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Economia brasileira vive uma encruzilhada, diz CEO da Empiricus

Na Copa do Mundo dos investidores, nos beneficiamos do demérito alheio de Rússia, Índia, China. Mas precisamos fazer nosso dever de casa

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O Brasil é um caso clássico de “value” e se beneficia da rotação global que troca crescimento por lucro. Temos comida e energia num mundo carente (Daniel Grizelj/Getty Images)

O Brasil é um caso clássico de “value” e se beneficia da rotação global que troca crescimento por lucro. Temos comida e energia num mundo carente (Daniel Grizelj/Getty Images)

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Felipe Miranda

Publicado em 17 de novembro de 2022 às, 06h00.

“Ao que a pessoa vai, em meia-noite, a uma encruzilhada, e chama fortemente o Cujo — e espera. Se sendo, há-de que vem um pé de vento, sem razão, e arre se comparece uma porca com ninhada de pintos, se não for uma galinha puxando barrigada de leitões.

Tudo errado, remedante, sem completação... O senhor imaginalmente percebe? O crespo — a gente se retém — então dá um cheiro de breu queimado. E o dito — o Coxo — toma espécie, se forma! Carece de se conservar coragem. Se assina o pacto. Se assina com sangue de pessoa. O pagar é a alma. Muito mais depois.”

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Em tempos de alusões à figura do demônio e de nacionalismo aflorado pelas eleições, pelos 200 anos da Independência e, acima de tudo, claro, pela Copa do Mundo, resgatamos o pacto fáustico descrito em Grande Sertão: Veredas. A miscigenação do olhar sertanejo com as questões filosóficas mais profundas. Nada mais brasileiro.

Qual tipo de acordo, como investidores, no sentido do Mr. Market, de Benjamin Graham, estamos dispostos a fazer? O Brasil está numa encruzilhada. Precisamos escolher entre a validade ou não do famoso ditado: “O Brasil não perde uma oportunidade de perder oportunidades”. Qual oportunidade se coloca diante de nós? Já chego lá. Há duas coisas grandes acontecendo no mundo. Estão correlacionadas, obviamente. 

A primeira se refere à subida dos juros baixos lá fora. Não é pouca coisa. Desde o começo dos anos 1980, observamos o mais longevo bull market da história: o preço dos bonds só subiu. Até chegar à aberração da pandemia. Para combater o evento bíblico, fizemos um esforço fiscal comparável somente às épocas de guerra — quase 30% do PIB em alguns países. Levamos os juros a zero ou ao negativo e enviamos cheques gordos para a casa das pessoas.

Deu no que deu. A inflação veio a galope, alta e persistente, matando a Teoria Moderna Monetária (que André Lara Resende ouça!) e o discurso de pressão transitória nos preços. Precisamos de juros maiores, talvez acima de 5% para a taxa básica nos Estados Unidos. 

Isso destrói toda uma era. Fintechs sonháticas, tecnologias com payoff em 2030, valuations astronômicos, métricas de valor da empresa sobre downloads do app ou coisas parecidas… Umas invenções típicas de momentos de euforia e bolha… Tudo isso acabou (ou está acabando). O dinheiro volta a ter custo. Promessas de crescimento dando lugar ao lucro líquido. 

Com juros maiores, o mundo abandona o “growth”, aquilo que tem fluxo de caixa lá no futuro e é penalizado por maiores taxas de desconto, e migra em direção ao “value”, ao que está barato hoje, comparativamente a seus fluxos de caixa ou a seus ativos.

A boa notícia: o Brasil é um caso clássico de “value” e se beneficia dessa rotação global. Se, em grande medida, estivemos alijados de todo o boom de tecnologia dos últimos 15 anos, nossas fazendas, nossas boas florestas para celulose, nosso minério de alta concentração de ferro, nosso etanol de segunda geração e nosso Pré-Sal valem mais do que ouro. Temos comida e energia, num mundo carente dessas duas coisas cruciais. 

A outra placa tectônica em movimento pertence à geopolítica, mais especificamente à contestação daquilo que Francis Fukuyama batizou de “o fim da história”. Com a queda do muro de Berlim, não haveria mais antítese à tese da democracia liberal. Os valores ocidentais clássicos teriam ganhado o jogo em definitivo. Uma síntese incontestável, capaz de interromper o processo histórico dialético, em que sempre haveria uma antítese à tese em vigor. 

Até que as autocracias ganharam espaço e resolveram se insurgir contra a ideia. O exemplo mais histriônico, claro, é Putin e sua guerra na Ucrânia — acordamos com o risco de uso de armas nucleares e de “o fim da história” deixar de ser uma metáfora inteligente para ganhar potenciais contornos materiais. Mas talvez a grande questão mesmo seja a Segunda Guerra Fria, entre os Estados Unidos e a China.

Seja pela recondução de Xi Jinping ao terceiro mandato, pelo “Chips Act” de Joe Biden, que retira a China da cadeia de suprimentos global de semicondutores e de sua fronteira tecnológica, seja pelo risco de invasão de Taiwan, caminhamos sobre gelo fino. Podemos estar na iminência de um novo Vietnã e de algo semelhante à crise dos mísseis.

O próprio Fukuyama acaba de escrever na The Atlantic: “Still the end of History”, ou seja, ainda é o fim da história. A democracia liberal e os valores ocidentais clássicos vão ganhar esse jogo, deixando os autocratas ainda mais enfraquecidos. Temos aqui nossos problemas, que não são poucos. Mas mesmo a democracia mais problemática ainda é superior à melhor das autocracias. O Brasil é uma democracia grande e consolidada, pacífica (com um bloqueio de estrada ou outro) e longe das zonas de conflito.

Na competição pela Copa do Mundo dos investimentos, nos beneficiamos do demérito alheio. A Rússia virou “ininvestível”. A Índia está próxima da Rússia, cara e lhe faltam comida e energia. E a China vive a tal Segunda Guerra Fria com os Estados Unidos, além de incomodar o dinheiro europeu preocupado com ESG. Não há grandes alternativas por aí. Depois de termos abocanhado parte da alocação antes destinada à Rússia pelos investidores de mercados emergentes, podemos avançar sobre a posição da China — e essa é bem grande nos índices globais.

Obviamente, precisamos fazer nosso próprio dever de casa. Aventuras heterodoxas e repetições de erros do passado não serão toleradas. Insistir em determinado procedimento esperando um resultado diferente é uma das definições de loucura. Trocamos um waver (licença para gastar acima do teto) por uma equipe técnica e ortodoxa no Ministério da Economia. Ganhamos a Copa, como em 2002, e repetimos o ciclo 2003-2007. Que tal esse pacto?  

(Arte/Exame)

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