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Bradesco

Entre a cruz e a caldeira: BC deve bancar a maior alta de juro em 18 anos

Confirmada a expectativa do mercado, o Copom elevará a Selic em 1 ponto, para 5,25%, maior nível desde setembro de 2019

Reunião do Copom volta a ter 8 membros, além do presidente Roberto Campos Neto; Fernanda Guardado já assumiu diretoria  (Copom/Divulgação)
Reunião do Copom volta a ter 8 membros, além do presidente Roberto Campos Neto; Fernanda Guardado já assumiu diretoria (Copom/Divulgação)
AB

Angela Bittencourt

3 de agosto de 2021 às 08:54

Roberto Campos Neto tem um desafio e tanto nesta semana: preservar a credibilidade do Banco Central (BC) que preside, sinalizar que a autonomia conquistada em lei aprovada pelo Congresso e promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro é para valer, contornar prováveis ataques ao Comitê de Política Monetária (Copom) e evitar eventual confronto com o Palácio do Planalto. A tarefa é pesada e exigirá extraordinário jogo de cintura porque a determinação do BC de conter maior deterioração das expectativas de inflação não está de mãos dadas com a disposição do governo de gastar com programas assistenciais, como o aumento do valor do Bolsa Família que, combinado a uma dívida bilionária de precatórios, pode estourar o teto de gastos em 2022 e minar a já frágil confiança dos investidores na política econômica – às vésperas da eleição presidencial.

O Copom deverá, na quarta-feira, promover o maior aumento da taxa Selic em 18 anos. Confirmada a expectativa de economistas de bancos nacionais e estrangeiros, o Comitê elevará a taxa básica brasileira em 1 ponto percentual, para 5,25% ao ano.

Nesta abertura de semana, o dólar declinou, de olho no suporte de R$ 5,10, e trai a avaliação de 10 entre 10 analistas sobre o que o Copom nos reserva. Ajuste de 1 ponto na Selic ocorreu em 2003, quando o comitê aumentou a Selic de 25,5% para 26,5%, informam Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, do J.P.Morgan, que aguardam a sinalização de nova alta de 1 ponto na Selic para setembro, desde que as condições atuais permaneçam até a próxima reunião do colegiado. Eles não estão sozinhos.

Em 18 anos, a maior ousadia do Copom foi elevar a Selic em 0,75 ponto percentual em três reuniões realizadas no período de 2008 a 2010, tempos para lá de turbulentos nas finanças internacionais pela crise subprime engrendrada nos Estados Unidos.

Nas estimativas do J.P.Morgan, o modelo econométrico do BC deverá apontar para inflação de 3,5% antes de 2022, um décimo acima da meta, considerando uma taxa Selic de 7% e dólar a R$ 5,15. Essas condições tornariam a mensagem da última reunião inconsistente, diz o J.P. Assim, o Copom precisaria ajustar sua comunicação e talvez apontar para juro "em torno de ou ligeiramente acima de neutro".

Os economistas também esperam que o comitê revele a sua projeção de 2023 com o IPCA ligeiramente abaixo da meta de 3,25%, considerando que o modelo preditivo do BC assume Selic neutra de cerca de 6,5%. “A declaração indicaria que a inflação do próximo ano traz mais peso [para sua decisão] que as projeções para o IPCA de 2023”, afirmam Cassiana Fernandes e Vinicius Moreira que trabalham com a seguinte escala de ajustes na Selic: mais 1 ponto em setembro, seguido de 0,75 ponto em outubro e 0,50 ponto em dezembro, encerrando 2021 a 7,5%. Nesse patamar, a taxa básica estará quase 4 vezes acima de 2% em março, quando o BC iniciou o atual ciclo de alta.

