ESG

Mariana Mazzucato: bancos públicos podem ajudar o Brasil a evitar a inércia nas concessões

Professora da College University, uma das economistas mais influentes do mundo, fala à EXAME sobre água, BNDES e as diversas formas de fazer capitalismo

Mariana Mazzucato, professora da College University London: "Todos os ODS têm ligação com a água, não apenas os óbvios" (ONU/Divulgação)

Mariana Mazzucato, professora da College University London: "Todos os ODS têm ligação com a água, não apenas os óbvios" (ONU/Divulgação)

Rodrigo Caetano
Rodrigo Caetano

Editor ESG

Publicado em 23 de março de 2023 às 10h55.

“Há diversas maneiras de fazer capitalismo”. A frase, jogada despretensiosamente como se fosse óbvia, inicia uma linha de pensamento que conecta as estruturas de financiamento de projetos público-privados a estupros em Serra Leoa. Dita por Mariana Mazzucato, uma das economistas mais influentes do mundo, também resume o trabalho de ativistas e pensadores que buscam usar as finanças para resolver os grandes problemas da humanidade, como a endêmica falta d’água, realidade vivida por 2 bilhões de pessoas globalmente, segundo a ONU.

Mazzucato, professora da College University em Londres, está sentada ao lado de dois homens de terno. À sua esquerda, de gravata, está Tharman Shanmugaratnam, membro do parlamento de Cingapura, que já serviu como vice-primeiro-ministro e atualmente é conselheiro econômico do governo; à esquerda, sem gravata, Johan Rockström, professor da Universidade de Potsdam (que já deu as caras por aqui). Os três participam de uma conferência de imprensa na sede da ONU, em Nova York, durante a Water Conference 2023, aguardado fórum sobre águas, uma doa maiores desafios da humanidade, que não acontecia dede 1977. Ela ouve atentamente a pergunta da EXAME.

A dúvida se referia a números divulgados pela ONU na manhã desta quarta-feira, 22. Os dados mostram que o acesso precário à água, condição que afeta 26% da população global, tem dois grandes motivadores: o aumento da demanda em função do desenvolvimento econômico, estimado em 1% ao ano; e a poluição, resultado direto da pobreza. Ao mesmo tempo, entre 2015 e 2018, foi verificado um incremento de 9% em eficiência no uso da água, puxado, principalmente, pela indústria, que melhorou o indicador em 15%.

Diante dos fatos, não seria o caso de focar o debate na redução da pobreza e da desigualdade, e destravar os mecanismos de transferência de recursos dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento? Ao que parece, a humanidade sabe como gerenciar o recurso, a dificuldade está em democratizar o bem-estar e a qualidade de vida.

“Todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável têm ligação com a água, não apenas os óbvios”, afirmou Mazzucato. “Eles estão conectados. Inclusive o ODS 5, que trata da equidade de gênero”. Como exemplo, ela cita uma realidade enfrentada por mulheres em Serra Leoa, na África, que precisam deixar a segurança de suas casas para buscar água, às vezes por longas distâncias, e no caminho são estupradas.

O financiamento da guerra como modelo para questões sociais

O termo “economia real” ganhou força recentemente, muito em função do momento turbulento na geopolítica, com a guerra na Europa e a pandemia. Ele é usado para resumir o motivo pelo qual políticas macroeconômicas, frequentemente, dão pouco resultado “na ponta”, ou seja, não mudam em nada a vida do ser humano comum, que é quem lida com as consequências práticas dos apertos de juros e das escaladas inflacionárias. Dar nome ao boi, no entanto, não faz dele um economista.

Para Mazzucato, a questão é como aplicar os recursos financeiros na solução do problema, o que pode parecer óbvio, mas, assim como há diversas maneiras de fazer capitalismo, há diversas maneiras de financiar a infraestrutura social de um país. Um cenário ruim é o que ela chama de preguiça e inércia no espaço público-privado, resultado de subsídios problemáticos e garantias mal definidas.

Uma solução para isso é tratar o desafio de resolver problemas sociais como se faz com a guerra. Em períodos de conflito, diz Mazzucato, recursos financeiros são alocados com a velocidade e o volume adequados para superar o inimigo – e geralmente, no caso dos perdedores, ultrapassam a capacidade de gastos da nação. Por que não fazer isso, em menor escala, para situações como crises de violência nas cidades e a falta de saneamento?

“O Brasil tem um exemplo de ‘outcome oriented budgeting’, em Porto Alegre”, diz ela, em referência ao modelo de orçamento focado em resultados, que foi utilizado pela capital gaúcha. Nesse modelo, os gastos e investimentos são organizados em torno de um problema específico, e não em setores generalistas, e a liberação dos recursos depende dos resultados alcançados. “A solução, como Shanmugaratnam vinha dizendo, é transformar o financiamento por concessão em financiamento por condição, em que o investimento na transformação dos setores é uma condição para as parcerias público-privadas.”

Como os bancos públicos podem beneficiar o Brasil

Antes de Mazzucato, Shanmugaratnam já havia ressaltado que o Brasil, com todos os seus problemas, também oferece soluções e serve de modelo. Entre elas, está a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Bancos públicos, se bem utilizados, ajudam a evitar a preguiça e a inércia que acomete, frequentemente, o espaço público-privado. “Um país pode se beneficiar de um banco público eficiente”, diz Mazzucato.

Faltava apenas uma parte da pergunta a ser respondida: a melhora da eficiência no uso da água pode evitar que o planeta entre em crise pela falta desse bem tão valioso? “Nossos dados são claros ao mostrar que a eficiência, sozinha, não resolve”, disse Johan Rockström. Ao que parece, a humanidade, e o capitalismo, não vão se salvar sem aprender a compartilhar os bônus do crescimento econômico.

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