Logo Exame.com
Varejo

Méliuz: CEO espera 2023 com alta na receita e geração positiva de caixa, após venda do Bankly

Crise da Americanas não deve prejudicar companhia de cashback

Méliuz: venda do Bankly permitirá geração de caixa positiva sem que aplicativo perca funcionalidades (Méliuz/Reprodução)
Méliuz: venda do Bankly permitirá geração de caixa positiva sem que aplicativo perca funcionalidades (Méliuz/Reprodução)
GV

Graziella Valenti

6 de fevereiro de 2023 às 06:00

Depois de trilhar um caminho para ser banco digital, a Méliuz (CASH3) decidiu retomar o seu modelo de negócios original e voltar ao que era — só que maior e aperfeiçoada  — no pré IPO, a oferta pública inicial que listou suas ações na bolsa em dezembro de 2020. A expectativa é que essa decisão, que envolve a venda do Bankly ao BV, faça a receita crescer e a geração de caixa da companhia voltar a ser positiva. Esse é o resumo do cenário traçado por Israel Salmen, fundador e CEO da empresa, em entrevista ao EXAME IN. Quando chegou à B3, a empresa tinha 10 milhões de contas e hoje são mais de 26 milhões.

O modelo que a Méliuz apresentou aos investidores quando era candidata a estreante do pregão foi de uma empresa que reúne diversos varejos online em seu aplicativo. As empresas clientes pagam para estar no 'espaço' da plataforma. Esse pagamento permite que a Méliuz forneça aos consumidores um cashback que estimule eles a fazerem suas aquisições dentro de seu aplicativo, no lugar de fazer diretamente pelo site das varejistas. Além do retorno de parte do gasto, lá os usuários ainda podem comparar preços e ter ofertas especiais. Quanto mais consumidores, mais relevante fica o aplicativo e mais clientes, em um ciclo virtuoso. Há pouco mais de dois anos, havia um desejo de aprofundamento da oferta de serviços financeiros. Mas, inicialmente, não se pensava em um banco digital dentro de casa.

A expectativa de Salmen é que a expansão da receita ocorra a despeito da crise da Americanas (AMER3), que pode enfraquecer a oferta de produtos da plataforma por ser uma das clientes mais antigas. “Nas nossas notas explicativas apontamos que existem três clientes que respondem por uma fatia de 10% da receita cada. Mas nenhum deles é a Americanas”, enfatiza o CEO.

Na visão do executivo, ainda que isso aconteça, uma parte das ofertas e das compras deve migrar para as demais varejistas que também são clientes da Méliuz. Entre os analistas de varejo, muito apostam que o Mercado Livre é um dos que mais devem se beneficiar de um possível encolhimento da Americanas. O Meli, contudo, não é cliente da companhia de cashback. A aposta em crescimento do CEO se deve a uma contínua trajetória de expansão da operação de shopping e cupons da plataforma somada às receitas que virão após a compra do Bankly pelo BV. "Nosso ritmo de abertura de conta está em 10 mil por dia", comemora Salmen. No terceiro trimestre de 2022, considerando apenas a operação de shopping Brasil, as receitas líquidas somaram mais de R$ 60 milhões, uma alta de 52%.

No total do terceiro trimestre de 2022, a Méliuz teve receita líquida consolidada de R$ 98 milhões, uma expansão da ordem de 40% na comparação com o mesmo período de 2021. Desse total, o Bankly trouxe R$ 21 milhões, ante R$ 7,4 milhões em igual período de 2021. No acumulado de 12 meses, até setembro do ano passado, a empresa teve receita líquida de R$ 365 milhões, um aumento de 75% na comparação anual.

No auge da euforia com as empresas de alto crescimento, em 2021, a Méliuz chegou a ser avaliada em torno de R$ 10 bilhões na bolsa — hoje, vale 10% disso. Não por acaso, diante dessa percepção de valor, Salmen realizou uma nova nova oferta de ações (follow on) e aproveitou o bom momento para fortalecer mais uma vez o caixa da companhia. Nesse momento, diante do fácil acesso a capital, a empresa adquiriu o antigo banco Acesso e transformou o negócio no Bankly. A ideia inicial, que era de aprofundar as ofertas em serviços financeiros por meio de parcerias, passou então a ser feita dentro de casa.

Ocorre que a operação financeira, apesar de estar se desenvolvendo bem, ainda está em estágio de consumo de caixa e não de geração, por demandar investimentos. Esse é um dos principais motivos para a decisão de venda no atual cenário de restrição generalizada de recursos.

