Revista Exame

A crise econômica acabou nos EUA e na Europa. Azar o nosso?

O mundo comemora a recuperação dos Estados Unidos e a calmaria na Europa. Mas essa volta à normalidade vai tornar nossas deficiências mais claras. O investidor deve se preparar para um ano nervoso


	Dilma Rousseff: favoritíssima à reeleição, a presidente tenta reconquistar a confiança dos investidores internacionais 
 (Roberto Stuckert Filho/PR)

Dilma Rousseff: favoritíssima à reeleição, a presidente tenta reconquistar a confiança dos investidores internacionais  (Roberto Stuckert Filho/PR)

DR

Da Redação

Publicado em 27 de fevereiro de 2014 às 20h13.

São Paulo - As crises econômicas graves causam reflexos que podem ser sentidos por muitos e muitos anos. A crise de 1929 e a reação a ela mudaram a cara do século 20. É natural, portanto, que o caos financeiro de 2008 reverbere até hoje. Lentamente, o mundo desenvolvido começa a sair da lama em que se atolou cinco anos atrás.

A economia americana, a maior e mais dinâmica do mundo, finalmente dá sinais consistentes de certa volta à normalidade. O país deverá crescer cerca de 3% em 2014. Na Europa, o tempo dos grandes sustos parece ter passado. Até mesmo o Japão voltou a crescer.

Em tempos normais, esse seria um punhado de excelentes notícias para os investidores brasileiros. Com o mundo rico crescendo, nossas empresas vendem mais. Essa é a tese. Mas a realidade está se provando um tanto mais complicada. Aqui, de novo, a explicação remonta à crise de 2008, quando o governo brasileiro criou o que chamaria, orgulhosamente, de “nova matriz” de política econômica.

Juros menores, crédito farto, isenções fiscais, mais gastos do governo. Tudo isso ajudou o país­ a escapar, em 2009 e 2010, da recessão que se espalhou pelo resto do mundo. Mas, em vez de parar por aí, o governo continuou gastando, fazendo malabarismos para fechar as contas, ignorando regras econômicas básicas.

O resultado é o cenário atual de crescimento baixo e inflação alta. Criou-se, assim, um paradoxo desses que só poderiam florescer no Brasil. Estávamos mais bem preparados para reagir à crise do que estamos para aproveitar seu fim. Vem, em suma, turbulência por aí.

“5 frágeis”

A ameaça maior é o esperado aumento na taxa de juro americana — hoje em níveis baixíssimos, numa tentativa de animar a economia. Nos últimos cinco anos, o pífio retorno oferecido pelos títulos do governo americano deu origem a uma busca dos investidores por rendimentos em outros mercados.

Naturalmente, países emergentes como o Brasil receberam boa parte desses recursos, o que se traduziu em moedas valorizadas. A dúvida é: como esses países reagirão quando os juros subirem nos Estados Unidos? No ano passado, houve uma prévia do que pode vir.

Os juros de longo prazo começaram a subir quando o Federal Reserve, banco central americano, sugeriu que poderia reduzir os estímulos econômicos. Bastou para que uma leva de investidores internacionais tirasse dinheiro de mercados emergentes para aplicar em títulos do Tesouro americano.

O Brasil foi o mercado mais prejudicado por essa onda de saques dos estrangeiros, que resgataram 11 bilhões de dólares de fundos de ações e de renda fixa. Isso contribuiu para a desvalorização do real, de 15%, e da bolsa — o Ibovespa caiu 16%, maior baixa entre os principais mercados de ações do mundo.


Isso mostra como o Brasil se colocou numa posição vulnerável. O país passou a ser incluído num subgrupo visto como problemático entre os mercados emergentes. Para os analistas do banco Morgan Stanley, somos um dos “5 frágeis”, ao lado de África do Sul, Índia, Indonésia e Turquia.

O banco inseriu nessa lista países que estão crescendo com dificuldade, têm inflação alta, déficit externo crescente e são dependentes da economia chinesa, que está desacelerando a um ritmo ainda incerto. É, sem dúvida, o nosso caso.

Em momentos de incerteza, é provável que os investidores vendam antes ativos dos “5 frágeis” do que de outros países emergentes. Qualquer solavanco lá fora balança os mercados aqui. 

Foi o que ocorreu no fim de janeiro. A brusca desvalorização do peso argentino contribuiu para a queda da bolsa brasileira e para a desvalorização do real — e fez com que a negociação de títulos públicos fosse suspensa em razão da alta volatilidade das taxas de juro.

A piora da situação econômica da Argentina não é, em si, uma surpresa, e ninguém acha que o Brasil, apesar de todos os problemas, esteja seguindo um caminho parecido. Além disso, a corrente de comércio entre os países diminuiu na última década. Então o que explica o mau humor dos investidores? Desconfiança.

“Os investidores sabem diferenciar muito bem o Brasil da Argentina, mas problemas lá geram incerteza, porque lembram das fragilidades brasileiras e de como o cenário pode piorar”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisas econômicas do banco Goldman Sachs e um dos negociadores da missão do Fundo Monetário Internacional que foram à Argentina em 2001, depois do calote da dívida. 

