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Sem saldão e com pandemia, pessoa física tira o pé da aplicação em bolsa

Pela primeira vez na pandemia, número de novas contas na bolsa fica abaixo de 100 mil no mês

GV

28 de abril de 2021 às 14:37

As instabilidades econômica e política já estão pesando no interesse da pessoa física pela bolsa. Os juros mal começaram a subir e o brasileiro já reagiu com sua experiência pessoal, o que o leva a ser mais conservador. O número de aberturas de conta em corretoras para operação com ações diretamente na B3 ficou abaixo de 100 mil pela primeira vez desde o início da pandemia — em março foram 97 mil novos cadastros, ante uma média de 115 mil em janeiro e fevereiro e de 135 mil em 2020. Os números foram publicados neste sábado.

O total de contas terminou dezembro em 3,230 milhões, o dobro do fim de 2019, e fechou março em 3,561 milhões. É cedo para falar em reversão de tendência de crescimento, segundo especialistas, mas o aumento do conservadorismo é uma realidade. Assim, o ritmo da expansão está menor.

Ainda que o brasileiro nunca tenha visto a Selic em 2% (2,75% ao ano no momento), já viu muitas vezes os juros baixarem e depois voltarem a subir. Os investidores começam a ampliar a alocação em produtos atrelados à inflação e até mesmo ao CDI. E aqueles que ainda não tinham vindo para a bolsa resolveram esperar um pouco.

Além da redução no ritmo de novas contas, o saldo de março das compras e vendas feitas pelos investidores individuais diretamente na B3 está negativo em R$ 1 bilhão em março. Para se ter uma ideia do que isso significa, o fluxo foi positivo em R$ 12 bilhões em janeiro e em R$ 5 bilhões em fevereiro.

A piora no cenário da pandemia e as preocupações sobre reflexo disso na economia, combinada às turbulências no cenário político e de interferência em estatais, contribuíram para a deterioração do humor.  As dúvidas aumentaram.

É o que também apontam os dados sobre a indústria de fundos de investimentos, coletados e organizados pela Anbima. Depois de 4 anos de captação líquida de recursos (2017 a 2020), os fundos de ações acumulam resgates de R$ 10 bilhões no primeiro trimestre deste ano, até 26 de março — houve uma melhora nesse mês, pois o saldo estava negativo em R$ 17 bilhões em fevereiro.

Mas desperta muita atenção que na renda fixa o movimento é inverso — ou seja, de aportes — e de grande intensidade. Até 26 de março, os fundos dessa categoria já tinham captado R$ 72,5 bilhões neste ano. O volume positivo impressiona especialmente porque de 2018 a 2020 só houve resgates no agregado anual. Nesse período, houve retiradas de R$ 13 bilhões, R$ 57 bilhões e R$ 40 bilhões, ano após ano.

Outro dado que não passa despercebido é que, apesar de ser comum a poupança ter mais saques do que depósitos no primeiro bimestre — em função da concentração de despesas domésticas como IPTU, IPVA, material escolar, entre outros — o volume deste ano foi bastante elevado.

Em janeiro, os resgates somaram R$ 18 bilhões, o maior da história — até então o mais alto era de janeiro de 2020, de R$ 12,4 bilhões. Em fevereiro, foram retirados da poupança R$ 5,8 bilhões, um total que só perde para os R$ 6,6 bilhões sacados em fevereiro de 2016, dentro do período recessivo do segundo governo de Dilma Rousseff (PT) e logo após o impeachment. A preocupação é que isso seja fruto de piora na renda das famílias.

O comportamento da pessoa física tem sido difícil de prever e não há quem se arrisque a tentar antever os próximos meses. Muitas vezes tem mostrado rumos, inclusive, diverso das recomendações predominantes. Embora os especialistas aceitem que alguns produtos de renda fixa ficaram mais atrativos, muitos esperavam não haver impacto para o fluxo à B3 enquanto a taxa de juros não alcançasse dois dígitos. E o fato é que a mínima alteração já trouxe reflexos.

No ano passado, os pequenos investidores — as sardinhas — foram os principais compradores nos momentos de estresse. É memorável que em março de 2020, o mês dos circuit breakers, com dois cisnes negros (pandemia e petróleo), as compras líquidas desse grupo somaram R$ 17 bilhões — e os fundos de ações captaram R$ 7 bilhões.

Não há, nesse momento, o mesmo ímpeto. Até mesmo porque está bem menos óbvio entender o que está barato e o que está caro. Os grandes alocadores, os fundos — ou tubarões — passaram por uma perceptível rotação de ativos. Ativos que estavam mais descontados até o momento viveram uma correção. Tem sido assim no restante do mundo.

A dúvida aqui, porém, é saber o quanto o Brasil é diferente. Há muita preocupação, com as polêmicas nas contas do orçamento e os movimentos políticos de tom cada vez mais elevado, que o país possa se descolar do que é esperado para o restante do mundo: uma forte recuperação tão logo as populações estejam vacinadas e as economias se recuperem.

 

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