Mundo

Argentina terá meses doloridos seja quem ganhe eleição, diz diretor de câmara comercial

Federico Servideo avalia que não há como dolarizar economia sem reserva de dólares e que candidatos costumam moderar promessas após serem eleitos

Federico Servideo, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Argentina

Federico Servideo, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Argentina

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 18 de outubro de 2023 às 16h53.

Última atualização em 21 de outubro de 2023 às 10h40.

A Argentina deverá ter meses difíceis à frente, qualquer que seja o resultado das eleições presidenciais, porque o país precisa fazer um ajuste fiscal forte para conter a inflação, avalia Federico Servideo, diretor da Câmara de Comércio Brasil-Argentina.

Em conversa com a EXAME, ele afirma que considera a ideia de dolarizar a economia como uma “ilusão”, pois faltam dólares no país, e espera que 2024 possa trazer boas notícias, como a retomada da produção agrícola. O país realiza o primeiro turno das eleições presidenciais neste domingo, 22.

Em 2023, de janeiro a setembro, o Brasil aumentou suas exportações para a Argentina em 14,4%, na comparação com o mesmo período do ano anterior, enquanto as importações caíram 6,6%. Com isso, o superávit brasileiro cresceu 1,7 bilhão de dólares no período. A corrente de comércio entre os dois países movimentou ao todo 22,6 bilhões de dólares nos primeiros nove meses deste ano, segundo dados do Comex Stats, do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços.

A turbulência na economia argentina tem afetado o comércio com o Brasil?
Sim. Hoje o comércio entre os países está bastante afetado, por muitos motivos, como a diferença de cambio que existe lá, que provoca uma retração nas exportações argentinas para o Brasil. O exportador não sabe em que dólar vai receber. E pela crise na Argentina, há dificuldade para que a Argentina importe do Brasil. A crise que o país está passando, com essa inflação e o descontrole da taxa de câmbio, está provocando, pelo que escutamos dos nossos associados, uma certa retração no comércio bilateral. Há indústrias, como a automotiva e energética, que não necessariamente estão sendo afetadas, mas pequenos e médios importadores estão tendo dificuldades.

E como essa crise tem afetado o setor agrícola?
A Argentina, em 2023, teve uma quebra de safra muito grande, que provocou uma redução na produção de soja, e fez com que a Argentina tivesse de importar soja do Brasil, algo que nunca aconteceu nesse volume.

A quebra de safra e a seca também afetaram a produção de trigo da Argentina, o que provocou uma redução na exportação para o Brasil, tradicionalmente seu principal mercado para o trigo. Somando as dificuldades com tipos de câmbio, o dólar não-oficial, e os fatores climáticos, o comércio agrícola entre Argentina e Brasil também sofreu alterações significativas neste ano, comparado com os anos anteriores.

E quais são as perspectivas para depois da eleição?
Os próximos meses e anos para a Argentina vão ser muito complexos e doloridos, com muito sofrimento. Qualquer que seja o resultado das eleições, a Argentina terá de fazer um profundo ajuste fiscal para reduzir a dívida pública, e com isso começar a reduzir a inflação. E aplicar uma política monetária e cambial lógica.

Estamos em pleno processo eleitoral. Teremos o primeiro turno no domingo, e o que se discute na campanha não necessariamente é o que se executa depois que o candidato é eleito. Mas o que escutamos dos três candidatos é que terá um ajuste fiscal significativo para estabilizar a economia. Isso vai implicar que a Argentina terá meses muitos complexos para população, porque a população que pagará o ajuste ao final do dia.

Por outro lado, isso vai criar algumas boas oportunidades para aqueles que desejam investir lá. No ano que vem, se espera que a Argentina consiga voltar a exportar mais, que não tenha uma seca como este ano. E que possa exportar gás de Vaca Muerta, para o Brasil e outros países. Então as perspectivas, para falar uma palavra ambígua, são complexas. Serão ajustes significativos na economia e alguns fatores podem criar oportunidades para o país, para compensar as notícias ruins com algumas melhores.

Qual a saída para a questão cambial do país, que tem várias taxas diferentes e debate a dolarização?
Dolarizar a economia sem dólares é uma ilusão. Então dolarizar a economia imediatamente, por mais que seja uma promessa de campanha de um candidato, é algo que os economistas entendem como impossível de fazer no curto prazo. Não dá dolarizar uma economia onde a gente não tem dólar.

Há consenso entre os economistas dos candidatos de que esse sistema que hoje existe, de ter 20 ou 30 tipos de câmbio diferentes, é insustentável e tem que ser corrigido com brevidade. Isso depende da capacidade da Argentina de implantar medidas para reduzir o déficit. A gente pode ver uma economia bi monetária, em que o dólar possa ser usado livremente na Argentina, com algum tipo de cotação mais ou menos livre, mais ou menos controlando o fluxo de capitais para evitar especulação.

Uma dolarização total da economia parece inviável no curto prazo, mas em médio prazo, poderíamos ter um regime cambial muito mais logico, com só uma taxa de câmbio, e um câmbio flutuante livre, não com 30 taxas de câmbio controladas como existe lá, o que distorce a macroeconomia.

E as perspectivas para as relações bilaterais?
Qualquer que seja o cenário pós-eleitoral, o Brasil vai continuar sendo um parceiro importante para a Argentina, e o Brasil, um parceiro fundamental para a Argentina. nenhum dos candidatos pode desprezar o Brasil como parceiro da Argentina.

Eleição na Argentina

yt thumbnail

Como funciona a eleição argetina?

Acompanhe tudo sobre:ArgentinaDólar

Mais de Mundo

Eleições nos EUA: o que dizem as pesquisas a 6 meses da eleição?

Tribunal americano confirma pena de prisão para Steve Bannon, ex-assessor de Trump

Assembleia Geral da ONU aprova resolução de apoio à criação do Estado Palestino

O que a viagem de Xi à Europa mostra sobre a estratégia da China para o futuro

Mais na Exame