O ajuste na companhia, para lidar com o ambiente mais difícil, envolveu uma redução no quadro de funcionários da ordem de 6%, além da venda do banco. Como as demissões ocorreram logo após o anúncio da crise da Americanas, chegou a existir um rumor no mercado de que as coisas estavam relacionadas, o que Salmen nega.

O crescimento acelerado do time era uma das maiores preocupações dos investidores em relação à companhia. Das despesas com pessoal, que somaram R$ 51 milhões de julho a setembro do ano passado, ante R$ 19 milhões em igual período de 2021, 30% era de alocação do Bankly. Agora essa despesa será assumida pelo BV, tão logo a transação seja aprovada em assembleia de acionistas da Méliuz (a votação deve ocorrer entre este mês e o próximo). Só na controlada, estão 300 pessoas.

Além de fortalecer o caixa, o negócio com o BV deve incrementar a receita da Méliuz, segundo Salmen. Para a operação, o Bankly foi avaliado em R$ 210 milhões. “Nosso caixa vai chegar perto de R$ 700 milhões”, afirma Salmen — se considerada a venda total. “Uma posição bastante confortável”, enfatizou ele, lembrando que a aplicações dos recursos, no atual momento de taxa de juros elevada, representa um bom rendimento.

Quando o antigo Banco Votorantim assumir a gestão do Bankly, além de passar a ser responsável pelos custos e despesas, vai pagar à Méliuz por abertura de conta, emissão de cartão e ainda um fee pela movimentação financeira (TPV). “Vamos ter receita com o Bankly, sem ter os custos e despesas associados”, diz o CEO. Na prática, isso vai se refletir em aumento de margens. De um total de R$ 143 milhões de despesas operacionais totais no terceiro trimestre, R$ 37 milhões eram do Bankly — ou seja, uma atividade ainda em estágio deficitário. “Nós éramos um negócio asset light quando fizemos o IPO, a decisão de fazer o Bankly trouxe muito mais complexidade para a operação e deixou a Méliuz uma empresa muito mais pesada.”

Porém, houve ganhos também com esse movimento. Salmen lembra que um dos maiores problemas de atuar com parceiros na frente financeira era a experiência ruim para o cliente. Porque o cartão ficava em um aplicativo, do parceiro, e o shopping, no da Méliuz. “Agora, mesmo com a venda do Bankly, a experiência continua toda dentro do ambiente da Méliuz”, reforça ele. Ao fim de setembro, existiam 23,5 mil cartões de crédito da empresa, ante 3,6 mil ao fim de junho.

A sacada do Votorantim

Para o BV, a aquisição do Bankly traz uma exposição diferente ao negócio, com uma atuação de varejo. Além disso, a instituição tem forte presença no mercado de recebíveis e a proximidade indireta com o varejo que o ativo traz é mais um atrativo. Só que a operação pode ficar ainda mais interessante se as condições de mercado continuarem daqui para melhor e for exercida uma opção de compra do controle da Méliuz.

Neste primeiro momento, em uma operação secundária, o BV vai adquirir uma fatia de 3,85% da companhia, em ações dos sócios fundadores — que reduziram sua participação, portanto, de 23,93% para 20,08%. O banco, porém, assinou uma opção de comprar, com validade de dois anos, para todos os papéis restantes de Salmen, André Amaral, Lucas Marques, Davi Holanda e Org Investments LLC.

Ficou combinado que, após seis meses da assinatura, essa possível aquisição será pelo valor de R$ 1,50 por ação mais correção do CDI ou o preço médio de mercado, ponderado por 30 pregões, com um desconto de 10%. Valerá o que for maior. O BV também terá de lançar uma oferta pública de aquisição para 100% da base de investidores de mercado. A ação hoje está avaliada em R$ 1,07, com a Méliuz avaliada em R$ 925,5 milhões na bolsa.

O contrato, portanto, avaliou a Méliuz em um mínimo de R$ 1,3 bilhão, mais correção pela Selic. Para o BV, o momento é para lá de oportuno. A compra, se efetivada, virá com um desconto relevante implícito: o caixa de R$ 700 milhões da companhia, que incluirá os valores pagos pelo Bankly. Portanto, o banco recupera de imediato parte do investimento, já que a empresa não possui dívida. Um cashback e tanto!

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade