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Smart Money: os grandes fundos estão revelando demais às sardinhas?

Dynamo, Velt, Verde e mais outros gestores levam debate à CVM sobre abertura de carteiras e riscos para indústria de fundos

Sardinhas
Sardinhas
GV

30 de junho de 2021 às 11:10

A transparência da indústria de fundos no Brasil, cujo patrimônio é de R$ 5,6 trilhões, está em debate nos bastidores do mercado: dentro e fora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Os meandros são técnicos, mas a discussão é quente. Quem está preocupado com o assunto? As maiores e mais tradicionais gestoras de recursos do país, a elite nacional do “value investing” e o próprio regulador.

A lista de nomes inclui Absoluto, Atmos, Dynamo, Sharp, Velt, Verde e 3G Radar.  Esses são talvez os mais ativos e abertos ao debate. Levaram, inclusive, um estudo sobre o assunto à xerife do mercado, elaborado pelo ex-diretor da própria CVM Marcos Barbosa Pinto, que também tem experiência como gestor após sete anos na Gávea Investimento. Na mesa, preocupações e muita disposição para conversa. Em questão: o futuro do setor de investimentos.

A discussão é mais ou menos até que ponto a luz do sol é detergente e quando ela começa a desbotar e esgarçar os tecidos — portanto, enfraquecê-los. A tecnologia, combinada à divulgação de dados pela indústria, tornou as carteiras feitas pelas mentes mais brilhantes do mercado brasileiro vulneráveis. A cada dia que passa surgem novos produtos, com detalhes cada vez mais acurados, sobre as estratégias de cada casa.

Para além das grifes, o assunto está na mira de praticamente todas as grandes casas do circuito Faria Lima-Leblon — e das pequenas que não param de surgir. Diversas delas consultadas, velhas e novas, se sentem, em maior ou menor grau, mais expostas. Do volume do mercado de fundos, quase R$ 700 bilhões são carteiras dedicadas exclusivamente a ações. As mais sensíveis ao tema, nesse momento. Mas há outro tanto, R$ 1,5 trilhão, em fundos multimercados.

O número de investidores que aplicam direto na bolsa duplicou em 2020. O total de contas abertas supera 3,7 milhões e o estoque investido em ações estava próximo de R$ 400 bilhões ao fim do ano passado, o que, na ocasião, equivalia a aproximadamente 65% do montante aplicado via fundos.

No Brasil, há muitos anos, os fundos são obrigados a abrir a carteira investida todos os meses, num prazo máximo de dez dias após o término de cada mês. Posições que estejam sendo construídas podem ficar não identificadas por ativo, com atraso de três meses.

Os fundos também informam a cota diária e uma série de outros detalhes. A Bolsa, para completar, dá transparência sobre as negociações, via corretoras, de cada um dos ativos. Na era dos dados, esse material vira ouro para quem, além de curioso, tem habilidades para fazer a triangulação. Por isso, surgiu a interrogação: será que é bom?

Daí, uns podem logo correr e apontar o dedo: “Mas os bastiões da cobrança por boas práticas de governança nas companhias interessados em reduzir as próprias informações?”, como alguns já comentaram ao longo da apuração dessa matéria. Para começar, se a comparação for essa, é simples: fundos precisam se despir todos os meses à CVM e ao público, enquanto que as companhias abertas publicam balanços trimestrais, com prazo de 45 dias. O objetivo da informação é proteger o investidor, seja comprador de uma ação diretamente, seja da cota de fundos.

Superados os falsos debates, é preciso pontuar que a questão não está — nem de longe — contemplada na ampla reforma de fundos com a revisão da Instrução n º 555, em andamento. É tema ainda em formulação de discussão, fase em que não há garantias se o debate vai frutificar. Mas, na revisão da instrução a Associação Brasileira dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) já pontuou a necessidade de se tratar do caso. Até o fim desse ano, deve haver uma decisão sobre se o a questão vira ou não reforma de regra.

Por que agora isso virou um problema?

Quando as instruções de mercado para fundos de investimentos foram formuladas e revisadas, ninguém pensava em “cloud computing” ou em ser “data oriented”. “Machine learning” e inteligência artificial eram, no máximo, coisas para desenho animado ou filme de ficção. Mas o futuro chegou.

Agora, essa combinação de informações disponíveis com a capacidade computacional e mais algoritmos aplicados estão fazendo surgir, a cada dia que passa, mais e mais “serviços” que vendem no varejo a estratégia das grandes casas de gestão de recursos. Há, até mesmo, rumores sobre fundos passivos — ETFs — que mimetizem as carteiras mais tradicionais do mercado. Algo que certamente enfrentaria debate judiciais sobre propriedade intelectual. Mas as conversas tanto existem que são citadas no estudo levado à CVM.

