Revista Exame

Futuro do trabalho: veja 20 funções que serão criadas pelo avanço da IA

Com o avanço acelerado da inteligência artificial e da digitalização em todos os setores, novas profissões estão surgindo e movimentando o mercado de trabalho

Engenheiros de prompt: com a missão de dar os comandos para que a IA entregue o seu melhor, profissionais são cobiçados pelas empresas (Klaus Vedfelt/Getty Images)

Engenheiros de prompt: com a missão de dar os comandos para que a IA entregue o seu melhor, profissionais são cobiçados pelas empresas (Klaus Vedfelt/Getty Images)

Publicado em 5 de outubro de 2023 às 06h00.

Quando alguém de fora da computação pergunta qual é a profissão do recifense Ricardo Fernandes, ao ouvir a resposta, invariavelmente, o interlocutor revela uma expressão de desconhecimento, e ele já se prepara para explicar o que faz. Fernandes é engenheiro de prompt, atualmente uma das ocupações mais requisitadas com o avanço acelerado da inteligência artificial em diversos processos dentro das empresas (prompts são a forma de se comunicar com uma IA, os pedidos que devem ser feitos ao robô para extrair o melhor dele).

Vindo da área industrial, com formação em engenharia de produção, em 2017 Fernandes estava insatisfeito e decidiu mudar de carreira — foi estudar ciência de dados, uma área pela qual sempre se interessou. Começou autodidata e depois concluiu uma pós-graduação, coincidindo com o lançamento do ChatGPT, chatbot da startup americana OpenAI que chacoalhou o mundo da tecnologia. “Vi ali uma oportunidade. Percebi o potencial dessa ferramenta de IA e comecei a me especializar em modelos de linguagem de grande porte. Há seis meses venho desenvolvendo conhecimento para abrir a minha própria agência de automação com IA”, conta.

Aberta no timing certo, a nova empresa, a Cheetah Data Science, rapidamente conquistou seus primeiros clientes, criando branding, copywriting e estratégias de marketing com a ajuda de “androides virtuais”, como ele chama as ferramentas de IA. O engenheiro também está preparando um e-book e finalizando o segundo módulo de um curso. “Acredito que a inteligência artificial vai transformar o mercado de trabalho. Por isso, quero formar o máximo de profissionais especializados como eu.”

Sandra Ávila, professora e pesquisadora em IA da Unicamp: muitas outras profissões (ainda desconhecidas) estão por vir (Antonio Scarpinetti/SEC Unicamp/Divulgação)

Os mais disputados no mercado

Ele tem razão. A profissão de Fernandes é uma entre diversas outras especializações que estão surgindo ou ganhando impulso com a onda tecnológica pela qual a sociedade e os negócios estão passando.

Embora bem recentes, essas novas skills já são muito demandadas pelo mercado, em um ritmo tão acelerado que a quantidade de especialistas sendo formados não tem conseguido suprir. Segundo um levantamento do LinkedIn, o número de vagas de emprego que mencionam ChatGPT ou GPT, por exemplo, aumentou mais de 20 vezes desde novembro do ano passado, quando a ferramenta foi anunciada.

Outro estudo, do Google com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), aponta que anualmente 53.000 profissionais de tecnologia serão formados no Brasil entre 2021 e 2025, mas a busca por novos talentos nesse período será de 800.000 no total, na projeção da associação das empresas de tecnologia, a Brasscom. Ou seja, daqui a dois anos, o país acumulará um déficit de 530.000 profissionais da área.

“Não temos o suficiente nem de programadores para o básico: codificar seja qual for a solução. Não estou falando de especialistas em algo, muito menos em IA”, observa a professora e pesquisadora em inteligência artificial da Unicamp Sandra Ávila. “Então, temos um cenário animador de um lado, afinal há muito emprego, e desanimador do outro, considerando que existe muita coisa para fazer e está faltando gente”, acrescenta.

