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Em debate, a nossa vocação. Podemos seguir a Austrália?

Uma boa notícia pode também ser má? Eis um dilema com o qual terão de lidar economistas, cientistas sociais, políticos e quantos mais se debruçarem sobre os desafios brasileiros para os anos que se seguem. O Brasil termina o ano de 2010 com a maior taxa de crescimento desde, pelo menos, 1986, com o fugaz […]

Plantação de soja em Mato Grosso: será assim a cara da economia brasileira? (Divulgação)

Plantação de soja em Mato Grosso: será assim a cara da economia brasileira? (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

Uma boa notícia pode também ser má? Eis um dilema com o qual terão de lidar economistas, cientistas sociais, políticos e quantos mais se debruçarem sobre os desafios brasileiros para os anos que se seguem. O Brasil termina o ano de 2010 com a maior taxa de crescimento desde, pelo menos, 1986, com o fugaz Plano Cruzado. O ritmo atual certamente terá de ser refreado pela equipe econômica da presidente Dilma Rousseff, mas não há uma única voz de peso sugerindo que o Brasil não vá crescer, e bem, nos próximos anos. Se as previsões se confirmarem, em 2011 o PIB brasileiro deve avançar a uma taxa de 4,5%, um pouso relativamente suave para uma economia superaquecida e repleta de gargalos.

O bom momento deve-se a uma feliz combinação de uma boa política macroeconômica com um cenário externo extremamente favorável ao país. A entrada em massa de consumidores asiáticos no mercado mudou o jogo em favor de países como o Brasil. O salto no preço das commodities, além de impulsionar a produção e as exportações brasileiras, permitiu que um punhado de empresas nacionais, como Vale, Petrobras, BRF, JBS-Friboi, Marfrig e Cosan, se consolidassem como multinacionais líderes em seu setor. A onda das commodities tem servido ainda para atrair investimentos, como é o caso da recente aquisição da usina de álcool Cerradinho, no interior de São Paulo, por 1 bilhão de dólares pelo grupo asiático Noble. Consumidores e investidores de todo o mundo estão de olho em nossas fazendas, minas e empresas da cadeia de recursos naturais.

Mas o sucesso cobra um preço, refletido numa taxa de câmbio cada vez mais valorizada. É uma situação que embute riscos. O mais imediato é o de déficits externos crescentes. Um sintoma claro dessa tendência é a queda expressiva do saldo comercial — a diferença entre o que o país importa e exporta. Em 2006, o saldo comercial foi de 46,5 bilhões de dólares. Neste ano, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Comércio e Indústria, o saldo deve fechar em 15 bilhões de dólares. Mas, para 2011, a previsão é bem mais modesta, de apenas 4 bilhões de dólares, um décimo do valor de cinco anos atrás. No total das contas externas, a previsão é de um déficit entre 60 bilhões e 80 bilhões de dólares.

O Brasil já conviveu no passado com déficit em suas contas externas, e o filme não costuma acabar bem. No médio prazo, outro risco do real forte diz respeito à tendência de desindustrialização em várias cadeias produtivas — fenômeno que começa a ser sentido em setores como o de eletroeletrônicos e de têxteis. Por enquanto, tanto a produção como o emprego industriais mantêm-se em bom patamar. Mas já há uma clara tendência de perda de fôlego nas vendas de manufaturas brasileiras lá fora.

Do outro lado do mundo, mais precisamente em Pequim, o economista americano Michael Pettis, professor da prestigiosa Escola de Administração Guanghua, da Universidade de Pequim, alerta para os novos riscos trazidos pela natureza das trocas entre Brasil e China. “O Brasil tem se tornado cada vez mais dependente da exportação de commodities, o que nunca é bom no longo prazo”, diz. “Em períodos de altos preços de commodities é fácil se esquecer disso.”

O nó a ser desatado pela nova presidente não é simples. O preço das commodities segue seu curso e há pouco ou nada que o país, isoladamente, possa fazer. A tendência de valorização do real ganhará um reforço no momento em que o Brasil se consolidar como exportador de petróleo, uma promessa que deverá se materializar em algum momento ao longo da próxima década. O pano de fundo de todo o debate é: o que, afinal, o Brasil pretende ser no futuro? Replicar o modelo australiano, país que enriqueceu sem uma base industrial poderosa, seria uma alternativa interessante?

Ou devemos colocar esforços para manter e desenvolver uma base industrial? Entre esses dois polos, há uma miríade de gradações, e o Brasil terá de encontrar seu papel no mundo. Não deixa de ser um problema melhor do que o enfrentado pelos antecessores de Dilma. No passado, os líderes brasileiros eram cobrados, antes de tudo, a apagar os incêndios da economia. Agora a questão é o nosso modelo de crescimento — e a nossa vocação como país.

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