Revista Exame

Lojas Americanas e B2W estão finalmente juntas. Antes tarde…

A varejista Lojas Americanas e a B2W, dos mesmos controladores, uniram esforços após anos 100% separadas. Mas a concorrência nunca foi tão forte

Loja da rede Americanas: a bagunça de sempre, mas agora com tecnologia (Alexandre Battibugli/Exame)

Loja da rede Americanas: a bagunça de sempre, mas agora com tecnologia (Alexandre Battibugli/Exame)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 28 de março de 2019 às 05h42.

Última atualização em 25 de julho de 2019 às 15h52.

As unidades da Lojas Americanas continuam a bagunça de sempre, mas vivem uma revolução interna. As fileiras aparentemente desorganizadas de suas 1.490 lojas, recheadas com DVDs sertanejos e, nesta época, cobertas de ovos de Páscoa, não refletem as transformações que aconteceram nos últimos dois anos na companhia.

Há um ano já é possível retirar nas lojas físicas da Americanas itens comprados nos sites da B2W, varejista online controlada pela Lojas Americanas e dona dos sites Americanas.com, Submarino.com, Shoptime e Sou Barato. Também é possível, desde o ano passado, pagar pelas compras usando o aplicativo da conta de pagamento Ame, desenvolvido pela varejista.

São iniciativas de integração entre os canais online e offline que, em maior ou menor escala, as principais varejistas do mundo estão adotando. Mas que representam uma mudança e tanto para Americanas e B2W, controladas pelo grupo de investidores liderado pelo empresário Jorge Paulo Lemann, da gestora 3G. As empresas atuam de forma separada há 20 anos e agora, com a integração de canais, passaram a ser tratadas como competidoras de peso num mercado disputado por Amazon, Magazine Luiza e Mercado Livre. Americanas e B2W não deram entrevista.

Parte dessas iniciativas vem da Inovação e Futuro (IF), empresa que nasceu em março do ano passado para criar negócios inovadores dentro da B2W. A IF surgiu junto com mudanças na diretoria. Anna Christina Ramos Saicali, que presidiu a B2W por 14 anos, deixou a presidência executiva para assumir o conselho de administração da companhia junto com a presidência da IF. Em seu lugar, assumiu Marcio Cruz Meirelles, executivo de carreira da B2W. A IF é responsável por buscar oportunidades, acelerar novos negócios e pensar em aquisições de startups.

Uma das primeiras iniciativas da IF foi a criação da Ame, que em nove meses de operação atingiu 1,8 milhão de downloads em seu aplicativo. A conta digital permite pagar contas, boletos, fazer recarga de celular e até realizar depósito nas lojas físicas. Em 500 unidades da Lojas Americanas, já é possível pagar pelas compras usando o app e receber até 10% do valor de volta. Também vem da IF a inovação que permite retirar nas lojas produtos comprados no site no mesmo dia. Em março, a companhia lançou um projeto-piloto de entregas partindo das lojas e chegando em até 2  horas à casa do cliente.

A logística e a distribuição das duas companhias é gerenciada em conjunto há um ano a partir da plataforma Let’s — Logística e Distribuição. Ela cobre todo o território nacional com 11 centros de distribuição e uma rede de 1 490 lojas. Com essa gestão compartilhada, a Americanas consegue cortar o tempo de entrega das compras via internet. A logística compartilhada também está disponível para o marketplace da B2W, por meio do B2W Entrega, que conecta mais de 18.500 vendedores à plataforma. Ou seja, um vendedor parceiro pode entregar seus produtos numa loja da rede Americanas, dando agilidade à entrega.

Um programa lançado em junho do ano passado diminuiu em 50% os prazos de atendimento nas vendas online. Metade das entregas da plataforma já é realizada em até dois dias. Enquanto os Correios ainda são responsáveis por quase 60% das entregas do comércio eletrônico, a B2W adquiriu 13 companhias de tecnologia, logística e distribuição nos últimos anos.

Outras varejistas também apostam na integração entre os meios online e offline, mas a B2W tem uma vantagem competitiva. Enquanto o Magazine Luiza conta com 954 unidades e a Via Varejo com 1.035 entre lojas de suas redes Casas Bahia e Ponto Frio, a Lojas Americanas tem 1.490 pontos em todo o Brasil e segue abrindo novas lojas físicas como ninguém — a meta são mais 120 endereços em 2019. A última milha, como é chamada a entrega dos produtos na casa dos consumidores, é uma das partes mais caras para a operação do comércio eletrônico e, por isso, a presença nacional da Americanas dá um impulso às vendas pela internet da companhia.

As concorrentes Magazine Luiza e Via Varejo não têm lojas em todos os estados. A presença física reduz o custo do frete e abrevia a entrega. Com a oferta de entrega no mesmo dia, as vendas podem subir de 20% a 40%, segundo Jean Klaumann, vice-presidente da empresa de tecnologia Linx e especialista na integração entre canais. A integração também impulsiona a operação física. Ao passar em uma loja para retirar uma compra, o consumidor acaba levando mais um produto para casa.

Confusão lucrativa

A inovação na logística não se reflete na organização das unidades da Lojas Americanas, que não são modernas e cheias de tecnologia. Mesmo assim, funcionam bem para o propósito. A aparente desorganização dos produtos é um dos segredos de seu sucesso. Por ser simples e com prateleiras móveis, a loja pode se transformar completamente de uma semana para a outra, de acordo com a sazonalidade. Se num mês as vendas estão voltadas para o retorno às aulas com prateleiras carregadas de material escolar, no mês seguinte estão recheadas de ovos de Páscoa.

