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Alfredo Setubal, da Itaúsa: somos sócios do crescimento, não do juro alto

Na segunda parte da entrevista ao EXAME IN, Setubal fala como o país precisa de boas políticas públicas para voltar a crescer

Alfredo Setubal: competição com fintechs é positiva, pois desafia grandes bancos a melhorarem (Itaúsa/Divulgação)
Alfredo Setubal: competição com fintechs é positiva, pois desafia grandes bancos a melhorarem (Itaúsa/Divulgação)
GV

Graziella Valenti

17 de agosto de 2022 às 16:39

Alfredo Setubal está preocupado com o Brasil. Quase pessimista. O quase é porque os movimentos da Itaúsa, holding de investimentos que preside, vão na direção contrária: de quem acredita que é possível melhorar. Apesar de ter assistido o gap da desigualdade crescer, o grupo escolheu a dedo os setores para investir e os eleitos foram justamente aqueles com potencial de trazer avanços reais ao país. "Nosso olhar de país, é voltado para o longo prazo", enfatiza ele, em entrevista ao EXAME IN.

A Itaúsa investiu cerca de R$ 10 bilhões em um processo de diversificação de ativos, desde que o Banco Central afirmou que o Itaú não tinha mais espaço para crescer via consolidação de bancos menores. Ou seja, nos últimos seis anos. Na carteira de ativos, com exceção de Dexco — a antiga Duratex, que está há 70 anos dentro do portfólio — e da Alpargatas, a holding colocou muita infraestrutura: saneamento, energia e mobilidade, com NTS, Copa Energia, Aegea e recentemente CCR. Todos setores em que o Brasil tem grande defasagem e, por isso mesmo, muitas oportunidades de expansão.

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Mas a aposta da Itaúsa no Brasil não vem apenas desse movimento de diversificação, vem também da própria decisão de promover uma forte expansão orgânica no Itaú, com ampliação da carteira de crédito. A holding é co-controladora da instituição, junto com a família Moreira Salles, e os sócios têm as rédeas da estratégia.

Desde o fim de 2019, a carteira de crédito do banco no Brasil deu um salto de 60%, de R$ 540 bilhões para R$ 876 bilhões. E dentro desse volume, a exposição a pequenas e médias empresas avançou ainda mais. A alta nesse segmento foi de 80%, terminando junho em R$ 162 bilhões. As linhas para pessoas físicas também cresceram substancialmente, nas mais diversas modalidades, do crédito pessoal, passando pelo consignado até o imobiliário.

A preocupação que Setubal tem é com o fato de o Brasil estar estagnado e não apresentar uma expansão real em muitas décadas. Na opinião de quem é dono da maior instituição financeira do país e fez investimentos bilionários em infraestrutura, é preciso acabar com a “lenda” de que os bancos gostam de juros altos. Crescimento é o que eles querem, explica Setubal. Essa lógica, segundo ele, só era verdadeira no tempo em que a carteira de investimento em títulos de dívida do governo era maior do que a carteira de crédito. Agora, o racional se inverteu e as instituições financeiras são “sócias do crescimento”.

O EXAME IN publica hoje a segunda parte da entrevista com o empreendedor e executivo. Leia a seguir a entrevista, que fala sobre o futuro do setor financeiro, do crédito e do Brasil.

 

A Itaúsa investiu muito no setor não financeiro, mas o banco também está crescendo, o setor está mais competitivo. Como o senhor vê o movimento no setor bancário entre fintechs e bancos?

Alfredo Setubal: Lembro bem quando o Ayrton Senna morreu e o Alain Prost disse que ‘morreu uma parte da minha vida’. E o Itaú e o Bradesco, um depende do outro, ainda. Então é bom ter outros desafiadores, é bom ter um Nubank, uma XP, um Neon, Inter, porque nos desafia. Senão fica o Itaú e o Bradesco – a velha guarda – brigando. Vejo bem, obriga o Itaú e o Bradesco a melhorarem, puxa a disputa. Acho bom. Os bancos vão perder um pouco de margem e de mercado, mas por outro lado forçam mais eficiência, melhorarem tecnologia, inovação. Tem o lado positivo. Não vemos muito problema. O que nos incomoda, mas o Banco Central tem, aos poucos, corrigido, é que eles davam muita vantagem regulatória para essas instituições e tínhamos que cumprir um monte de regulação de capital e esses novos players não tinham.

O senhor acha que o Banco Central exagerou na dose nesse ciclo de alta da Selic ?