Em geral, o trabalho dos “caçadores de informação” é um esforço de combinação de dados disponíveis em ambientes diferentes. Na CVM, quando abrem a carteira, mesmo quando conseguem proteger os ativos, os fundos precisam listar o volume de recursos aplicados e quanto aquilo representa do patrimônio total. A apresentação não é feita de forma agregada, e sim detalhada, item por item, apenas com sua identificação suprimida. Soma-se a isso fórmulas matemáticas complexas que incluem cota da carteira, dados da bolsa por giro de ativo e corretora e “voilá”: revelam-se as decisões das melhores cabeças do mercado.

Algumas vezes, esses “tratadores” das informações conseguem inclusive descobrir não só as posições atualizadas normais, como também as secretas. O Smart Money Brasil, por exemplo, promete delay de apenas 15 dias nas carteiras e outros, que vendem pacotes de serviços, com prazos menores. Para grandes gestoras, a ocultação é relevante porque, com patrimônio elevado, muitas casas não conseguem montar a estratégia num único pregão, ou em poucos, sem impactar o mercado. Algumas vezes, para serem silenciosas e se diferenciarem, elas precisam ir devagar.

Para os fundos o assunto envolve o futuro da indústria, mas não há nenhuma celeuma de curto prazo. Todos os citados, ou a maioria deles, têm fila de dinheiro na porta. Só que isso acaba deixando regulador (CVM) e autorregulador (Anbima) confortáveis para ter o assunto na mira, porém não na lista de prioridades. E o tempo vai passando.

Medidas

Sensibilizada pela indústria de fundos, a CVM decidiu dificultar um pouco mais a vida dos atentos investidores e passou a permitir o arredondamento na divulgação das posições no começo deste ano. Na largada, os robôs ficaram confusos e ajudou. Mas, pouco a pouco, todas estão se adaptando novamente.

Agora, mais uma vez, o regulador está atento, segundo apurou o EXAME IN. A xerife de mercado vê que há produtos que estão ‘pisando na linha, nos limites estabelecidos’ quando trazem informações sobre uma estratégia em andamento e que, em tese, estaria protegida ainda da divulgação. É possível que, em breve, a CVM modifique o layout de como fornece as informações das carteiras dos fundos ao mercado, na tentativa de proteger a indústria.

Contudo, conseguir emplacar uma agenda de redução do nível de detalhes prestados ao mercado e periodicidade parece que não será uma pauta simples para os fundos debaterem. A velha máxima de que a luz do sol é o melhor desinfetante ganhou tal relevância que é difícil qualquer argumento que pareça divergir — ainda que só pareça.

Conforme o EXAME IN apurou, ainda que no colegiado do regulador haja sensibilidade à situação, a área técnica da autarquia entente que a indústria de fundos brasileira “passa muito bem, obrigada!”, por todos os solavancos de mercado. E acredita que a capacidade que os investidores têm de fiscalizar as carteiras e verificar se as estratégias vendidas estão sendo aplicadas é o que ajuda a garantir tudo isso —  essa estabilidade.

Na autarquia, por exemplo, comemorou-se bastante que — de forma geral — os fundos brasileiros não tiveram resgates absurdos que pudessem gerar uma quebradeira de porftólios ou um crash de mercado durante a pior fase do estresse com a pandemia. Houve volatilidade nas carteiras de crédito, mas sem rupturas. Já nos fundos de ações foi o contrário, no auge da crise no ano passado, a indústria levantou nada menos do que R$ 7 bilhões apenas no mês de março.

Não custa nada lembrar ainda, no começo do ano, o episódio GameStop e IRB, aqui no Brasil, e o que se chamou de "revolução das sardinhas". Nos Estados Unidos, havia uma composição no discurso do varejo de que o objetivo era colocar justamente os grandes fundos contra a parede.

A luz do sol também desbota

Se é verdade que a luz do sol desinfeta, também é que, em excesso, ela desbota e desgasta. Após estudar o assunto, o advogado Marcos Barbosa Pinto diz se sentir tranquilo para afirmar que o excesso de transparência prejudica o investidor dos fundos. "Quem se beneficia desse nível de abertura de informação não é o cotista", explica ele em entrevista ao EXAME IN. Ele avaliou a regulação em diversos países — cerca de 25 — e também estudos que apontam, inclusive, uma redução na rentabilidade das carteiras.

O ex-diretor da CVM e hoje sócio no escritório Trindade Advogados afirma que a defesagem média nas informações é de três meses e que seria recomendável que o mesmo ocorresse aqui no Brasil. "Não há problema em enviar as informações para o regulador. Isso pode seguir sendo feito. A questão é dar publicidade." Além disso, o prazo de dez dias para publicação deve ser ampliado.

