Acompanhe:

Gustavo Franco: '2022 adiado'

A eleição – ao menos em se tratando da economia – e a recuperação estão demorando para começar

Modo escuro

Continua após a publicidade
Fogos no Rio de Janeiro: o começo de ano na economia e na política parece postergado | Foto: Ze Martinusso/ Getty Images (Ze Martinusso/Getty Images)

Fogos no Rio de Janeiro: o começo de ano na economia e na política parece postergado | Foto: Ze Martinusso/ Getty Images (Ze Martinusso/Getty Images)

D
Da Redação

Publicado em 4 de fevereiro de 2022 às, 11h41.

Última atualização em 5 de fevereiro de 2022 às, 09h33.

Por Gustavo Franco*

Como é de praxe, janeiro foi relativamente calmo, misturando férias, chuvas torrenciais e as dúvidas sobre o retorno ao trabalho presencial diante da Ômicron. Na verdade, os impressionantes números de contágio da nova cepa, adiando mais uma vez o tão esperado fim da pandemia, funcionaram como uma espécie de “diferimento” do início de 2022.

Desta vez, todavia, o fim (da pandemia) parece realmente próximo, o que confere nova concretude às perspectivas de abertura e recuperação da economia.

O noticiário internacional trouxe sobressalto, em diferentes frentes, com destaque para as tensões na Ucrânia e suas repercussões no preço internacional do petróleo. O tema parece ainda mais sensível pois veio acompanhado de especulações sobre uma nova fórmula “contracíclica”, e de índole constitucional, para os preços de derivados de petróleo em moeda local.

O governo falou em uma PEC, mexendo na tributação dos combustíveis, inclusive no plano estadual, depois recuou no assunto, parecendo mais uma bravata eleitoreira. Mas o assunto não acabou: o Congresso pode prosseguir com a ideia, seja para produzir desgaste, ou mesmo para algum mecanismo novo.

Houve, também, a confirmação das intenções do Fed no tocante a juros e reduções em compras de ativos, um fantasma conhecido, mas logo absorvido.

Mais preocupante aparenta ser o registro das notícias vindas da Argentina, sempre um inquietante previsor do que pode ocorrer com o Brasil: 50% de inflação acumulada em 2021, e um novo acordo com o FMI, afinal assinado depois de muita controvérsia.

A Argentina parece presa ao século XX, no término de mais um ciclo populista, como a trigésima temporada de uma série, ou uma interminável novela. Novelas mexicanas, séries turcas e finanças públicas argentinas.

Dificilmente esse acordo será o último: o mais provável é que o enredo de instabilidade macroeconômica se arraste pelos caminhos habituais, desafiando a tese pela qual o aprendizado em políticas econômicas é proporcional à complexidade dos desafios passados.

Não há dúvida de que temos aqui um lembrete perturbador da proximidade de uma doença que se imaginava totalmente sob controle, e não se trata da Covid-19, mas da “velha senhora”, que se supunha exilada na Venezuela e restrita aos países envoltos pelo caos político, os chamados failed states.

O Brasil está vacinado contra o mal da inflação elevada, ou se supunha estar, e teve uma “dose de reforço” recente na Lei Complementar 179, que elevou o grau de independência do BCB. Na verdade, a LC179 estabeleceu mandatos para os dirigentes do Banco Central do Brasil não coincidentes com os do presidente da República, sendo que estamos vivendo a primeira transição política sob a égide da nova regra.

Terá eficácia essa “dose de reforço”? A nova regra para o BCB afetará a política monetária? Reduzirá a instabilidade dos mercados?

O tórrido e chuvoso mês de janeiro não permite respostas claras. O noticiário foi muito dedicado aos assuntos espetados do ano anterior, notadamente referentes à inflação. Os bárbaros estão nos portões, onde sempre estiveram, e o ano da pandemia insiste em não terminar.

Em meados de janeiro, foi publicado o IPCA de dezembro, que encerrou o ano calendário de 2021 e permitiu a aferição do desempenho da Autoridade Monetária no cumprimento da meta para a inflação, fixada em 3,75% anuais, com intervalo de tolerância de 1,5% para cada lado.

Em 2021, o IPCA acumulou 10,06% da variação, para uma meta (limite superior) de 5,25%, um magnífico estouro, devidamente antecipado neste informativo na edição de setembro (“começando os preparativos”), em que se observou que a variação do IPCA para o mês de agosto tinha sido de 0,87%, o pior agosto desde 2000, levando o acumulado do ano a 5,67%, já naquela altura superando a meta para o ano calendário.

O presidente do BCB teve que escrever uma “carta aberta” ao ministro da Fazenda, com data de 11 de janeiro, com explicações sobre o “descumprimento” e “providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos” conforme determinado pelo Decreto 3.088/99 (Art. 4, §único).

Talvez seja a mais importante de todas as “cartas abertas” já escritas por presidentes do BCB que falharam em cumprir a meta, sendo certo que é a primeira de um presidente do BCB com mandato fixo.

Foi a quinta vez que a meta foi perdida desde a criação da sistemática de metas para a inflação em 1999: em quatro episódios o descumprimento foi “a maior” (2001, 2002, 2003 e 2016) e em 2017 a variação do IPCA no ano foi menor que o limite inferior da meta.

