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As lições da Natura &Co para todo o mercado, de investidores a CEOs

Conselho da companhia avalia integração de Natura e Avon e foco na América Latina - caso mostra desafio ignorado por investidores para fusões e aquisições

Natura &Co: companhia reavalia movimentos de fusões e aquisições
Natura &Co: companhia reavalia movimentos de fusões e aquisições
GV

15 de setembro de 2022 às 12:53

Os desafios que a Natura &Co (NTCO3) enfrenta neste momento, que podem levá-la a abandonar o projeto de plataforma global de marcas de beleza e higiene para um foco em América Latina, deveriam servir de alerta a investidores, fundadores e executivos. Plataforma e ecossistema são duas palavras que ganharam notoriedade no vocabulário executivo, especialmente nos últimos dois anos. Todo mundo quer ser plataforma e ter seu próprio ecossistema. As ideias são sempre brilhantes no papel e têm lógica. Mas é o tal drama das fusões e aquisições: execução são outros 500.

Natura &Co é plataforma de marcas globais. Alpargatas (ALPA4), dona da Havaianas, está se posicionando como plataforma de marcas globais de calçados confortáveis, após a venda de diversos ativos e compra da Rothy’s. Arezzo &Co (ARZZ3) e Grupo Soma (SOMA3) são plataformas de marcas de moda. Magazine Luiza (MGLU3) é super app e plataforma de plataformas, com Magalu, Zattini, Netshoes e Kabum. Grupo SBF (SBFG3) é plataforma de marcas esportivas, com Centauro e Fisia (Nike do Brasil), e ecossistema, com as investidas X3M, NWB, FitDance e OneFan. A lista de projetos em desenvolvimento é longa.

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Até fabricantes de carros já quiseram ser plataforma: quem não se lembra da Autolatina e projeto Volkwagen e Ford? Para não falar em BRF (BRFS3), que foi a junção até agora não bem sucedida das duas maiores marcas de alimentos do país, Sadia e Perdigão — mas nunca se intitulou plataforma. Essa lista, de insucessos do passado, também é relevante.

Os exemplos citados não têm, necessariamente, relação com os desafios da Natura &Co. E vários dão sinais de estarem no caminho certo. Mesmo as questões que Natura &Co enfrenta, não devem ser encaradas como insucesso. São ajustes. Mas o custo de mudanças de rota pode ser grande. O ponto em comum é o senso geral dos projetos. O que a marca brasileira de cosméticos, bem-estar e beleza mais querida e admirada — e inclusive valiosa — por seus valores pode levar a concluir é que aquisições nem sempre dão certo. Mesmo! Seja por dificuldade de união de culturas ou por falta mesmo de sinergias.

Quando o conselheiro de administração da brMalls Mauro Cunha votou contra a combinação de negócios com a Aliansce, aliás, fez esse alerta em sua manifestação em separado: “de acordo com Christensen et al. (Harvard Business Review, 2011), entre 70% e 90% das fusões e aquisições redundam em fracasso. Planos excelentes numa planilha muitas vezes não se realizam por diversas razões, incluindo cultura, pessoas e integração.”

Portanto, essa conclusão não é nova, mas é constantemente ignorada. Na verdade, a raridade, já estudada, é elas darem certo. Dar certo significa uma consolidação eficiente de um mercado pulverizado, redução da concorrência. E mais do que isso. Na prática, a ideia é sempre que um mais um seja maior que dois, em especial nas linhas de resultado abaixo da receita — na lucratividade.

É preciso que façam sentido para além da soma pura. Encontrar sinergias de produção, distribuição e tecnologias é algo bem menos trivial do que parece. No caso da Natura &Co, o que se viu é que os desafios parecem ser maiores que as vantagens. E, o que ficou de saldo é que, o desejo e o projeto de plataforma podem ter distraído a companhia de cuidar de seu maior ativo: a marca Natura. Os valores da companhia não se perderam, isso é fato. Mas quando as aquisições agregam apenas tamanho e complexidade, o saldo pode ser negativo.

A sanha das empresas em ser plataformas têm um motor claro: a pressão do mercado por crescimento. É fácil ver, pela destruição (ou correção, dependendo do ponto de vista) de valor que houve recentemente nas bolsas, de trilhões de dólares, o tamanho dessa força. A queda no valor dos negócios atual é resultado do aumento do custo de capital, ou seja, da taxa de desconto aplicada à avaliação das empresas. Mas o ajuste foi tão forte que ficou evidente que o projeto de lucro de muitos negócios estava em um futuro tão distante que era difícil saber quando chegaria.

Os investidores fornecem capital às companhias: a principal vantagem de uma empresa acessar mercado de capitais, via bolsa ou emissões de títulos de dívida. Mas querem ver o retorno rápido. Cabe aos gestores do projeto cuidar do emprego dos recursos. Caso da aquisição da Hering pelo Grupo Soma aqui é emblemático: os investidores queriam medir se a transação havia sido um sucesso três meses após a integração efetiva da companhia centária, que ocorreu apenas em setembro do ano passado.

Pressa e pressão são palavras parecidas. Não por acaso. Ambas têm origem no Latim “pressus”, de apertar, comprimir. Com o passar dos anos, e claramente acelerado pelo advento da tecnologia, os investidores começaram a privilegiar os ganhos advindos da valorização em bolsa das empresas do que a distribuição de seus lucros, ou seja, dos dividendos. Motivo óbvio: é mais rápido.

Companhias rentáveis, mas sem crescimento forte, que avança em seus ritmos, ficaram fora de moda. Os investidores justificam o valor da expansão na crença de lucro futuro maior. Mas a verdade é que, na maioria das vezes, os acionistas de mercado querem surfar apenas a antecipação da expectativa desse lucro. E não o lucro mesmo. Realizam no presente os ganhos futuros antevistos e vão embora. No caso da Natura &Co mesmo: a companhia chegou a valer cerca de R$ 80 bilhões na B3. Agora, está suado sair dos R$ 20 bilhões.

Quem saiu no pico poderia dizer que o projeto já deu certo. Mas e para a perenidade da empresa, para o valor da marca Natura, será que deu? Essa resposta está em revisão dentro da própria companhia. A parcimônia das decisões tem que ser válida para fazer aquisições e para desfazer também. O mercado que espere: as empresas são mais importantes. É nelas que economia real acontece. E isso exige muito mais tempo do que investidores costumam empregar para decidir comprar ou vender uma ação.

 

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