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Xi é maior: o sumiço de Jack Ma reforça quem manda na China

Empresário mais influente do país, o fundador do Alibaba perdeu a queda de braço com o governo de Xi Jinping

Xi Jinping (de costas) e Jack Ma
Xi Jinping (de costas) e Jack Ma
TL

5 de janeiro de 2021 às 14:57

Para quem acredita em simbolismos, os acontecimentos destes primeiros dias de 2021 mostram quem manda (e, principalmente, quem continuará mandando) na China. Na queda de braço entre o capital e a capital, Pequim segue no topo.

O empresário mais conhecido do país, Jack Ma, fundador do gigante de tecnologia Alibaba, não é visto há dois meses. Em outubro, ele anunciou um ambicioso plano de levar à bolsa a Ant Financial, o braço financeiro de seu conglomerado empresarial, num movimento que o consolidaria como o empresário mais rico e influente do país. O negócio atraiu tanta atenção internacional que contou com 15.00 investidores brasileiros.

Confiante em seu momentum, Ma aproveitou para criticar o sistema regulatório chinês, numa conferência em Xangai, afirmando que o excesso de controle poderia sufocar a inovação. Mas o IPO calculado em 34 bilhões de dólares, foi cancelado na véspera sem grandes explicações. Depois, em dezembro, reguladores chineses anunciaram uma investigação contra o Alibaba por supostas práticas monopolistas. O governo ordenou ainda que o Ant reduzisse suas operações -- tudo sem uma réplica contundente ao estilo Jack Ma.

Até que o fim do ano chegou, e o sumiço de Ma começou a ficar visível demais para um empresário conhecido por imitar celebridades como Michael Jackson nos eventos anuais de seu conglomerado. Ma desapareceu até de um reality show criado por ele mesmo, o Africa's Business Heroes.

O cerco a grandes empresários é, por assim dizer, uma prática do Partido Comunista Chinês. No fim de 2015, Guo Cuangchang, dono do conglomerado Fosun, foi detido para prestar esclarecimentos à polícia. Por dias ficou incomunicável com seus executivos. O Fosun, assim como o Alibaba, estava numa agressiva estratégia de expansão nacional e internacional, com negócios em seguros e até entretenimento, com a compra da companhia Cirque Du Soleil.

Anos atrás a revista Forbes calculou que um bilionário chinês morria a cada 40 dias – entre as principais causas de morte estavam suicídio e assassinato. "O chamado modelo chinês vive uma constante contradição entre a liberdade econômica e a crescente centralização política. Essa contradição se acentua nas maiores empresas do país, sobretudo naquelas com aspiração global", diz o investidor Diogo Castro e Silva, experiente no ambiente de negócios chinês.

"Ma era um empresário com contato direto com o mercado global e tinha o poder de enfraquecer o discurso e o ponto de vista centralizadores do governo chinês", diz um investidor.

A agência Bloomberg diz que o governo "perdeu a paciência com Ma", e que recomendou ao empresário não deixar o país. Outro símbolo de prosperidade, Ma Huateng, dono da holding Tencent, também tem sido alvo de constante escrutínio. Como equilibrar este controle crescente sem passar a imagem de que a China é um lugar arriscado para investidores?

A queda de braço entre política e economia, e entre tecnologia e segurança nacional, como se sabe, é global. Envolve a disputa entre países e a gigante chinesa de 5G Huawei, e também o cerco a empresas como Google e Facebook na Europa e nos Estados Unidos. Mas em nenhuma outra grande economia o sucesso empresarial é visto como uma ameaça tal qual na China.

Faz parte do anedotário chinês o fato de que os grandes empresários têm um telefone vermelho na mesa para atender diretamente ao partido. Nada menos do que 84 das 124 empresas chinesas na lista das 500 maiores da revista Fortune são estatais. Um desafio crescente é como mostrar coerência e, com o mesmo argumento que tira poder de gigantes como o Alibaba, fortalecer as companhias nacionais.

Reforçar o discurso de ameaça externa é um caminho natural — e que vem sendo cada vez mais buscado. o presidente chinês Xi Jinping, subiu o tom de seus discursos recentemente. Em sua primeira fala anual para as forças armadas, nesta segunda-feira, Xi falou que os combatentes chineses precisas estar prontos para agir "a qualquer segundo".

O presidente também demandou que as forças armadas do país estejam o mais atualizadas possível com tecnologias, o que inclui simulação de combate por computador e com realidade aumentada. O ano de 2020, lembra o diário chinês South China Morning Post, já havia sido marcado pelo pior conflito em décadas com a vizinha Índia, num confronto fronteiriço com dezenas de vítimas.

Ano passado também marcou o fim de um ciclo de investimentos militares ordenado por Xi em 2015, com o objetivo de modernizar as forças chinesas para as demandas do século 21. Investimentos militares e controle da informação interna são duas das prioridades de Xi desde que ele tomou o poder em 2012 para nunca mais deixar — e devem dar a tona neste ano que está apenas começando.

O sumiço de Jack Ma é marcante para iniciar uma década que deve consolidar a China como a maior economia do mundo. As previsões mais recentes, divulgadas esta semana, indicam que o país deve ultrapassar o PIB dos Estados Unidos em 2028, e não mais em 2033, como projeta a consultoria britânica Centre for Economics and Business Research.  A partir de 2021, a consultoria calcula que a China deve crescer anualmente cerca de 5,7% até 2025.

O ano de 2021 marcará também o começo do novo Plano Quinquenal chinês. Com o mote de fazer o mercado interno e externo “se complementarem”, segundo Xi, o plano traz de forma clara que a guerra comercial com os EUA deve perdurar. A pergunta número 1 é se um país que coloca o controle político à frente da economia será capaz de não só assumir como de manter a dianteira econômica global. É mais fácil descobrir onde está Jack Ma do que responder a este enigma.

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