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Energia elétrica

Crise hídrica faz preço na bolsa mas (ainda) está fora do PIB

Revisão para baixo de projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2022 ainda não contempla crise hídrica

“Não se deve ser alarmista. Em 2014, várias usinas trabalharam com nível de reservatório abaixo de 10%”, diz Gustavo Arruda, do BNP (Divulgação/Divulgação)
“Não se deve ser alarmista. Em 2014, várias usinas trabalharam com nível de reservatório abaixo de 10%”, diz Gustavo Arruda, do BNP (Divulgação/Divulgação)
AB

Angela Bittencourt

31 de agosto de 2021 às 08:04

O mercado vestiu o mau humor e não há notícia positiva o suficiente para tirar de cena o fantasma da crise hídrica e suas consequências para a economia que está sob o efeito do aumento mais forte da taxa Selic e de toda a estrutura de juros mais longos que compromete os investimentos. Embora presente desde maio, a perspectiva para a crise hídrica piora e por uma incontornável escassez histórica de chuva. Até o momento, a estiagem bate na inflação, pelo acionamento da bandeira vermelha na conta de luz, mas não compromete as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2022. A ameaça, porém, é real e preocupante. E a dobradinha, menos crescimento e mais inflação, não é bem-vinda fora e dentro do governo.

Embora grandes bancos e consultorias tenham reduzido suas estimativas para o PIB do próximo ano a cerca de 1,5%, a Focus sustenta o patamar de 2%. Não se sabe até quando. “Nossa projeção para o PIB é de 1,5% para 2022, mas o dado não considera o impacto da crise hídrica por enquanto. No caso extremo de um racionamento, essa projeção pode ir a zero, mesmo que seja reversível ao longo do tempo”, afirma Gustavo Arruda, diretor de pesquisas para América Latina do BNP Paribas.

Em entrevista ao EXAME IN, Arruda avalia que, por ora, há um grau de incerteza muito grande em relação à crise hídrica. “Mas o desconforto vem aumentando”. O economista relata que o seu departamento vem monitorando o nível dos reservatórios diariamente, a exemplo do que ocorreu em 2014, quando tiveram uma grata surpresa.

“Várias usinas chegaram a trabalhar com nível de reservatório abaixo de 10%, o que nos parecia improvável. Por essa razão, não se deve ser alarmista. O sistema pode ter mais flexibilidade do que se imagina. É fato que a atividade vai ser impactada em 2022, mas não necessariamente por um racionamento de energia e sim pela inflação alta que afeta renda, o consumo e gera incerteza. Falamos sempre do hiato do produto – perspectiva de crescimento que pode pressionar a inflação – associando o conceito ao mercado de trabalho. Mas a produção depende da energia como insumo e, sua falta, também pode afetar o PIB e a inflação”, pondera Gustavo Arruda que prevê IPCA de 7,5% este ano, com risco de chegar a 8%; e 4% para 2022, com risco semelhante. Para Selic, a projeção do BNP é de 8,5% ao final do ciclo de aperto monetário, sendo 7,5% em dezembro esticando a 8,5% no primeiro trimestre de 2022%.

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações, tampouco vê a redução de previsões para o PIB de 2022 como efeito da crise hídrica. Ele atribui os ajustes aos juros, mas ainda espera expansão da economia em 2% ou mais. Em entrevista ao EXAME IN em maio, Mendonça de Barros, que estava no governo e viveu intensamente a crise hídrica na passagem da década de 1990 para 2000, ponderou que a crise atual tem elementos bastante diversos daquele momento, quando o risco de apagão começou a ser discutido praticamente três anos antes de ser confirmado, em 2001. E a atividade não está explodindo. Portanto, entende o ex-ministro, o risco de apagão existe, mas deve ser relativizado.

