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Stone quebra silêncio e busca protagonismo em oferta pela Linx

Valor total de acordos paralelos dos fundadores da Linx cai de R$ 315 milhões para R$ 190 milhões

GV

2 de setembro de 2020 às 02:26

A Stone resolveu quebrar o silêncio e falar sobre sua proposta de aquisição da Linx. Ontem, as companhias anunciaram ajustes nas condições da operação. A oferta aos investidores aumentou em cerca de 210 milhões de reais, passando de 6,04 bilhões de reais para 6,25 bilhões de reais. A parcela em dinheiro subiu de 5,44 bilhões de reais para 5,65 bilhões de reais.

Além disso, as empresas escolheram atacar o ponto mais sensível do negócio: os acordos com os sócios fundadores da Linx, que detêm 14% da empresa — Nércio Fernandes, Alon Dayan e, principalmente, Alberto Menache, presidente da empresa de software.

Considerando todos os pagamentos ao trio, o valor adicional caiu de 315 milhões de reais para 190 milhões de reais. Em longa entrevista ao EXAME IN, Thiago Piau, presidente da Stone, explicou que a decisão de revisão dos termos partiu da Stone, mas foi prontamente aceita pelos sócios da Linx. A definição ocorreu após diversos contatos da Stone com a base de acionistas da Linx. “Não podíamos fazer esse diálogo antes do acordo ser anunciado”, afirma.

“Decidimos viver uma vida em harmonia com nossos investidores e com quem fazemos negócios. São valores que perseguimos na nossa organização. Nos colocamos à disposição de ouvir as críticas, de peito aberto. Queremos que os investidores da Linx sejam nossos acionistas e decidimos fazer acomodações para que eles fiquem mais confortáveis”, afirma Piau, logo no começo da conversa, quando questionado sobre os motivos das alterações.

Com isso, a Stone, que estava silenciosa no processo, está claramente buscando um papel de protagonista na tentativa de melhorar a receptividade e a imagem da transação — e dela própria. A compra da Linx depende de a Stone ter habilidade de convencer os acionistas da companhia de software. Embora uma aquisição, o negócio foi estruturado na forma de uma incorporação e depende de aval da maioria do capital em assembleia. O trio tem as chaves da empresa, donos da maioria do conselho e da presidência executiva, mas não possui controle majoritário para vender.

 

Ninguém fica

Piau aponta que, nos termos renegociados, os contratos de não competição ficaram em parcelas anuais próximas ao que é a remuneração de cada um, com destaque para Menache — que tinha o acordo considerado mais controverso. Para a Stone é incorreto ler os documentos como um pacote em termos absolutos. Trata-se de um compromisso de parte a parte durante cinco anos. No caso de Menache, o valor ficou em torno de 19 milhões ao ano, pelo compromisso de não competir. Em todos os casos o prazo subiu de três para cinco anos. “Sempre quisemos cinco anos. Aproveitamos o cenário para buscar isso.”

Já o contrato de trabalho de Menache com a Stone sofreu uma drástica modificação. Antes, ele receberia cerca de 90 milhões de reais, sendo 15 milhões em salários e mais de 71 milhões de reais em ações da Stone, para ficar por três anos na operação. Após a revisão, terá um contrato de um ano, com valor de 5 milhões de reais, com foco nos esforços de integração.

“Nem ele, nem nenhum dos fundadores será um executivo da Stone após a operação, apesar de guardarmos uma profunda admiração por eles. Não há nada combinado nesse sentido. E não há nada extra, nenhum adicional a ser recebido ou negociado no futuro. Os acordos são totalmente transparentes.”, sentencia Piau. “Nós entendemos que assim era o melhor e eles foram bastante receptivos aos ajustes, pois também estavam insatisfeitos com as repercussões. Menache vai ficar por um ano e nos ajudar na união dos negócios.”

Após as mudanças, os acordos de não competição, que antes equivaliam a um adicional de 30% do que os sócios teriam com a venda de suas ações, passou a 20% dos 925 milhões de reais que terão direito com os 14% do capital da Linx.

Além de não concordar com a leitura dos dados como um pacote, Piau rejeita qualquer interpretação que considere os acordos uma espécie de prêmio aos fundadores. É um acordo comercial. Os demais acionistas da Linx não têm o ativo da competição para ser vendido.

No caso de Menache, a proposta anterior tinha um adicional total de quase 200 milhões de reais — na soma dos 105 milhões de reais pela não competição mais quase 90 milhões de reais do contrato de trabalho. O extra do executivo em relação à venda caiu de quase 70% para cerca de 30%.

Havia grande incômodo com o fato de Menache ao mesmo tempo trabalhar para a Stone e receber para não competir consigo próprio. Tal crítica perde os argumentos com a nova versão.

Em busca do ‘sim’

Com os ajustes, Stone e Linx buscam acomodar as insatisfações com a transação. O negócio conquistou os corações — ou os bolsos — dos acionistas da Linx, com um prêmio de 35% sobre mercado e um racional estratégico que soou como música. Mas, a polêmica com as condições dos sócios estava levando os acionistas de mercado da empresa de software a iniciarem uma mobilização que poderia criar dificuldades para a assembleia. O pedido de noivado da Stone à Linx foi feito. O sim está na mão dos investidores da empresa, que precisam perder a antipatia em torno da operação.

