Revista Exame

Brasil tem quase 600 agtechs, as alavancas para o agro nacional

Com soluções disruptivas, as agtechs revolucionam a produtividade porteira adentro e blindam o setor com blockchain e outros recursos que asseguram os compromissos com a agenda ESG

Colheita mecanizada na Raízen: gigante do setor sucroenergético criou um hub de inovação aberta para atrair soluções disruptivas (Ricardo Teles/Exame)

Colheita mecanizada na Raízen: gigante do setor sucroenergético criou um hub de inovação aberta para atrair soluções disruptivas (Ricardo Teles/Exame)

Lívia Andrade
Lívia Andrade

Colaboradora

Publicado em 10 de novembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 13 de novembro de 2023 às 14h14.

Os últimos relatórios da ONU são taxativos: o mundo precisa repaginar a produção agropecuária para alimentar a população global, que alcançará cerca de 10 bilhões de pessoas até 2050, e —ao mesmo tempo — reduzir as emissões dos gases do efeito estufa para mitigar os efeitos do aumento da temperatura global. Além das universidades, empresas e centros de pesquisas, a resposta para esse questionamento vem das agtechs ou agritechs, como são conhecidas as startups do agro, que criam tecnologias para aumentar e otimizar a capacidade produtiva da agropecuária no Brasil e no mundo.

São empresas com soluções disruptivas, modelo de negócio escalável, que funcionam com uma metodologia de desenvolvimento rápido. De acordo com a pesquisa “Mining Report Agtech 2023”, da plataforma de inovação Distrito, o Brasil tem hoje 598 agtechs, que levantaram mais de 490 milhões de dólares em investimentos desde 2008. “No ano passado, foram efetivados 59 negócios, contabilizando um montante de 244,92 milhões de dólares, o que representa 73,6% do volume aportado em agtechs na América Latina”, diz Eduardo Fuentes, executivo-chefe de pesquisas da Distrito.  O Brasil é o maior mercado da região, seguido por Argentina e Colômbia. Mesmo neste ano, em que todo o universo de startups registra quedas expressivas de investimentos, o agro brasileiro já computou aportes de 22 milhões de dólares em 19 rodadas de negócios.

Nos últimos três anos, o que inclui o período de pandemia, o setor tem sido um dos preferidos pelo investimento de risco. “O bom desempenho se deve a vários fatores:  maior aceitação das tecnologias; melhoria do sinal de internet no campo, embora a infraestrutura tenha muito a avançar; apoio governamental, e a aproximação de grandes empresas, como Raízen, Basf e Bayer, que têm investido cada vez mais em tecnologias e vêm se aproximando do ecossistema de inovação”, diz Fuentes.

A Raízen — gigante do setor sucroenergético com mais de 1 milhão de hectares de lavoura de cana-de-açúcar, considerando área própria e de terceiros, e 30 parques de bioenergia voltados para a produção de etanol, açúcar, biogás, cogeração de energia, eletromobilidade e derivados de cana-de-açúcar — elucida bem essa via de mão dupla do setor privado com as startups. Há seis anos, a companhia criou o Pulse, um hub de inovação aberta, que nasceu para atender os gargalos das operações agrícolas da empresa e que hoje se expandiu para todas as áreas da Raízen. O Pulse faz o crivo das startups, abre as portas para os testes de campo e, se o resultado for bom e o negócio, viável, contrata os serviços das agtechs. Hoje, o hub tem parceria com 58 startups das mais de 1.000 presentes em seu banco de dados. Inclusive, é procurado por agtechs estrangeiras que querem vir para o Brasil. “A Arable, startup americana de agrometeorologia, é um exemplo. Ela queria validar sua tecnologia para a cana-de-açúcar no Brasil. Como grande player do segmento, nos dispusemos a testar, e hoje a solução está sendo usada por produtores da região de Araçatuba, que sofrem com a escassez hídrica”, diz Ricardo Campos, coordenador de Inovação Digital da Raízen e gestor do Pulse.

Ferramenta digital da Agrotools: startup mede o risco socioambiental dos produtores rurais para bancos certificarem que não financiam desmatamento (Agrotools/Divulgação)

A israelense AgroScout, que  aterrissou no Brasil recentemente, participou do ScaleUp in Brazil, programa fruto da parceria entre a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e a Associação Brasileira de Private e Venture Capital (ABVCAP). “Com o programa, descobri que o Brasil é um dos países com maior área agrícola do mundo. Hoje é o nosso mercado-foco e não só como cliente, mas como base de desenvolvimento de tecnologias para outras culturas, porque não temos café nem cana-de-açúcar em Israel”, diz Simcha Shore, fundador e CEO da AgroScout, startup que no Brasil tem clientes como a usina São Martinho, maior processadora de cana-de-açúcar do mundo, e Pepsico. A startup oferece soluções para gerenciamento da lavoura, captura de dados de satélites, de drones comerciais e de clima, e usa inteligência artificial para analisar e dar a melhor recomendação para ajudar fazendeiros e processadores de alimentos na tomada de decisão. O objetivo é eficiência e sustentabilidade: maior produtividade por área usando menos insumos.

