Revista Exame

Conjugue da forma correta: como colocar os times falando a mesma língua sobre cultura e inovação

Em muitas empresas, a inovação ainda é uma conversa desconectada da cultura — o que as deixa vulneráveis aos desafios

Numa pesquisa recente, quase metade dos profissionais brasileiros disse temer que seu trabalho vire irrelevante em até cinco anos — muito em função da falta de inovação (Nuchao/Getty Images)

Numa pesquisa recente, quase metade dos profissionais brasileiros disse temer que seu trabalho vire irrelevante em até cinco anos — muito em função da falta de inovação (Nuchao/Getty Images)

Adriano Lima
Adriano Lima

Autor do livro "Você em Ação"

Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 06h00.

Conjugar é uma arte e, para alguns, um desafio. Não apenas na língua portuguesa mas também nas questões empresariais. Saber falar bem o idioma dos negócios é uma competência cada vez mais procurada, sobretudo a linguagem da inovação. Como o verbo inovar é conjugado em sua empresa?

No estudo Innovation Index, uma boa parte (83%) dos profissionais brasileiros revelou trabalhar em organizações inovadoras. Ao mesmo tempo, quase metade acredita que suas organizações podem se tornar irrelevantes em três a cinco anos.

O motivo? Não terem a mesma velocidade de implementação de projetos de inovação nem uma cultura para esse tema. Elaborado pela Dell e pela empresa de pesquisa Vanson Bourne, o levantamento ouviu 6.600 líderes de negócios e tecnologia em 45 países, dos quais 300 do Brasil.

Não há como discordar da metáfora do guru ­Peter Drucker: não basta ter uma ótima estratégia se a cultura pode comê-la no café da manhã. Uma cultura inovadora é sempre paradoxal e malcompreendida, como escreveu Gary Pizarro, professor na Harvard.

Ela une dois lados da mesma moeda. No artigo The Hard Truth About Innovative Culture (A dura verdade sobre a cultura inovadora”), ele coloca na balança tudo aquilo que é bacana e vistoso sobre como criar e manter uma cultura inovadora, com o lado B do processo.

Por exemplo: criar um ambiente seguro para todos dizerem abertamente suas ideias também requer franqueza. Ou seja, sem perder a civilidade, é preciso saber ser incisivo e assertivo, às vezes até com dureza. Muitas vezes, um ambiente saudável é confundido com ausência de conflito. E sem conflito não há como sair do lugar — ainda mais para a inovação.

Outro exemplo se refere à tolerância ao erro. Quem não adoraria trabalhar num lugar em que fosse possível experimentar sem medo? O erro demanda profissionais qualificados e é tolerado desde que traga conhecimento. Pessoas com habilidades medíocres podem errar por incompetência — e não pela busca de algo novo. Além disso, quando ocorre o erro, como a empresa deve reagir? Deve ser cruel e impiedosa, ou uma verdadeira mãe?

Também é preciso saber conjugar outros elementos para gerar inovação. Focar pessoas e negócios é uma boa estratégia para melhorar a gestão. E lidar com negócios e tecnologia promove a melhoria de processos.

Para que isso aconteça, é preciso aumentar os ingredientes nesse caldeirão corporativo: é necessário trabalhar ao mesmo tempo pessoas, negócios e tecnologia. Ao mexer nesses elementos, surge um alinhamento entre os valores da empresa, o propósito e o que cada um dos demais componentes podem fazer para responder a uma simples pergunta: “Como posso ajudar meu cliente, de uma forma lucrativa, a tornar a experiência dele mais fácil, conveniente, rápida, simples, barata, divertida e prazerosa?”.

Para ter uma ideia de como esse caldo é central: o Viima­ Research, um grupo de empresas voltado para gestão de inovação, fez uma análise de pesquisas sobre desempenho inovador. Ao compilar os obstáculos mais importantes, a falta de apoio da cultura da empresa para a inovação foi o item que mais apareceu no primeiro lugar em 64% dos estudos considerados.

Pela dificuldade em alinhar esses lados até antagônicos e equilibrar na mesma receita os ingredientes pessoas, negócios e tecnologia, não é difícil entender que a empresa que atingir o ponto mais próximo dessa equação terá uma cultura forte.

Os três mosqueteiros

Uma cultura forte e inovadora é capaz de enfrentar os desafios. Por trás da lógica está o fato de ela conter valores como colaboração. Muito melhor do que saber trabalhar em equipe é saber confiar na pessoa ao lado. É saber que tanto você quanto seu colega sabem o que têm de fazer e como.

Por sua vez, uma cultura fraca não apresenta esse espírito. Quando as coisas começam a apertar, a realidade fica mais pesada, a colaboração que existia no papel até parece sumir dele. Se numa cultura forte o desconhecido, o que desafia, é encarado como fonte de estímulo, numa cultura fraca é o gatilho para o instinto de sobrevivência individual.

É como pensar nos Três Mosqueteiros, cada um com habilidades únicas e distintas que, juntas, os tornavam imbatíveis. D’Artagnan, o mais jovem e destemido, tinha a agilidade e a destreza de um espadachim. Athos, o líder tranquilo e estrategista, trazia sabedoria e astúcia para a batalha. Porthos, com sua força e resistência, era o pilar da equipe, capaz de resistir a qualquer desafio físico. Por fim, Aramis, o espadachim habilidoso e devoto, oferecia habilidades técnicas refinadas.

Apesar das diferenças individuais, eles sabiam conjugar as habilidades de maneira harmoniosa. D’Artagnan usava a agilidade para superar obstáculos. Athos traçava estratégias astutas. Porthos protegia os companheiros com força. Aramis enfrentava os oponentes com sua destreza. Como um time unido, eles eram capazes de superar qualquer desafio, formando uma aliança invencível.

Qual é seu advérbio?

Sinais dessa força podem ser vistos na pesquisa da Dell. Por exemplo: as empresas tidas como líderes em inovação enfrentam 3,2 vezes menos escassez de mão de obra. Para 49% dos executivos, seus funcionários saem da empresa pela dificuldade em inovar.

Além disso, as companhias maduras em inovação são 2,6 vezes mais propensas a ter um crescimento acelerado e são 1,8 vez mais resilientes. Elas crescem até mesmo em momentos de recessão e de incerteza econômica.

Mas ainda são poucas as empresas “mosqueteiras”, à la Alexandre Dumas. Apenas 5% das organizações brasileiras ouvidas pela Dell são consideradas líderes em inovação. Uma boa parte delas (42%) ainda está no estágio de avaliadoras de inovação. Ou seja, elas sabem muito bem da importância de uma cultura de inovação, mas ainda a implementam gradualmente.

Ou seja, para que uma cultura de inovação saia do papel, mais do que nunca o verbo a ser conjugado é inovar, mas na forma intransitiva, que não precisa de um objeto direto como complemento da ação, mas que pode ter um advérbio de tempo e de modo: inove agora e rápido.

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