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A tal da “hora de investir em”

A maioria dos investidores sobrevaloriza o timing em suas decisões

'os pequenos investidores são altamente sensíveis ao tal do timing. Isso tem muito a ver com a forma como investimentos em renda variável se fazem presentes no imaginário popular' (Witthaya Prasongsin/Getty Images)

'os pequenos investidores são altamente sensíveis ao tal do timing. Isso tem muito a ver com a forma como investimentos em renda variável se fazem presentes no imaginário popular' (Witthaya Prasongsin/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 3 de junho de 2022 às 08h19.

Por Ricardo Schweitzer*

Simplesmente não tem jeito.

Seja qual for o ambiente, o contexto… sempre que sou apresentado a alguém, a inescapável pergunta vem:

E aí? Essa é uma boa hora para investir na bolsa?

Aí, quando a maré vira, a pergunta é invertida: é hora de investir na renda fixa? No exterior? Em FIIs?

Via de regra, quando alguém me pergunta se é hora de , minha resposta é não. Invariavelmente.

Calma. Eu explico.

Em sua grande maioria, os pequenos investidores são altamente sensíveis ao tal do timing. Isso tem muito a ver com a forma como investimentos em renda variável se fazem presentes no imaginário popular: aquela ideia de que você vai ficar rico comprando na baixa e vendendo na alta, pulando de ação em ação; tudo muito dinâmico e divertido.

A premissa é de que as decisões de quando comprar e quando vender são de vital importância para o resultado final. Não por acaso, já ouvi de muitas pessoas que não investem porque não têm tempo de acompanhar o mercado.

Trago boas novas: não, não precisa ser assim.

Óbvio que determinadas estratégias são mais demandantes do que outras – e, diga-se de passagem, não necessariamente entregam melhores resultados. Mas a grande maioria dos investidores pode simplesmente abrir mão disso.

Recentemente tomei contato com um estudo que comparou o desempenho de duas estratégias distintas. Foi feito no mercado americano, mas dificilmente traria resultados diferentes em território tupiniquim.

A primeira carteira representa o estereótipo do investidor de bolsa; aquela idealização que só existe no nosso imaginário e nas redes sociais (já percebeu como nelas ninguém perde dinheiro

nunca?): o sujeito compra mais ações a cada correção do mercado, exatamente no preço mínimo, acertando em cheio os fundilhos da mosca.

A segunda representa um perfil muito menos divertido: todos os meses, estivesse o mercado para cima ou para baixo, o sujeito fazia um novo aporte. Tudo perfeitamente linear ao longo do tempo.

O teste foi feito para diversas janelas de tempo, ao longo de décadas de dados de mercado. E o resultado não poderia ser mais reconfortante para quem tem mais o que fazer da própria vida: mesmo esse hipotético investidor super-homem, que sempre acerta o momento perfeito de comprar, acaba tendo um desempenho de longo prazo pior do que o investidor que tediosamente faz a mesma coisa todo santo mês. Na grande maioria das janelas de tempo analisadas.

E a razão de ser é simples: ao ficar esperando a hora certa de fazer alguma coisa, você corre o enorme risco de ficar de fora até a próxima queda - que, salvo leve o mercado para um nível inferior ao do ponto de partida, ainda assim representará comprar mais caro do que o colega que simplesmente fez seu aporte e foi cuidar da própria vida.

Essa hipersensibilidade ao timing do pequeno investidor típico transborda para outro aspecto, que é a sensação constante de que precisa fazer alguma coisa.

Primeira conclusão: desencane dessa história de é hora de. A hora de investir é a hora em que o dinheiro está na sua mão.

Outro estudo comparou o desempenho de duas estratégias distintas: o sujeito A investiu uma bolada de uma só vez; o sujeito B parcelou aquele investimento em vários meses.

Do ponto de vista de conforto psicológico, parece fazer mais sentido à maioria investir aos poucos. Eu próprio, em consultoria, frequentemente recomendo assim. A volatilidade de preços é incômoda à maioria dos investidores e dividir certo montante de recursos em aportes periódicos contribui para diluí-la.

Mas e na ponta do lápis, o que é melhor? Em mais de 70% das janelas de tempo observadas, a estratégia do sujeito A entregou retorno melhor.

Segunda conclusão: se você não se incomoda com a volatilidade, não só toda hora é hora para investir, como em quase todos os momentos faz sentido investir o máximo possível.

Por um, mais um anedotal, atribuído à Fidelity, uma das maiores empresas de investimentos dos EUA (e, por conseguinte, desta bola azul que habitamos).

Tempos atrás eles teriam resolvido averiguar o que tinham em comum os clientes que tinham auferido os melhores retornos. Seriam eles melhores em escolher quais investimentos fazer? Seriam eles mestres do market timing? Seriam eles mais agressivos? Mais conservadores?

Em comum havia o fato de estarem quase todos mortos. Eram contas que, na maioria, pertenciam a pessoas que já haviam falecido. Em outros casos, se tratavam de planos de previdência que haviam ficado esquecidos pelos titulares em razão de mudanças de emprego.

Em ambos os casos, o resultado era o mesmo: carteiras que haviam se mantido inalteradas ao longo do tempo, inabaladas diante da infinita torrente de notícias e factoides que tiram o meu e o seu sono.

Fica a reflexão. Da próxima vez que alguém perguntar a você - ou, ainda melhor, da próxima vez que você próprio(a) se perguntar - se essa é uma boa hora para comprar ações, questione(-se) primeiro se a pergunta faz sentido; se a premissa está correta.

Terceira conclusão: invista e fique quieto.

Particularmente, acho os resultados desses estudos uma verdadeira dádiva. Democratiza o acesso aos investimentos, pois permite que qualquer um aufira bons resultados com uma estratégia simples de implementar, que prescinde da gestão frenética dos próprios investimentos - quase como se fosse um segundo emprego, como muito já vi por aí.

Não precisa ser assim. Pelo contrário, as evidências nos ensinam i) que toda hora é hora de investir; ii) que convém investir tudo de uma só vez; e iii) já tendo investido, vá pescar. Ou troque a senha do homebroker pelo seu aniversário de casamento. Isso provavelmente o(a) salvará de fazer bobagem na próxima tormenta que atingir o mercado.

Até a próxima!

*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. Escreve para a EXAME Invest a cada duas semanas.

Twitter: @_rschweitzer
Instagram: @ricardoschweitzer

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