Questão fiscal

O BNP Paribas também projeta Selic de 7,5% ao final deste ano e de 8,5% em 2022. Inicialmente, as previsões eram de 6,5% e 7,5%, respectivamente, informam Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina, e André Digiacomo, estrategista de juros e moedas também para a região. Eles vêem inflação de 7% em 2021 e trabalham com limite de 4% para o ano que vem e reconhecem que, embora a inflação em alta seja em grande parte explicada por choques específicos, o fato é que a inflação está se espraiando por toda a economia.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator, também vê aumento de 1 ponto na Selic nesta quarta, o que, na sua avaliação, torna praticamente inevitável outra alta idêntica em setembro. “A Selic vai a 7,5%, ou mais, a depender de como avance o Centrão sobre o Orçamento de 2022 e sobre as reformas em discussão no Congresso e de como a geada e a seca afetem a inflação. Lima Gonçalves alerta que alguns efeitos da ascensão do Centrão com sinais sobre a política fiscal, assustaram o mercado na semana passada, embora as indicações do Federal Reserve (o BC americano), mantendo os juros e as recompras de títulos, tenham sido bem recebidas.

“O risco fiscal segue em última análise como o determinante último, pois baliza do juro neutro. A melhora na relação Dívida/PIB e no resultado primário atual não é vista como melhora nos fundamentos”, pontua o economista. O cenário-base do Fator é Selic a 7,5% em dezembro.

O departamento de pesquisa macroeconômica do Itaú Unibanco, chefiado pelo ex-diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, revisou a projeção de inflação deste ano, de 6,1% para 6,9%. Para 2022, o IPCA deve chegar a 3,9%, ante 3,7% na leitura anterior. Por tabela, a Selic esperada deve chegar a 7,5% ao final deste ano – taxa que deve se estender em 2022.

Além da alta de 1 ponto na Selic na quarta-feira, o Itaú prevê rodada semelhante em setembro, 0,75 ponto em outubro e 0,50 ponto em dezembro por entender que o risco para inflação continua sendo alto porque duas condições sinalizadas pelo BC para uma “normalização mais rápida” da política monetária e materializaram: a evolução mais acelerada dos preços mais inerciais no setor de serviços; e as expectativas de inflação para 2022 continuam a subir.

Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, passou a projetar Selic de 7% ao final deste ano. E, informa no Relatório Macro da instituição, que alterou a estimativa de inflação também deste ano, de 6,4% para 7,1%. Honorato avalia que a dissipação de choques nos preços e a normalização da política monetária devem trazer a inflação de 2022 para 3,3%, abaixo do centro da meta, de 3,5%. O Bradesco reconhece que parte da inflação mais forte deriva da política econômica – por grande expansão fiscal e monetária, resultado na ampliação da demanda e depreciação cambial –, mas reconhece que o BC vem revertendo essas condições sendo uma das autoridades monetárias mais “tempestivas” entre seus pares em responder à inflação.

Alberto Ramos, chefe da área de pesquisas econômicas do Goldman Sachs, também vê alta de Selic acelerando a 1 ponto, para 5,25% nesta quarta, e espera que o comunicado do Copom e a orientação futura para a política monetária (forward guidance) sinalizem mais aumentos com o objetivo de alcançar a normalização total da política monetária. “Dada a deterioração das perspectivas de inflação, incluindo núcleo e serviços, o comitê poderá reconhecer no comunicado que poderá ter de conduzir a Selic acima do ponto ‘neutro’ para orientar a inflação para o centro da meta em 2022”, avalia.

Diretoria completa

Começa hoje, terça-feira, a reunião do Copom que termina amanhã com o anúncio da próxima Selic e do comunicado dos diretores do BC que compõem o colegiado. Desta vez, o quórum presencial estaria completo não fosse o diretor de Política Monetária, Bruno Serra, ter testado positivo para a Covid-19. Contudo, a diretoria colegiada é plena porque a economista Fernanda Guardado, já está no comando de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos.

Guardado teve sua indicação aprovada pelo Senado em 8 de julho e, na semana passada, 26, foi nomeada pelo presidente Bolsonaro. Desde o dia 27, a nova diretora integra a “Agenda de Autoridades” do BC. A economista – com graduação e mestrado em economia pela PUC-RJ e experiência de 10 anos no mercado financeiro – tem muito chão pela frente. O seu mandato expira em 31 de dezembro de 2023.

Fernanda Guardado substitui Fernanda Nechio que deixou a instituição.

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