parte de um time que na média deu muito certo. Sempre fomos uma empresa de princípios em tempos bons e ruins, e uma empresa que sempre procurou entender que é parte de uma comunidade. Nosso negócio é global, mas em sua essência ele é local: 97% dos produtos que fazemos contratamos localmente, compramos localmente e vendemos para os consumidores locais.

Dependemos da comunidade, e ajudamos a comunidade. Criamos várias iniciativas para ajudar os pontos de venda fechados na pandemia. Criamos lives para os consumidores. Daqui a 20 anos meus filhos poderão olhar para trás e ver que atingi coisas legais de forma ética.  


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