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Dividendos: quando o certo pode dar errado

Efeito de tributação de dividendos no curto prazo é de queda das ações; investidor deve ter cautela

Revisão tributária encaminhada ao Congresso pelo governo é positiva, mas modelo pode ampliar a sonegação (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Revisão tributária encaminhada ao Congresso pelo governo é positiva, mas modelo pode ampliar a sonegação (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
AB

Angela Bittencourt

24 de junho de 2021 às 14:52

Despir um santo para vestir outro é a expressão popular mais adequada para explicar a revisão tributária anunciada na sexta-feira pelo governo a quem falta receita e sobra compromisso ou ambição. Enquanto se aguarda a sanção presidencial à medida provisória aprovada na semana passada pelo Senado e que eleva impostos a pagar pelos bancos, a equipe econômica anunciou a tributação de dividendos distribuídos por empresas a acionistas.

O aumento da Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras que passa a valer em julho e a taxação de dividendos – isentos no país desde 1996 – devem beneficiar as pessoas físicas. De que forma? Ampliando a faixa livre de isenção do Imposto de Renda de Pessoa Física e reajustando a tabela desse imposto inalterada há cerca de cinco anos, a despeito da inflação que, em 2021, vai superar em muito a meta de 3,75% fixada pelo Conselho Monetário Nacional.

“Aumentar a tributação dos bancos sempre foi a saída encontrada pelo governo para tapar buraco na receita. Mas a tributação sobre o lucro das instituições sempre foi repassada aos preços de quem vai pagar pelos serviços bancários”, afirma o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCF), ex-secretário de Política Econômica e ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda.

Em entrevista ao EXAME IN, Appy explica que os bancos são afetados pela elevação da alíquota, que passa de 20% a 25% até 31 de dezembro deste ano, voltando a 20% em 2022. “Contudo, como a demanda por serviços bancários é inelástica [cai pouco quando o preço sobe] o imposto maior acaba sendo transferido para o ‘spread’ nas operações de crédito ou para as tarifas. Essa tem sido a experiência brasileira.”

A tributação de dividendos proposta pelo governo ao Congresso, se aprovada, estaria alinhando o Brasil à maioria dos países que taxam o lucro e também a distribuição desse lucro – os dividendos. No Brasil, apenas o lucro é tributado.

Bernard Appy afirma que o modelo brasileiro de tributação de empresas merece ser revisto, e lembra que a tributação corporativa aqui é de 34%, ante 23% na média dos países integrantes da OCDE. Já a tributação sobre os lucros distribuídos (considerando a tributação na empresa e na distribuição), que alcança 41,5% na OCDE, no Brasil fica entre 15%, no caso do lucro distribuído na forma de Juros sobre o Capital Próprio, e 34% sobre o restante do lucro distribuído. A mudança proposta pelo governo (alíquota de 29% na empresa e 20% na distribuição) levaria a alíquota conjunta a 43%, superior, portanto, ao praticado na OCDE.

Efeito macro

O salto da tributação poderia ter um impacto negativo sobre o crescimento da economia brasileira. “É preciso saber detalhes da proposta do governo. Mas, em princípio, o Brasil ficaria menos atrativo para investimentos estrangeiros.”

Appy reconhece que as mudanças propostas podem ter um impacto positivo do ponto de vista distributivo, ao tributar parcela do lucro distribuído que hoje pode ser pouco tributado na empresa, por conta de vários mecanismos legais que viabilizam a redução do imposto recolhido pelas corporações. Em particular, a tributação na distribuição vai alcançar também profissionais liberais de alta renda, que hoje atuam como sócios de empresas do lucro presumido (os PJs). Entretanto, pondera o economista, o modelo proposto pelo governo abre um amplo espaço para sonegação, via registro de despesas pessoais como despesas das empresas.

Para Appy, portanto, a proposta do governo tem alguns aspectos positivos, mas muitos aspectos negativos, como a perda de competitividade do país na atração de investimentos e a abertura de brechas para a sonegação. Para ele, as mudanças no imposto de renda deveriam ser mais elaboradas, de forma a evitar ou minimizar esses efeitos negativos.

O mais preocupante, segundo Appy, é que as mudanças na tributação do lucro estão sendo feitas para aumentar a arrecadação, de modo a compensar o reajuste da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física.

Investidor, tenha calma

O especialista entende que a tabela do IRPF deveria, sim, ser corrigida pela inflação, mas que antes é preciso definir qual é um limite adequado de isenção. Considerando o atual limite de isenção de R$ 1,9 mil, o Brasil tem 30 milhões de declarantes de IRPF e cerca de 19,5 milhões de pagantes, sendo que cerca de 4 milhões desses pagantes são aposentados. “Isso significa que menos de 20% da População Economicamente Ativa no país paga Imposto de Renda. Portanto, cabe questionar se o nível atual da tabela não está adequado”, argumenta o economista, que vê espaço para o Brasil aumentar a tributação sobre renda e lucros, mas considera “populista e eleitoral” o objetivo do governo de ampliar a isenção para pessoas físicas.

Joni Vargas, sócio e CEO da Zahl Investimentos, lembra que discussão sobre reforma tributária não é novidade no Brasil, mas a perspectiva de tributar dividendos de fato ganhou força e foi confirmada como proposta encaminhada ao Congresso.

Especialista em mercado de capitais, Vargas avalia que, se aprovada, a tributação de dividendos em 20%, com  isenção a R$ 240 mil, traz de imediato a diminuição de valores recebidos pelos acionistas e a tendência de realização de lucros com a desvalorização das ações sobretudo das melhores pagadoras de dividendos. “Esse efeito, já confirmado na sexta-feira, porém, é de curtíssimo prazo. Se for confirmada a redução de 5% do Imposto de Renda das empresas, como aventado pelo governo, os recursos deverão ser destinados a investimentos nas próprias empresas. Portanto, o resultado dessas mudanças pode ser positivo no médio e longo prazo. A meu ver, a leitura é mais positiva que negativa”.

Em entrevista ao EXAME IN, Joni Vargas, da Zahl, calcula que a faixa de isenção de R$ 240 mil por ano, acenada pela equipe econômica, atingirá basicamente os grandes investidores e não todo o mercado, uma vez que o saldo médio que um investidor tem a receber na B3 é de cerca de R$ 120 mil ao ano ou R$ 5 mil ao mês.

Inclusive em função desse cálculo feito pela Zhal Investimentos, Vargas recomenda que os investidores sejam cautelosos em suas decisões. Ele lembra que a proposta do governo não atinge os ativos que se tornaram “queridinhos” do mercado: a Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) que seguem isentos de tributação.

Em tom de brincadeira séria, Vargas diz que “se queremos ser sempre igual aos Estados Unidos tem que valer para o que é bom ou aparentemente ruim. O governo Trump reduziu a tributação das empresas, o que gostaríamos que acontecesse aqui. E, lá, os dividendos são tributados, assim como na maior parte do mundo”.

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