ESG

Complexidade da infraestrutura moderna impõe novo perfil de engenheiro

Formação de engenheiros aptos a enfrentar a complexidade dos projetos de energias renováveis é um desafio que país precisa enfrentar, escreve Arthur Sousa, sócio-diretor da Servtec Energia

Parque eólico na Bahia: Brasil receberá centenas de bilhões de dólares em investimentos no setor de energia nos próximos anos (Enel/Divulgação)

Parque eólico na Bahia: Brasil receberá centenas de bilhões de dólares em investimentos no setor de energia nos próximos anos (Enel/Divulgação)

Arthur Sousa
Arthur Sousa

Opinião

Publicado em 23 de março de 2024 às 09h01.

Última atualização em 23 de março de 2024 às 13h35.

São extraordinários os indicadores que mostram a expansão das energias renováveis no Brasil. Tal movimento consolida o papel da economia brasileira como um dos líderes globais para os temas da transição energética e da descarbonização da economia, missões centrais na construção de um modelo econômico sustentável. Entretanto, a continuidade dos investimentos em geração de energia limpa ou mesmo na produção de biocombustíveis carece de um elemento essencial: aprimorar a formação dos engenheiros. E neste quesito há um descompasso que pode afetar os projetos.

Eis o contexto. As vantagens competitivas iniciais de um produto novo, inexistente há bem pouco, – como exemplo a geração de energia elétrica de fontes eólica e solar – tendem a se esvair ao longo do tempo. Paulatinamente a geração de fontes renováveis vai tornando-se commodities. É quando os projetos começam a buscar a eficiência na produção da energia, bem como a produtividade. É o que ocorre nesse momento. A competição exige maior eficiência operacional dos projetos. Razão pela qual é fundamental a formação de profissionais capazes de compreender o modelo de negócio, seus impactos ao meio ambiente e à sociedade, e a necessidade das novas tecnologias das energias renováveis. É a carência que o setor identifica, com a atual base instalada.

Para haver oferta de profissionais em abundância é preciso uma agenda de investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI), mas há defasagens neste campo, como mostram os dados do Inova-e, painel criado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e que acompanha os investimentos em inovação no setor de energia.

O segundo é a formação propriamente nos cursos de engenharia. A questão deixou de ser, em certa medida, o acesso aos cursos de engenharia, mas a necessidade de viabilizar uma formação aderente à nova atualidade. É fundamental que os estudos incorporem as novas competências e habilidades para o exercício profissional da engenharia.

A formação clássica nos cursos de engenharia, presente ainda na maioria das faculdades, precisa avançar. A implantação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), cuja implantação começou em 2021, precisa ganhar escala e aderência com o novo formato estabelecido pelo Conselho Nacional de Educação. A visão holística dos projetos, a compreensão não só multidisciplinar – mas sobretudo interdisciplinar – aplicadas a projetos reais, a capacidade de pensar soluções complexas para desafios complexos em qualquer empreendimento são questões que começam a aparecer na grade curricular dos cursos de engenharia mais atuais conforme estabelece as novas diretrizes.

E neste particular é fundamental criar as condições para que o estudante de engenharia experimente em sua formação a realidade de projetos concretos, que estão sendo implantados de fato e que necessitem de soluções para sua viabilização. No estágio atual, não convém manter e adotar um método de ensino em que a aplicação dos conceitos teóricos não esteja conectada à realidade. Isso deve ocorrer tanto no ensino técnico, como cálculo, até nas disciplinas derivadas das ciências humanas, que serão fundamentais para preparar profissionais de engenharia para lidar com a realidade social. O diálogo social se tornou fundamental em qualquer projeto de infraestrutura e esse detalhe pode representar a diferença entre a implantação e a desistência de um empreendimento.

"Há urgência para essa pauta. Projetos surgiram em todas as regiões do país e o setor tem encontrado dificuldades em encontrar engenheiros preparados para dar conta de uma realidade complexa do ponto de vista social e econômico"

Os compromissos corporativos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), metas criadas pela ONU, são hoje incorporados a todos projetos. Mais: mensurações de cumprimento de cada um dos 17 ODSs geram indicadores que estão sendo observados pelos financiadores. Essas metas calibram os riscos do empreendimento e ajudam a definir o custo de capital do empreendedor.

Compreender a realidade social, ambiental e de governança corporativa, tudo isso assentado em uma formação técnica sólida. Mas apenas isso não será suficiente se a rotina da formação estiver dissociada do mundo real e dos projetos reais. Neste sentido a academia precisa se aproximar das empresas e vice-versa. Sem isso, seguiremos tendo uma formação teórica apartada da realidade, dos modelos de negócio que são usados e aplicados no setor das energias limpas e da produção de combustíveis renováveis.

Há demanda por esses profissionais, gerada pelos investimentos maciços dos últimos anos. O setor está em uma fase de acomodação, ajustando-se ao atual patamar de expansão a que chegou. É hora de aprimorarmos essa formação para que não tenhamos novamente no Brasil, como já vimos no passado, o risco de um novo apagão de engenheiros e engenheiras, no momento em que o setor de infraestrutura, como previsto, parece que promete decolar.

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