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“Não se pode adiar a transição digital”

Para Jan Mrosik, chefe global de digitalização da Siemens, a tecnologia oferece a empresas e países como o Brasil a oportunidade de dar um salto

Mrosik: “Não é mais preciso comprar uma máquina, e sim os usos que ela oferece”  (Divulgação)

Mrosik: “Não é mais preciso comprar uma máquina, e sim os usos que ela oferece” (Divulgação)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 15 de agosto de 2019 às 05h40.

Última atualização em 15 de agosto de 2019 às 11h55.

engenheiro alemão Jan Mrosik vem testemunhando a profunda revolução que a indústria mundial vive. Presidente da divisão global de digitalização da Siemens, maior conglomerado industrial da Europa, ele alerta para a necessidade de as empresas embarcarem na transformação digital e os riscos para quem não o fizer. “Num ambiente altamente competitivo, a digitalização impacta o uso de recursos e a lucratividade das empresas”, diz Mrosik. Hoje, a divisão liderada pelo executivo, que engloba desde softwares até equipamentos para automação, é a mais lucrativa entre todas as áreas de atuação da Siemens, com receita de 16 bilhões de euros. Em Hannover, na Alemanha, ele concedeu a seguinte entrevista a EXAME.

Como a digitalização está mudando o setor industrial?

O mundo digital e o real — que engloba o chão de fábrica, o departamento de design, os desenvolvedores de softwares — podem se unir. Hoje, é possível criar um gêmeo digital de uma fábrica e ver essa unidade em operação antes mesmo de construí-la. As máquinas de uma indústria podem estar conectadas entre si, capturando dados da produção que serão analisados e vão melhorar o desempenho daquela unidade. Com a atual capacidade computacional disponível, não há dúvida de que dá para fazer as coisas de forma muito mais inteligente.

O conceito de digitalização da indústria surgiu há menos de dez anos. Quais foram os aprendizados nesse período?

Cada vez mais indústrias adotam a digitalização porque ela oferece um tremendo avanço em questões que sempre foram importantes para as empresas no mundo todo. A qualidade e o controle de processos melhoram muito numa fábrica conectada. O número de itens defeituosos diminui e a eficiência aumenta. Num ambiente altamente competitivo, isso impacta o uso de recursos e a lucratividade das empresas. Temos visto também que a digitalização tem apoiado novos modelos de negócios. Não é mais preciso comprar uma máquina, e sim os usos que ela oferece.

Como isso afeta o consumidor final?

A flexibilidade que existe hoje para atender às demandas do consumidor é incomparável com o que podíamos fazer no passado. Hoje, os carros são produzidos com mais de 1 milhão de configurações. É possível comprar um tênis na internet de acordo com as propriedades físicas dos pés de cada pessoa. Ou seja, a digitalização permite que a indústria faça produtos personalizados. Isso causa um impacto enorme no mercado.

O aumento de produtividade é um objetivo que o setor industrial sempre perseguiu. Como as novas tecnologias estão permitindo ir além?

Agora, uma das questões centrais é a forma de conceber os produtos e como eles chegam de fato à linha de produção. Não se trata de ter mais ou menos robôs fazendo as coisas. A fabricante italiana de carros esportivos de luxo Maserati, do grupo Fiat, por exemplo, diminuiu de 30 para 16 meses o intervalo de lançamento de novos produtos no mercado com ferramentas que digitalizaram desde a etapa do design, com uma redução incrível no tempo de simulação de protótipos, até a interação com uma imensa cadeia de fornecedores. Tudo isso permitiu que a produção crescesse três vezes na fábrica.

Como as indústrias defasadas podem fazer a transição digital?

Primeiramente, não têm de jogar tudo fora e começar do zero. Isso não é prático. É preciso trabalhar a partir da base industrial que já existe e integrá-la à plataforma digital. Também não é preciso fazer tudo ao mesmo tempo. Deve-se encontrar um provedor de tecnologia capaz de identificar os gargalos, que, uma vez superados, vão trazer os maiores benefícios primeiro. Mas nenhuma empresa pode se dar ao luxo de não começar esse processo agora. O risco de quem não fizer essa transição é ficar para trás. É por isso que empresas que já estiveram entre as 500 maiores do mundo estão sendo expulsas do mercado, pois seus concorrentes foram mais rápidos e investiram em inovação antes delas.

Quando isso ocorre é porque faltou investimento?

Obviamente, dinheiro é importante, mas normalmente é no desenvolvimento do projeto, que leva tempo mesmo, e na prioridade que a empresa dá a ele, envolvendo mais ou menos pessoas, que se determina o sucesso da transformação digital. As grandes empresas costumam ter os recursos para isso. As menores precisam de mais tempo. Mas, no final das contas, é uma questão de engajamento.

Então qual é o principal obstáculo para a adoção da tecnologia?

Ainda falta entendimento do que se pode alcançar na prática com as novas tecnologias. Todo mundo já ouviu falar de internet das coisas, big data, inteligência artificial e como elas estão mudando o mundo — e, de fato, estão. Mas muita gente não entendeu qual é o impacto aplicado a seu negócio. E, antes de investir, qualquer empresário precisa ter muita clareza do retorno do investimento. Isso acontece em todos os lugares, inclusive no Brasil.

De que forma países emergentes, como o Brasil, podem capturar os ganhos da digitalização na indústria?

Os saltos de produtividade permitem que países mais atrasados fiquem em pé de igualdade em relação a outros. Mas vai além disso. Novos segmentos e produtos estão surgindo em um ambiente de imensa competitividade internacional. Em muitos países, a digitalização de fato está avançando rapidamente. E as economias correm o risco, assim como os negócios, de ser atropeladas por um competidor que agiu mais rápido.

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