Além disso, as lojas estão localizadas em pontos estratégicos e com alto fluxo de pessoas, como centros comerciais, shoppings e avenidas. “A empresa parece desorganizada, mas consegue atrair o consumidor em todos os momentos e, com a ajuda de dados, montar o melhor portfólio possível para aquela região e momento do ano”, afirma Alexandre van Beeck, sócio-diretor da consultoria especializada em varejo GS&Consult.

Frederico Trajano, do Magazine Luiza: o sucesso da integração é inspiração para a concorrência | Alexandre Battibugli

Bagunçadas ou não, as lojas da Americanas sempre foram um negócio lucrativo, desde sua aquisição pelo grupo de investidores liderado por Lemann, há 30 anos. Nos últimos dez anos, a empresa dobrou o faturamento e acumulou 3,2 bilhões de reais em lucro. O mesmo não se pode dizer da B2W. Nesse período, a varejista online também dobrou de tamanho, mas perdeu 2,2 bilhões de reais. Agora, a integração operacional das duas companhias pode ser uma solução para modernizar a operação física e uma chance de a B2W, enfim, sair do vermelho.

Há dois anos, a B2W desacelerou as vendas próprias e impulsionou as de terceiros em seu marketplace, permitindo a outros varejistas comercializar os produtos nas plataformas da companhia. Atualmente, já são 21.900 vendedores com 8,1 milhões de itens, um crescimento de 76% em relação ao ano passado. O marketplace é responsável por 51,6% do volume geral de vendas da companhia. No Walmart Brasil, 100% dos itens vendidos online são do marketplace. Ao vender itens de terceiros, a B2W não tem gastos de compra nem com estoque, melhorando seu fluxo de caixa. Além disso, com mais produtos cadastrados no comércio eletrônico, o fluxo de clientes também aumenta, assim como a relevância para buscadores. “O marketplace melhorou os resultados e consome menos caixa da B2W”, afirma Thiago Macruz, analista do banco Itaú BBA.

Alex Szapiro, da Amazon: a varejista americana anunciou seu primeiro centro de distribuição próprio no Brasil | Paulo Whitaker/Reuters

B2W e Americanas relutaram por anos em integrar suas operações pela complexidade do processo e por terem controladores diferentes. Na B2W, quase 62% do controle está nas mãos da Lojas Americanas, enquanto o banco australiano Macquaire Group detém 5,5%. Na Lojas Americanas, os controladores — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira — detêm 40% do total de ações. Os fundos de investimento Tobias Cepelowicz, Oppenheimer e Black-Rock são acionistas minoritários.

A B2W nasceu em 2006 como uma companhia separada devido a um propósito: ser a maior do comércio eletrônico no Brasil. Para isso, investiu com gastos agressivos em marketing e promoções para conquistar novos clientes e operou com margens baixas e resultados negativos historicamente. A empresa chegou a dominar 40% do varejo online brasileiro em 2008, fatia superior à da Amazon no varejo americano atual. Mas o impulso que o Magazine Luiza ganhou com a integração entre os canais nos últimos anos foi o suficiente para romper com o domínio. As ações do Magazine Luiza valorizaram mais de 100 vezes na bolsa desde 2016. O faturamento cresceu 65% em três anos, para 19 bilhões de reais, e o prejuízo em 2015 virou um lucro de 600 milhões no ano passado. Mais integrada à Americanas, a B2W pode, enfim, caminhar para o azul no resultado. “Vemos uma tendência positiva de melhora na geração de caixa”, diz Giovana Scottini, analista da corretora Eleven.

As novas iniciativas da B2W já trazem os primeiros resultados. A empresa consumiu 239 milhões de reais em caixa no ano passado, uma redução de 75% em relação ao período anterior. O prejuízo foi de 397 milhões de reais em 2018, comparado com as perdas de 411 milhões em 2017. “A empresa fez o dever de casa”, diz um ex-executivo. “O problema é que perdeu anos preciosos e, agora, terá de encarar um mercado supercompetitivo.”

O Magazine Luiza já tem seus canais integrados e, agora, caminha para a criação de um superaplicativo inspirado nos chineses WeChat, da Tencent, e Taobao, do Alibaba, usados para comprar produtos e serviços, transferir dinheiro e pagar contas. Atualmente, o aplicativo do Magazine Luiza tem 6 milhões de usuários ativos, que fizeram compras no último mês. O número representa um aumento de 140% em comparação ao de um ano atrás.

O site de comércio Mercado Livre afirmou que sua carteira digital, o Mercado Pago, pode ser um negócio maior do que o varejo online. Ao divulgar o resultado anual em março, a B2W viu suas ações cair 6% em um dia, e no dia seguinte mais 9%. O resultado não foi horroroso: o crescimento das vendas foi de 32% no trimestre. “Os resultados do quarto trimestre de 2018 reforçam que a B2W está promovendo uma bem-sucedida transformação em seu modelo de negócios”, diz um relatório do banco de investimento Credit Suisse.

Mas os investidores exigem mudanças rápidas na B2W para não só competir com os rivais de sempre como também bater de frente com a Amazon. Comandada no Brasil por Alex Szapiro, a companhia americana anunciou em janeiro seu primeiro centro de distribuição próprio por aqui. Além de superar suas divisões, B2W e Americanas vão ter de correr mais do que a concorrência.

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