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Havan mira IPO de R$ 100 bi com emoção, mas digital ainda no papel

Companhia teve receita líquida de quase 8 bilhões de reais no ano passado com modelo de mega-lojas "vende tudo"

GV

28 de agosto de 2020 às 02:36

A rede varejista de origem catarinense Havan, cuja fachada costuma vir acompanhada de uma réplica da Estátua da Liberdade, finalmente deu entrada com o pedido de registro para sua oferta pública inicial (IPO) na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É a 37ª da lista que se acumula no regulador nesse momento. Embora tenha se ventilado que pretenda estrear avaliada em 100 bilhões de reais, ainda não foi definido o valor do negócio. A operação é uma das mais aguardadas do ano. Mas, se o valor for confirmado, será o primeiro IPO de centena de bilhão já realizado na B3. Tirando Petrobras, Vale e os bancões, três dígitos de bilhão em capitalização é coisa só para Ambev, Weg, B3 e Magazine Luiza entre as 330 empresas da bolsa.

Por enquanto, o que está definido é o plano de obter 5 bilhões de reais para o caixa em uma emissão primária para investir em expansão física, tecnologia e fortalecimento do capital de giro. O fundador, o empresário Luciano Hang, também planeja vender parte de suas ações, mas em quantidade e volume ainda não definidos. É possível que a operação alcance 10 bilhões de reais, o que a tornaria uma das maiores estreias da B3 de 2020 também no valor da oferta. O coordenador líder da emissão é o Itaú BBA e o sindicato de bancos é concorrido: tem XP Investimentos, BTG Pactual, Morgan Stanley, Bank of America, Bradesco BBI, Safra e Santander.

Até o início de 2018, a fama da Havan era restrita ao Sul do país, região de origem e forte presença. Mas, além de conquistar notoriedade pelo feito nos negócios ao duplicar a receita da empresa de tamanho entre o fim de 2017 e o fim de 2019, Hang ganhou projeção nacional com apoio público ao então candidato do PSL Jair Messias Bolsonaro — eleito presidente da república e atualmente sem partido político.

Se o plano da Havan for mesmo estrear valendo quase uma Magalu (150 bilhões de reais no fechamento de quinta-feira), sua avaliação vai equivaler a mais de 130 vezes o lucro líquido de 756 milhões de reais registrado em 2019. Em relação a 2020, a conta é impossível de ser feita porque os números estão afetados pela pandemia e o mesmo vale para 2021. O resultado dos primeiros meses é de 86 milhões de reais, uma queda de 75% em relação ao lucro do primeiro semestre do ano passado.

O desafio é que ser avaliado em 100 bilhões de reais e fazer uma oferta de 10 bilhões equivale a colocar no mercado uma fatia de apenas 10% do capital em circulação — o mínimo exigido pelo Novo Mercado é 25%, mas a bolsa permite exceções.

Na prática, o investidor da Havan pagaria na frente todo o ultra prêmio tech que a Magazine Luiza conquistou na pandemia, como um ápice de um processo de digitalização que teve início há cinco anos. A Havan anunciou seu plano de transformação digital em março deste ano. De acordo com informações do prospecto preliminar da oferta, com 39 milhões de acessos, as vendas via site Havan.com em 2019 somaram 77 milhões de reais, para uma receita líquida total de 7,9 bilhões de reais. Essa é toda informação de resultados de e-commerce que a empresa apresenta, além dos planos detalhados nome por nome para fortalecer o aplicativo, iniciar a conversão de suas lojas em mini-centros de distribuição para entregas com serviços logísticos de última milha e lançar um banco digital. Nos seis primeiros meses do ano, a receita líquida da empresa ficou 10% menor em meio à pandemia, em 3,27 bilhões de reais.

Apenas como comparação, a Magalu teve receita líquida de 10,8 bilhões de reais de janeiro a junho, com crescimento de 25% — puxado pelo aumento das vendas nos canais digitais. No segundo trimestre, o e-commerce respondeu por quase 80% das vendas totais nas plataformas da empresa, que movimentaram um valor bruto de 8,6 bilhões de reais.

Embora o prospecto da oferta da Havan ainda esteja evidentemente cheio de lacunas, como é a praxe nesse estágio de apresentação dos documentos, Hang fez questão que ele já chegasse com uma “carta aos investidores”, em iniciativa semelhante a do empresário Guilherme Benchimol, fundador da XP Investimentos, quando do IPO na Nasdaq no fim do ano passado. Em tom emotivo, ele conta como foi criar o negócio, aos 24 anos de idade, a partir de uma loja de tecidos e que hoje, 34 anos depois, oferece aos consumidores uma variedade com 250 mil tipos de produtos — podendo alcançar 320 mil em alguns momentos do ano — em 149 mega-lojas. “Comece pequeno, sonhe grande!”, recomenda. O plano é chegar ao fim de 2022 com 200 unidades. Na carta, o empresário declara “na Havan, nós não temos clientes, temos fãs.”

A empresa se apresenta ao mercado como uma loja que “vende de tudo para todos”. Logo na primeira frase da seção “visão geral do negócio”, afirma: “acreditamos ser a única empresa do mercado brasileiro que apresenta um modelo de varejo disruptivo, one-stop-shop”. E segue, então, descrevendo suas credenciais: “somos capazes de proporcionar uma experiência de compra diferenciada aos nossos clientes, com espaços amplos e organizados, concessão de crédito (via cartão Havan), praças de alimentação e até cinemas, fidelizando os nossos clientes e tornando-os fãs da experiência e da marca Havan”.

Se o desempenho de Hang na digitalização da Havan ainda é incerto, na gestão do varejo físico tem reconhecimento. E isso é um dos méritos que o faz ser esperado na bolsa. A empresa consegue margens expressivas na execução das lojas. No ano passado, teve um Ebitda de 1,1 bilhão de reais, equivalente a uma margem de 14%. No primeiro semestre deste ano, mesmo com a pandemia, o indicador ficou em dois dígitos: 11%, com Ebitda de 369 milhões.

Hang afirma, em sua carta, que a Havan começa agora uma nova etapa em sua existência. Nela, terá de converter um novo público em fãs: os investidores. Com a Selic em 2% ao ano e uma bolsa com apenas 330 companhia, esse é um público carente de ídolos, à procura de negócios bem forjados e com promessas de crescimento.

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