Setubal: Acho que ele exagerou na dose quando levou o juro para 2%. Acho que nunca fez sentido aquilo. Agora não. Ele corrigiu o erro rápido. Mas o erro foi na descida, não na subida. Se eu perguntasse há três anos que a inflação nos EUA estaria em 9% em 2022, quanto acharia que ia estar no Brasil? Ia falar 20%. O Brasil está com 10,5%. Alguma coisa certa a gente fez. Mas é difícil, vamos ter que remar muito para corrigir tudo isso.

Por causa do movimento das fintechs, muitos acreditam que o cenário de crédito vai mudar no Brasil. O senhor acredita que isso possa acontecer no médio longo prazo?

Setubal: Acho que sim. Mas o setor financeiro será sempre muito regulado – sempre – porque se trata de poupança de terceiros. Tem que ter regras prudenciais muito fortes. Não acredito que isso vá mudar. O que pode acontecer é ter mais ofertas por outras fintechs e novos bancos, com alternativas de crédito que vão sendo criadas. E também pelas próprias empresas dando crédito direto. Várias coisas devem acontecer para que aumente a oferta de crédito no Brasil, mas vai ser sempre regulado. Não tem como não ser. O banco trabalha com capital de terceiros. O passivo do banco é enorme, com muitos depositantes.

Esse aumento de juros preocupa, do ponto de vista dessa expansão do crédito?

Setubal: Preocupação tem, mas ainda está estável. Pelos números que os bancos divulgaram ainda está ok – surpreendentemente. Porque no fundo temos uma economia informal muito grande. É o que faz com que os índices de inadimplência não tenham subido tanto. A economia informal brasileira é muito grande. Agora, de forma geral, o crédito vai crescer. É bom que cresça e tenha mais gente. O Itaú está aumentando a carteira de crédito, mas não tem excesso de capital para dar crédito. É bom que tenha outros players para complementar. Só Itaú, Bradesco e Santander não são suficientes pelas regras atuais. Vai precisar de mais capital para poder crescer a oferta de crédito no Brasil. Os bancos e fintechs vão precisar de mais dinheiro. Aquela história que o banco vive de juro alto é lenda.

É lenda?

Setubal: É lenda! O banco não quer juro alto. Juro alto com crescimento baixo é inadimplência, é perda. Não é lucro, é prejuízo. Hoje os bancos são muito mais sócios do crescimento e juro baixo pelo tamanho da carteira. Antigamente os bancos gostavam da inflação e do juro alto porque a carteira era pequena. Ninguém tomava crédito quando a inflação estava em 10% ao mês. A carteira de crédito era deste tamanhinho e a carteira de título desse tamanhão. Então, se ganho muito com os títulos e perco pouco com a carteira, está ótimo. Agora inverteu, pela exposição. Então, ganho um pouquinho aqui [com títulos do governo] e perco um monte aqui [no crédito]. Para os bancos, é melhor cair os juros. Inverteu a lógica. Esse negócio de juro alto no Brasil acabou, ninguém mais gosta – nem os bancos. Juro alto com crescimento baixo é uma desgraça. Juro alto com crescimento alto também não é bom.

Mas, de forma geral, então, o senhor não vê o aumento da competição no setor financeiro como algo ruim?

Setubal: O que é ruim mesmo no Brasil é o baixo crescimento da economia nos últimos 40 anos. Isso que é ruim, não a competição. A competição é bem-vinda, desde que seja leal e com regras minimamente competitivas. O problema é que o Brasil não cresce. Se crescesse, seria outra coisa. O crescimento estrutural brasileiro é muito baixo. Se o Brasil crescesse 4%, 5% ao ano, tinha mercado para todo mundo. Não precisa crescer como a China.

O que falta para o Brasil crescer?

Setubal: Perdemos um pouco do bonde da história. É difícil recuperar agora. Ficamos muito para trás.

Para trás do que exatamente?

Setubal: Para trás do crescimento e das consequências que o crescimento traz para educação, saúde, tecnologia e inovação. O crescimento sozinho é bom, mas o melhor é o que vem junto, como a diminuição da desigualdade –  e nós perdemos esse trem. Nos últimos 40% a economia americana cresceu 15% a mais que a brasileira – daquele tamanho. É uma vergonha. Aí tem várias razões: inflação, fiscal, política. Tem dezenas de razão que nos levam a um crescimento estruturalmente baixo, dívida, juros reais sempre altos. São vários fatores.