Não há dúvida de que o rito trouxe mais visibilidade sobre o assunto, o que facilita o trabalho da Autoridade Monetária.

O ano de 2022 começa com muitas ansiedades no que diz respeito a esse assunto, pois estamos testando diretamente o “reforço” no arcabouço anti-inflacionário criado pela LC179.

Depois de diversos aumentos na SELIC iniciados na reunião de março de 2021, o COPOM fará sua primeira reunião de 2022, logo no começo de fevereiro, tendo diante de si: (i) a SELIC a 9,25%; (ii) a variação acumulada do IPCA em 10,06%; e (iii) nenhum sinal de arrefecimento da inflação no IPCA-15 de janeiro. Fica para a história a questão sobre se o COPOM ficou “atrás da curva” em 2021, por qualquer que seja o motivo.

O debate eleitoral deu sinais de esquentar, mas, por ora, ainda não chegou à economia. As manifestações de assessores econômicos foram protocolares, inclusive e principalmente as dos economistas do PT, quando solicitados a se pronunciar sobre o programa de uma nova administração petista. Ficou a impressão de que não há nada resolvido sobre a economia numa terceira presidência Lula.

O assunto de uma nova “carta aos brasileiros” tem sido evitado pelo candidato e por seus representantes. Uns dizem que não há necessidade, pois Lula já é conhecido, outros enxergam esta mesma mensagem na escolha do vice da chapa, que vai convergindo para Geraldo Alckmin, e nas conversas do candidato.

Mais genericamente, o candidato Lula parece empenhado em ampliar seu arco de alianças, com vistas à governabilidade e à Paz Social. Mais que seus correligionários, Lula parece preocupado com o dia seguinte. Vai perdendo nitidez a imagem de um candidato ressentido e radicalizado, ainda que nada esteja definido por completo.

A falta de clareza nas propostas dos outros candidatos para a economia é muito evidente. Tudo se passa como se a economia não fosse um assunto importante, nem para a terceira via, nem para as candidaturas polares. Todos se abraçam às platitudes, reservando manifestações específicas para momento posterior. A Terceira Via parece sem espaço, sem oxigênio e sem imaginação.

O candidato do PSDB, o governador de São Paulo, estacionou nas pesquisas, em nível muito baixo, depois de vencer as “prévias” com o governador Eduardo Leite. A “gestão” e a “vacina” não parecem animar seu eleitorado, o que também se observa com o mote do “combate à corrupção” encarnado por Sergio Moro.

As cambiantes e controversas propostas de Ciro Gomes também não acrescentam novas tonalidades ao debate econômico trazido pelos candidatos, por ora dominado pelas platitudes como a ideia vaga de “crescimento com responsabilidade fiscal”, e com “sensibilidade social”, embora sem nenhuma clareza sobre o que essas expressões significam exatamente nas diferentes campanhas.

As afinidades entre Sergio Moro e Afonso Pastore são muito recentes, e ainda não testadas. A presença de Ana Carla Abrão, Zeina Latif e Vanessa Canado na campanha de João Dória é muito bem-vinda e deve certamente melhorar a qualidade do debate eleitoral. Só é curioso de se especular sobre o papel de Henrique Meirelles, secretário de Fazenda do governador de São Paulo, no grupo paritário (em termos de gênero) de responsáveis pelo programa de governo do candidato.

Meirelles é um nome com muito trânsito junto a Lula, que teria indicado que o perfil do comandante da economia em sua presidência seria o de um empresário. Por ora, entretanto, permanecem cumprindo compromissos de campanha os nomes conhecidos de economistas do PT (Guido Mantega, Aloisio Mercadante, Ricardo Carneiro, Guilherme Melo e Nelson Barbosa).

Do lado do governo, e no cenário de reeleição, até o momento não se pode dizer sequer que Paulo Guedes permanecerá em seu posto, e por uma razão muito simples: nada foi dito sobre isso pelo presidente da República.

A eleição – ao menos em se tratando da economia – e a recuperação estão demorando para começar. 2022 parece ter sido adiado.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de fevereiro, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.

Últimas Notícias

Ver mais
Lula deve sancionar projeto que acaba com saidinha de presos
Brasil

Lula deve sancionar projeto que acaba com saidinha de presos

Há 3 horas

Mesmo com acenos, ministro da Agricultura reconhece resistência do agro com Lula
EXAME Agro

Mesmo com acenos, ministro da Agricultura reconhece resistência do agro com Lula

Há 3 horas

Dino e Zanin se alinham em julgamento que pode livrar União de impacto de R$ 480 bi em contas
Brasil

Dino e Zanin se alinham em julgamento que pode livrar União de impacto de R$ 480 bi em contas

Há 4 horas

Freixo é condenado a pagar R$ 30 mil em danos morais a Flávio Bolsonaro por post sobre rachadinha
Brasil

Freixo é condenado a pagar R$ 30 mil em danos morais a Flávio Bolsonaro por post sobre rachadinha

Há 4 horas

Continua após a publicidade
icon

Branded contents

Ver mais

Conteúdos de marca produzidos pelo time de EXAME Solutions

Exame.com

Acompanhe as últimas notícias e atualizações, aqui na Exame.

Leia mais