Os setores das Agtech

Dentre as startups mapeadas pela Distrito, as categorias que mais se destacam são: agricultura de precisão, aquela que oferta soluções que melhoram o acompanhamento e o gerenciamento das fazendas, resultando em ganho de eficiência produtiva; mercado agropecuário, soluções de marketplace voltadas para os serviços agrícolas; maquinário agro-inteligente, startups que desenvolvem equipamentos inovadores, incluindo dispositivos que usam IoT; e agfintechs, empresas que oferecem crédito para cooperativas e fazendeiros.

Já há uma série de startups no país (Agrotools, Nagro, TerraMagna e Solinftec) cotadas para se tornarem o primeiro unicórnio do agro brasileiro — empresa que alcança um valor de mercado de mais de 1 bilhão de dólares. Uma das candidatas é a Agrotools, fundada em 2006, quando armazenar dados era caro e limitado a países e grandes corporações. “Criei a Agrotools com o sonho de usar dados para a tomada de decisões. Hoje detemos o maior banco de dados do agro do mundo, com mais de 1.300 camadas de múltiplas fontes com soluções voltadas para financiamento rural, eficiência de vendas, ESG, compliance, proteção de marca, seguro rural e inteligência de supply chain”, diz Sérgio Rocha, fundador e CEO da Agrotools.

O pioneirismo na utilização de sensoriamento remoto, IA, blockchain e APIs para o desenvolvimento de soluções digitais baseada em plataforma proprietária desenvolvida exclusivamente para o agronegócio rendeu à Agrotools uma clientela de 200 corporações, da agroindústria ao setor financeiro, como McDonald’s, Nestlé, Carrefour, Agrogalaxy e Rabobank. Entre as análises, a startup mede o risco socioambiental dos produtores rurais para os bancos terem certeza de que não estão financiando desmatamento ou trabalho análogo à escravidão. “Fizemos mais de 30 milhões de análises socioambientais nos últimos dois anos e meio. Em 2006, levava 7 horas para fazer uma análise, hoje leva menos de 1 segundo”, diz Rocha. “Antigamente, a agenda socioambiental atrapalhava a dinâmica de mercado. Hoje é uma oportunidade, uma maneira de mostrar aos compradores do mundo inteiro que a origem do supply chain é limpa.”

Um dos clientes é a Caramuru, empresa brasileira de processamento de grãos, que se especializou em mercados exóticos, como o da Noruega, com padrão de consumo superexigente. “Eles estão blindados com as tecnologias da Agrotools.  Assim, o produtor norueguês que compra o farelo de soja da Caramuru para alimentar o salmão tem a certeza de que o produto não veio de uma área de desmatamento e usa essa informação para vender o seu peixe”, diz Rocha.

Com soluções de grande escala, a Agrotools faz análise de mais de 4,5 milhões de territórios rurais, monitora 15 bilhões de reais em commodities e mais de 50 bilhões de reais em carteira de financiamento rural, que conta com pelo menos uma das soluções da empresa. Além disso, tem ferramentas para a reinserção de pequenos e médios produtores na cadeia do agronegócio. “Temos a Plataforma Reconecta para o produtor tomar conhecimento do status socioambiental da propriedade, de acordo com os critérios analisados por frigoríficos e tradings, abrindo a possibilidade de ele aderir a um plano de adequação e reinserção no mercado formal”, explica. Atualmente, a plataforma é usada pelo frigorífico JBS e pelo Programa de Reinserção e Monitoramento (Prem) do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac). Não por acaso, a Agrotools foi selecionada pela Apex-Brasil para participar de um programa de aceleração de negócios e atração de investimento no Vale do Silício e, neste ano, oficializou sua entrada no mercado americano. Além do Brasil, a empresa tem operações na Argentina, Austrália e Paraguai.

Outra tendência que veio à tona no relatório da Distrito é a agricultura regenerativa, ou seja, agtechs com soluções climaticamente inteligentes para ajudar o produtor na tarefa de produzir cada vez mais e melhor, aumentando a produtividade na mesma área, sequestrando carbono e contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas. É a tecnologia a favor da segurança alimentar e do meio ambiente.

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