Em conversa com o EXAME IN nesta segunda-feira, ele reiterou que hoje não existe a divisão de energia. “Soma-se capacidade energética e de fontes diferentes. O sistema é totalmente interligado. Depois do apagão de 2001, a Eletrobras foi autorizada a construir o ‘linhão’ interligando o país, condição que evitou, inclusive, o risco de apagão durante o governo Lula.”

Garfada 

Já o economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Barros, e Gustavo Fabricio, analista-chefe de Energia da RPS, avaliam, em relatório que, além do efeito negativo sobre a inflação, uma realidade, é ainda possível avaliar o impacto potencial da continuidade da atual crise hídrica sobre o PIB. A estimativa é de perda potencial de crescimento econômico de até 2,1% para uma redução compulsória de carga de 15%. Para redução de carga menor, entre 10% e 5%, a perda de crescimento gira entre 1,4% e 0,7% ao ano.

As projeções da RPS apontam, portanto, um substancial custo econômico de uma redução compulsória de carga de energia elétrica, destacando “o papel fundamental do período úmido para que esse cenário de risco não venha a se materializar. Ainda que medidas estejam sendo adotadas para preservar o volume hídrico dos reservatórios, a continuidade do cenário de aguda estiagem e baixa precipitação nos próximos três a quatro meses pode aprofundar o choque de oferta hídrica e desorganizar a economia”, afirmam Barros e Fabricio.

Os especialistas Carolina Carneiro e Rafael Nagano, do Credit Suisse, ponderam que para contornar o problema hídrico e ajudar a recuperar os reservatórios, o governo já aprovou vários procedimentos. Entre eles, maior flexibilidade na utilização de fontes de água, reduzindo o influxo mínimo de água para alguns rios; compra de energia a curto prazo de co-geradoras; concessão de incentivos financeiros para autoprodutores e indústrias que possam reduzir sua demanda e injetar mais energia na rede; aquisição de combustível adicional para as térmicas sem contratos no sistema; maior flexibilidade para utilização do sistema de transmissão que liga o Nordeste ao sistema do Sudeste, além da possibilidade de quase dobrar a importação de energia da Argentina e Uruguai.

Mas o cenário não é fácil, dizem os analistas do Credit. A afluência de água no Brasil, informam, continuou a ter desempenho inferior, perto de 57% da média a longo prazo, com reservatórios atingindo 23% da capacidade na região sudeste em agosto, ante 29% em junho; e 31% para o sistema nacional, comparativamente a 40% na leitura de junho. O Credit estima, porém, que a combinação de novas fontes de energia – térmicas e renováveis –, mais capacidade programada para iniciar em 2022, e incentivos à redução do consumo devido a tarifas mais elevadas podem impedir um racionamento neste ano e no próximo. Contribui com essa visão mais positiva, a perspectiva de afluxo de água passando de 60% a 65% até o final de 2021 para perto de 80% até janeiro de 2022.

Sinal da dedicada atenção do mercado financeiro à crise hídrica no Brasil, os especialistas em Energia do J.P. Morgan – Fernando Abdalla, Henrique Peretti e Milene Carvalho – compartilham as previsões do Operador Nacional do Sistema (ONS) para setembro.

O Operador prevê chuvas de 57% na média de longo prazo no Sudeste e Centro Oeste; 43% na região Nordeste; e 35% na região Sul. A expectativa é de que no Sudeste/Centro Oeste e Nordeste, os reservatórios atinjam, respectivamente, 15,4% e 39,4% até o fim de setembro. A carga de energia poderá aumentar 0,9% ante setembro do ano passado.

O J.P. Morgan também alerta investidores que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) deve anunciar a nova sobretaxa para a bandeira tarifária vermelha de nível 2 válida para setembro. Em agosto, a bandeira, também vermelha e fixada no nível 2, cobrava dos consumidores um extra de R$ 9,49 por MWh. A sobretaxa, informou a agência, deve aumentar para R$ 14 ou R$ 15 por MWh para fazer frente ao elevado custo da geração térmica do sistema elétrico.

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