Os ajustes anunciados ontem têm uma mensagem implícita: o aumento de preço ao mercado foi em valor maior aos acordos extras com os acionistas. “Nunca, em momento algum, tiramos valor da proposta de compra para os acordos com os fundadores. Eram coisas separadas. Nem eles pediram dessa forma, nem nós fizemos”, enfatiza Piau.

“Não fomos habilidosos em lidar com os investidores brasileiros. Aprendemos com isso. Do lado da Stone, não sofremos nenhum questionamento”, diz. “Nosso objetivo de trabalho é sermos éticos em nossas ações. A meta é ser genuíno em nossas intenções, perfeitos no fato jurídico e com uma percepção de mercado alinhada com intenção e fato. Não conseguimos êxito na parte da percepção.”

Do lado dos mais críticos, o entendimento é que a preocupação da Stone se deve ao fato de o negócio ser estrategicamente muito importante para que consiga se manter com diferenciais frente à concorrência dominante de Rede e Cielo.

Eles pediram, nós aceitamos

Piau explica, na conversa com o EXAME IN, que os valores para os acordos com o trio não partiram deles, Stone, mas foram fruto de uma negociação que ocorreu. “Para nós, era vital que existisse um acordo de não competição. Mas os valores partiram deles e foram subindo ao longo da negociação.  O preço para as ações já estava estabelecido antes. Não foi negociado de forma conjunta. Mas eles foram pedindo mais, até nosso limite. É legítimo. Não havia nada errado.”

Questionado sobre o motivo de ter aceitado os valores propostos, Piau explicou que, do ponto de vista do custo da operação, não havia motivo para deixar de realizar a transação por isso. “E, naquele momento, não tínhamos o termômetro da base da Linx.” Em relação ao total do negócio, era um adicional de 3,7%. Os pagamentos seriam, em sua maior parte, em ações da Stone — e equivaliam a menos de 0,3% do valor de mercado da empresa, próximo de 90 bilhões de reais.

As modificações, na visão do executivo, também melhoraram os ritos de governança. Os conselheiros independentes da Linx, João Cox e Roger Ingold, negociaram a nova proposta de venda com assessores jurídicos exclusivos para isso. Já os sócios revisaram os acordos de não competição e trabalho, com advogados apenas para eles.

Os contatos com Cox e Ingold começaram ainda no dia 14, mesmo dia em que chegou a oferta da Totvs. Segundo Piau, Menache, que conduzia as conversas da primeira versão, nunca fez um leilão explícito ou levou a existência de uma oferta potencial da Totvs. Menache também abriu diálogo com a rival, mas não houve formalização de proposta a tempo e a Stone fechou uma exclusividade antes.

Desde o primeiro contato da Stone, os conselheiros independentes da Linx ficaram aliviados, conforme fonte próxima à situação. Eles também estavam preocupados com a circunstância e as condições — uma vez que a responsabilidade passou a recair fortemente sobre eles. Está totalmente a cargo da dupla a conversa com a Totvs, por exemplo, que sinalizou com uma oferta, mas ainda não detalhou os termos de forma que possam ser levados a uma assembleia da Linx. Por isso, o ajuste veio a calhar no quesito “dever de diligência”.

O lance inicial

Os primeiros acenos da Stone à Linx ocorreram ainda em 2019. Piau e Menache tiveram se conheceram em 30 de junho. No dia 3 de julho, os dois se reuniram e então vieram as sinalizações iniciais de prêmio. No começo de agosto veio a primeira minuta, a Stone pretendia pagar 33 reais por ação da Linx, 65% com papéis da Stone e 35% em dinheiro. Nessa versão, não havia multa para nenhuma das partes, nem obrigações. E o trio de sócios teria um extra de 3,5% do valor da transação. Mas o formato não evoluiu, dadas as preocupações de que parte da base acionária da Linx não poderia receber em papéis da Stone, que não é negociada no Brasil, apenas na Nasdaq.

A conversa então avançou para um preço de 34 reais por ação — 50% em papéis da Stone e 50% em dinheiro. Mais uma vez não deslanchou nesse formato. Menache teria se recusado a seguir as conversas e contratar assessores enquanto não obtivesse a melhor oferta, e o máximo possível em dinheiro da Stone. Então, a companhia de meios de pagamentos deu sua cartada: para a melhorar a oferta ao máximo possível precisava de uma multa em caso de fracasso, o tal do break-up fee, e da não competição. A conta considerava 175 milhões de ações da Linx. Descobriu-se, porém, que esse total, na verdade, era de 179 milhões.

Foi assim que o preço para os acionistas ficou em 33,76 reais por ação da Linx, com 90% do pagamento em dinheiro, na primeira versão anunciada ao mercado. A partir daí, tiveram início as negociações a respeito dos acordos de não competição e trabalho.  A Stone sempre buscou se cercar de estratégias que evitariam um leilão da Linx ou que, em última hipótese, a deixasse em situação de vantagem sobre um eventual competidor. A opção por uma incorporação de ações e não uma oferta pública de aquisição (OPA) era justamente para evitar a possibilidade de um leilão e, ao mesmo tempo, permitir uma integração completa da empresa.

"O break up fee, e há estudos acadêmicos que comprovam isso, permite que se extraia dos compradores as melhores ofertas. Ele atua a favor dos acionistas, e não contra", diz Piau. Mesmo assim, diante dos anseios dos investidores, a multa foi reduzida de 605 milhões de reais para 453 milhões de reais, na tentativa de dar um sinal de acolhida às queixas. Caso a assembleia rejeite o acordo, a penalidade que antes seria de 150 milhões de reais foi cortada para 112 milhões de reais.

 

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