Para a docente, isso tudo está só começando, porque várias outras profissões estão por vir, e nem sabemos quais serão. “Se pensarmos em modelos de linguagem como o ChatGPT, não têm nem um ano de lançamento. No ano passado, a gente não falava das coisas que as pessoas estão fazendo hoje. Tudo é muito novo, em constante evolução, então outros cargos virão”, analisa.

Paulo Milliet Roque, presidente da Abes: no momento, a saída para preencher vagas é recorrer a cursos técnicos de aperfeiçoamento (Divulgação/Divulgação)

Não falta qualidade, mas quantidade

Os especialistas, entretanto, não atribuem o gap entre a oferta e a procura desses profissionais à ausência de bons centros educacionais em tecnologia no Brasil — o ponto central é a rapidez com que a digitalização está se expandindo. “Temos diversos bons institutos educacionais públicos e privados, mas, como é uma coisa nova, está todo mundo se adaptando e correndo atrás”, opina o presidente da ­Associação Brasileira das Empresas de Soft­ware (Abes), Paulo Milliet Roque.

Como as habilidades específicas dessas recentes atividades ainda não estão formalmente na grade curricular das faculdades, ele diz que a saída no momento são cursos técnicos de aperfeiçoamento. “Dessa forma, talvez dentro de seis meses, um ano ou dois a gente tenha uma massa maior de pessoas qualificadas para as vagas”, avalia.

Uma estratégia adotada por várias empresas é capacitar talentos internamente por meio desses cursos. Ávila, da Unicamp, conta que a universidade é bastante procurada pelas companhias, que pedem indicações de alunos que já saibam programar para oferecer formação em inteligência artificial e automação em geral, direcionada especificamente para a tarefa necessária.

Nem só de programadores vive a digitalização

Vale destacar que as atuais e futuras funções originárias da digitalização não dependem de formações exclusivamente ligadas à computação. São necessárias várias competências. Além das ligadas a outras áreas de exatas (engenharia, estatística, matemática e afins), podem estar envolvidas pessoas com formação em ­antropologia, direito, comunicação, linguística, entre outras.

“As competências não vêm de uma única pessoa. É necessária uma equipe superdiversa, porque os problemas a serem resolvidos pela tecnologia são complexos e diversos”, salienta a pesquisadora.

Isso inclui também, claro, especialistas do ramo em que a tecnologia está sendo aplicada — uma ferramenta para a dermatologia, por exemplo, precisa ter dermatologistas envolvidos — e ligados à ética, cada vez mais relevante no processo de automação de tarefas.

Remuneração acima da média

Demanda alta resulta, obviamente, em salários maiores que a média. Um especialista em IA na função de cientista de dados, por exemplo, dependendo da experiência, pode ganhar até 40.000 reais mensais, segundo levantamento da plataforma de inteligência de vendas Cortex.

Ávila conta que, na Unicamp, os projetos na área, quando em parceria com empresas, que patrocinam a bolsa de estudos de mestrandos e doutorandos, têm valores mais atraentes do que uma bolsa de pesquisa convencional. “Nos estágios que autorizamos também vemos uma remuneração bem mais alta. Ou seja, as pes­soas nem saíram da graduação e já recebem acima do mercado quando comparadas com outros ramos.”

Roque, da Abes, lembra que sempre foi assim quando novas tecnologias surgiram, como planilha eletrônica, banco de dados ou páginas da web. “Potencial de remuneração é lei de oferta e procura e o benefício que traz. A balança está, no momento, a favor do profissional, mas isso tende a se equilibrar no médio prazo”, afirma. “O que não vai haver por enquanto são especialistas o suficiente para treinar os demais profissionais — esses então deverão ser muito bem pagos.”

Onda passageira?

Alguns podem se perguntar se essas são ocupações passageiras. Tudo leva a crer que não. As funções associadas à análise de dados, por exemplo, devem ser ainda mais necessárias daqui para a frente, na verdade, já que estamos lidando cada vez mais com soluções baseadas em dados. “Existem algumas tecnologias de propósito geral — como eletricidade, motor a combustão, computador — que impactam de forma ampla a vida das pessoas. A inteligência artificial é mais uma delas, de propósito geral. Por isso, essas profissões são bastante promissoras”, argumenta Sandra Ávila.