Mas muitos estão otimistas, entendem que o país está mais empreendedor. O senhor também vê dessa forma?

Setubal: Concordo, acho que o Brasil tem se tornado cada vez mais empreendedor – até pela falta de crescimento e de perspectivas de bons empregos. Não só nas classes mais altas, mas nas comunidades carentes está cheio de gente empreendendo, porque a perspectiva de crescimento formal é muito baixa. Então, o empreendedorismo cresce pelas razões erradas. Mas é bom, mesmo assim. Agora, se isso vai ser capaz de virar o jogo, já tenho minhas dúvidas.

Na sua visão, tem como corrigir a rota do país, para esse crescimento reduzir a desigualdade?

Setubal: É difícil tirar o gap em relação às grandes economias. Para tirar o gap, mesmo em relação a outros países emergentes, tem que crescer muito. Acho muito difícil porque os outros também crescem. É aquela história do leão. Não preciso correr mais que o leão, preciso correr mais que você, o leão que te pegue. Agora ficou muito difícil. Precisaríamos ter um crescimento chinês para tirar essa diferença. Não vejo isso acontecendo. Se a gente cresce 5%, mas os outros crescem 4%, tira 1% ao ano.

A Itaúsa fez e está fazendo investimento em infraestrutura, que vão gerar e, ao mesmo tempo, demandar expansão econômica. O Senhor acredita que a iniciativa privada pode resolver o Brasil?

Setubal: Acredito em boas políticas públicas. É preciso tiver boas políticas públicas de educação, de saúde, de política industrial. Achar que a iniciativa privada per si vai resolver o problema, não acredito. Sou liberal total, mas não acredito que o mercado resolva tudo num país como o Brasil. Nos Estados Unidos precisa menos dessa ingerência ou direcionamento, mas num país como o Brasil não acredito.

Então o gap do Brasil frente a outros países deve ficar cada vez maior?

Setubal: Vai depender como o mundo vai crescer. Mas se a gente ficar nesse crescimento estruturalmente baixo de 2%, 2,5%, vai aumentar o gap. O mundo vai crescer mais.

E vai aumentar a desigualdade interna?

Setubal: Por consequência. Não tem jeito.

O que ajudaria no gap da desigualdade?

Setubal: Crescer.

Só crescer?

Setubal: Gerar riqueza. Quando gera riqueza, gera educação, que gera gente melhor, que gera trabalhos mais qualificados. Sem crescer, a gente cai no assistencialismo. Não sou contra o assistencialismo. Acho que está certo o Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Mas isso é paliativo a um baixo crescimento. Se crescesse não precisava disso. Mas como sai desse imbróglio eu não sei, ninguém sabe para falar a verdade. Ninguém tem uma fórmula mágica para resolver isso. Eu não sei.

Mas tem alguma frente que o sr. atacaria primeiro? Por exemplo, ficamos com a indústria defasada. Dá tempo de falar em política industrial ou está muito demodê?

Não acho que está demodê. Acho que a indústria no mundo Ocidental vai passar a ter uma importância maior do que tem hoje. Vai ter poucos novos investimentos das empresas ocidentais na Ásia, principalmente na China. Por causa da dependência chinesa, problemas geopolíticos, guerra e tal. Os outros novos investimentos devem ser muito mais fora da China. Vão para Europa, eventualmente para o Brasil ou para o México. Acho que vai haver uma realocação de fluxos de investimentos para outros países. Essa dependência da China está se mostrando maléfica. Isso tem consequências. Só que partir do momento que investe aqui ou na Europa, a inflação vai aumentar. Mas acredito que o mundo ocidental vai se reindustrializar ao longo das próximas décadas. Aliás, não tenho dúvida disso. Só que para aproveitar isso, o Brasil cai naquele problema de educação, mão-de-obra não qualificada, impostos, custo Brasil. Precisa muita coisa para reengatar a rota de crescimento.

Em relação a outros momentos, o senhor diria que está mais ou menos pessimista?

Se olhar a longo prazo, se não sair para um nível de crescimento bem superior, esses gaps vão aumentar. Esse é um lado mais pessimista. A desigualdade deve continuar. Por outro lado, tem o mercado interno, que cresce 2% — o que não é brilhante, mas cresce. Com essa taxa, é possível com taxas de retorno boas. Mas meu neto tem 2 anos e meio e ele ainda não vai viver num país maravilhoso. Mesmo assim, acho o Brasil vai conseguir retomar o rumo do crescimento.

 

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