“Há muita instabilidade. Esse deve ser um dos períodos mais difíceis para os investidores brasileiros desde os meses que se seguiram à quebra do banco Lehman Brothers em 2008”, diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio da gestora Mauá Sekular e ex-diretor do Banco Central.

Já que o ambiente complicado está dado, analistas, gestores de recursos e executivos do mercado financeiro começaram o ano tentando estimar quanto desse pessimismo já está refletido no preço das ações brasileiras, na cotação do real frente ao dólar e nas altas taxas de juro pagas pelos títulos públicos.

Como os investidores, muitas vezes, reagem aos fatos antes de eles ocorrerem, será que já não venderam o que tinham de vender? A resposta depende do mercado e do risco envolvido. Especialistas consultados por EXAME mostraram alguns estudos que ajudam a responder a essa pergunta.

De acordo com a gestora BRZ, uma probabilidade que já “está na conta” é a de o Brasil ter sua nota de crédito rebaixada pelas agências de classificação de risco. As agências alertaram, mais de uma vez ao longo do ano passado, que o baixo crescimento da economia e a deterioração das contas externas e da situação fiscal poderiam piorar a avaliação do país.


A partir daí, títulos brasileiros negociados no exterior passaram a pagar juros equivalentes aos de países com notas inferiores à do Brasil. Isso significa que, se o rebaixamento ocorrer mesmo, o impacto sobre a bolsa ou sobre o risco-país já teria, em larga medida, ocorrido. 

Não está escrito na pedra que juros mais altos nos Estados Unidos tenham de significar problemas no Brasil. O banco suíço UBS levantou os possíveis impactos para os países emergentes de um aumento dos juros americanos. O banco analisou o que houve em períodos semelhantes no passado.

A conclusão é que os mercados emergentes sofrem quando o aperto monetário ocorre em meio a uma crise global ou à desaceleração da economia dos Estados Unidos (veja quadro ao lado). Não é o caso agora. “Se usarmos a história como guia, não devemos esperar uma queda generalizada dos preços dos ativos dos mercados emergentes”, dizem os analistas do UBS no relatório.

“Estamos em meio a uma recuperação global, ainda que moderada, e os países emergentes, de forma geral, têm mais condições de enfrentar choques externos, porque adotaram regimes de câmbio flutuante e formaram reservas internacionais relevantes.” 

Como o Brasil se encaixa nessa história? Nossas reservas internacionais somam 376 bilhões de dólares, dez vezes mais do que em 2001. O Banco Central já anunciou que poderá usar parte desses recursos para tentar conter a desvalorização do real — e, assim, evitar uma nova onda de pressões inflacionárias.

Em janeiro, a presidente Dilma Rousseff tentou reconquistar a confiança dos investidores com um discurso no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Suas palavras — e ações — serão fundamentais para definir como o Brasil será afetado pelas mudanças que se avizinham na economia mundial.

As pesquisas de intenção de voto mostram que, hoje, Dilma é favoritíssima à reeleição. Investidores e empresários ainda não sabem o que esperar de um eventual segundo mandato. Será uma repetição da gestão atual, com forte intervenção do Estado na economia? Ou haverá mudanças? “Os mercados vão oscilar de acordo com o que for dito até as eleições”, diz Rafael Rodrigues, diretor de renda variável da gestora Rio Bravo. 

Diante do cenário incerto, a principal recomendação dos especialistas consultados por EXAME para 2014 são as aplicações de renda fixa — em especial os títulos públicos e os papéis com isenção de imposto de renda. O risco é baixo, e o rendimento aumentou bastante.

Com alguma cautela, a maioria dos profissionais de mercado também diz que vale a pena aplicar parte do patrimônio na bolsa, porque há papéis baratos. Um levantamento da consultoria Economatica mostra que 40% das empresas da Bovespa têm valor de mercado inferior a seu patrimônio, o maior patamar desde a crise de 2008.

A Petrobras, que desvalorizou 20% só nos últimos 12 meses e perdeu 130 bilhões de reais em valor de mercado desde 2010, está entre elas. De acordo com o banco Santander, as ações do Ibovespa são negociadas com um desconto médio de 14% em relação aos papéis dos mercados emergentes.

Como mostrou o desempenho da bolsa nos últimos anos, o que está barato sempre pode cair ainda mais se os investidores acharem que há oportunidades melhores, com risco menor, lá fora. Ao mesmo tempo, quem teve coragem de investir em momentos turbulentos no passado já ganhou muito dinheiro.

Acompanhe tudo sobre:Crescimento econômicoCrise econômicaDesenvolvimento econômicoeconomia-brasileiraEdição 1058Estados Unidos (EUA)EuropaInflaçãoJurosPaíses ricos

Mais de Revista Exame

Cocriação: a conexão entre o humano e a IA

Passado o boom do ChatGPT, o que esperar agora da IA?

O carro pode se tornar o seu mais novo meio de entretenimento

Assistentes de IA personalizáveis ajudam a melhorar a experiência do cliente

Mais na Exame