A expectativa, com isso, não é que o mercado pare de fazer o rastreamento das carteiras, mas que aumente a defasagem nas informações para maior proteção da estratégia. Na visão de Barbosa Pinto, não se trata de redução de transparência.

Ele destaca ainda que o contrato do investidor cotista é para que o gestor encontre boas oportunidades. É para isso que ele remunera esse especialista com taxa de administração e de performance. Se o mercado identifica quando os fundos encontram um ativo, a estratégia será prejudicada. "Temos que pensar enforcement sobre o que essa abertura gera, se tem regulador e administrador de carteira já para fazer isso."

Mesmo consciente de que a pauta possa soar "antipática", ele defende que o assunto seja debatido. Do jeito que está hoje a regulação, Barbosa Pinto acredita que prejudica o investidor do fundo, o gestor (que pode perder competitividade com a divulgação de sua estratégia) e o mercado como um todo. "Se não houver gente disposta a pagar por esse serviço, quem vai fazer essa análise que gera a eficiência do mercado?"

Um causo

O estudo de Marcos Pinto foi realizado no fim do ano passado. O assunto voltou a esquentar neste ano com o lançamento de mais um serviço de conteúdo por assinatura. Os fundos, que começaram a se organizar para promover o debate, ficaram mais preocupados. E outros mais estão atentos.

Em janeiro, chegou ao mercado o Smart Money Brasil. O site de conteúdo de investimentos — ainda pouco conhecido — sistematiza e organiza a estratégia dos fundos mais renomados e rentáveis do país e, a partir da carteira dessas gestoras, estrutura relatórios. Com o portfólio investido pelas assets monta uma espécie de carteira — ou várias — para ser seguida.  De acordo com o site, é possível adotar as estratégias a partir de uma aplicação de R$ 3 mil.

A recomendação dos investimentos, contudo, não é do idealizador do conteúdo, o engenheiro mecânico, com especialização em algorítimos, Pedro Oliveira, um carioca de 38 anos que vive em Curitiba e decidiu vender uma solução que criou inicialmente para si próprio. As listas de ativos são produto do que ele chama de “smart money”, o dinheiro inteligente desses grandes gestores, e derivam desse conjunto de informações públicas. Os algorismos usados por ele para montar o quebra-cabeça são proprietários, avisa o site.

Apesar de entender que não são recomendações, Oliveira obteve a certificação de analista antes de montar o site para vender a terceiros seu conteúdo. Há diversos produtos: a reunião das carteiras dos 10 melhores fundos, as 10 ações que concentram a maior parte do patrimônio dessas gestoras, uma lista de pagadoras de dividendo, de small caps e de preferidas por setores da economia. A assinatura dos relatórios varia de R$ 19,90 a R$ 64,90 ao mês, a depender de quanto conteúdo for adquirido.

A lista de fundos elegíveis tem 23 nomes: Absoluto, Atmos, AZ Quest, Bogari, Brasil Capital, BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), Constellation, Dynamo, Equitas, Forpus, Indie, Kapitalo, Miles, Núcleo, Pacífico, Real Investor, Sharp, Squadra, Tempo, Trigono, Truxt, Velt e Verde.

Entrevistado pelo EXAME IN, Oliveira disse que reconhece como de excelência o trabalho realizado pelos gestores dos fundos. E que toma o cuidado de não informar de quais fundos é cada ação da lista recomendada justamente para respeitar a estratégia de cada casa, e de propriedade intelectual.

Oliveira usa dados públicos apenas. No site do Smart Money, o texto de apresentação já avisa que o sucesso dos fundos “não é sorte”. É, portanto, capital intelectual aplicado: pesquisa, análise e decisão.

Na visão do engenheiro, seu trabalho ajuda o mercado a ficar mais eficiente, pois, na realidade, esses gestores conseguem ver primeiro tendências e oportunidades. “Eu não inventei a roda. Isso é feito lá fora já”, e cita como exemplos sites como WhaleWisdom e Hedge Fund Wisdom.

A diferença é que aqui no Brasil há muito mais informação disponível. Nos Estados Unidos, os dados são muito menos expostos e nem todos os fundos precisam sequer abrir os dados trimestralmente, a necessidade depende de tamanho e público-alvo.

“Uma publicidade maior aumenta a eficiência (e consequentemente o valor social) do mercado de capitais sem ameaçar os incentivos às boas decisões (geradas por pesquisa) dos fundos”, escreveu Oliveira, em mensagem à reportagem.

Em uma conversa telefônica, o sócio idealizador do Smart Money Brasil contou que se deu conta dessa oportunidade, alguns anos atrás, quando operava criptoativos e começou a replicar as posições de um investidor que estava sempre mais bem posicionado como grande ganhador em uma corretora internacional. “Como toda boa sardinha, eu queria mesmo era aplicar como os tubarões”, brincou.

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