Para Paulo Milliet Roque, que é piloto, dá para fazer uma analogia com a aviação: “Os equipamentos novos e sofisticados, com processamento integrado, simulação realística de horizonte, mapas móveis e ampla consciência situacional, no começo, quando estamos aprendendo, são complicados de usar. Mas, depois que aprendemos, não queremos mais largar, porque é inconcebível voar hoje com o que tínhamos há 50 anos. O mesmo vai acontecer com a inteligência artificial”, conclui.

Porém, ele ressalta que não é preciso afobação por parte das empresas atrás dessa mão de obra ainda escassa. “As empresas precisam se qualificar mais, sim, mas percebo um terrorismo em cima do tema — ‘se sua empresa não dominar IA, ela não tem mais futuro’ —, e não é bem assim. Essas modificações vêm depois de certo tempo.”

Sobre o temor em torno da perda de empregos, Fabio Costa, general manager da Salesforce no Brasil, diz que, embora isso dependa do modelo de negócios da empresa, a grande saída não é demitir, e sim requalificar. “Se o seu objetivo é continuar crescendo, que é o paradigma capitalista que temos hoje, você vai realocar as pessoas. Aí a questão não será mais se as pessoas estarão perdendo o emprego ou não. A grande questão será como essas pessoas poderão ser reajustadas para se manterem dentro do circuito, em profissões como o de engenheiro de prompt, que exige um saber específico.”


Profissões que chegam com o mar de algoritmos

Segundo o Relatório sobre o Futuro dos Empregos 2023, divulgado no Fórum Econômico Mundial, apesar de o aumento da digitalização continuar representando desafios e oportunidades para os mercados de trabalho, o saldo será positivo: ela deve criar mais empregos do que eliminar.

Big data encabeça a lista de tecnologias com potencial de gerar novas ocupações — 65% dos empregadores ouvidos na pesquisa global esperam crescimento das funções nesse ramo. Até 2027, a contratação de analistas e cientistas de dados, especialistas em big data, especialistas em aprendizado de máquina de IA e profissionais de segurança cibernética deve expandir, em média, 30%.

O maior volume de novos empregos deve se dar no comércio eletrônico, nas previsões do estudo. Cerca de 2 milhões de novas funções habilitadas digitalmente são aguardadas, como especialistas em comércio eletrônico, especialistas em transformação digital e especialistas em marketing e estratégia digital.


Sobram empregos, mas...

No mundo, faltam 40 milhões de profissionais qualificados em TI

No Brasil, até 2025 o déficit de especialistas na área será de 530.000

Fonte: estudo O Impacto e o Futuro da Inteligência Artificial no Brasil.


Especialista em robótica: uma das profissões em alta com a busca das empresas por mais digitalização

20 funções que serão criadas ou impulsionadas pela digitalização

  1. Especialista em inteligência artificial
  2. Especialista em aprendizado de máquina
  3. Especialista em processamento de linguagem natural
  4. Especialista em visão computacional
  5. Especialista em robótica
  6. Analista de cibersegurança
  7. Engenheiro de prompt
  8. Auditor de algoritmo
  9. Cientista de dados
  10. Analista de dados
  11. Engenheiro de dados
  12. Gerenciador de dados
  13. Especialista em qualidade de dados
  14. Consultor de ética em IA
  15. Consultor de direito em IA
  16. Consultor de linguística em IA
  17. Desenvolvedor de chatbots
  18. Designer de experiência do usuário
  19. Tradutor de tecnologia
  20. Instrutor de IA

Fonte: especialistas ouvidos na matéria.


Acompanhe tudo sobre:exame-ceo

Mais de Revista Exame

Cocriação: a conexão entre o humano e a IA

Passado o boom do ChatGPT, o que esperar agora da IA?

O carro pode se tornar o seu mais novo meio de entretenimento

Assistentes de IA personalizáveis ajudam a melhorar a experiência do cliente

Mais na Exame