Economia

Por que o PIB do Brasil cresceu 2,9% em 2023? Entenda em 4 pontos

Economistas ouvidos pela EXAME detalham os fatores que favoreceram o crescimento acima do previsto pelo mercado, além de fazer estimativas sobre os fatores que podem ser diferenciais para o resultado de 2024

PIB: economia brasileira avançou 2,9% (Lucas Ninno/Getty Images)

PIB: economia brasileira avançou 2,9% (Lucas Ninno/Getty Images)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 1 de março de 2024 às 15h50.

Última atualização em 1 de março de 2024 às 18h00.

resultado do PIB do Brasil em 2023 cresceu 2,9% em comparação com 2022. A atividade econômica surpreendeu analistas e economistas no decorrer do ano passado, e avançou mais do que o mercado estimava de crescimento anual no início de 2023.

Os dados foram puxados principalmente pelo agronegócio, que bateu recorde no período. A atividade econômica no último ano foi considerada bastante desigual, concentrada no primeiro semestre e com forte queda de investimentos ao longo dos trimestres.

Economistas ouvidos pela EXAME detalham os fatores que favoreceram o crescimento acima do previsto pelo mercado, além de fazer estimativas sobre os fatores que podem ser diferencias para o resultado de 2024.

1. Recorde no agro puxa resultado do PIB

A agropecuária cresceu 15,1% em 2023, influenciando o desempenho do PIB do Brasil. Esse crescimento recorde, após queda de 1,1% em 2022, se explica pelo aumento na produção de milho e soja, duas das mais importantes lavouras do Brasil, segundo o IBGE.

O setor, responsável por um quatro do PIB, teve uma forte alta no primeiro trimestre, de mais de 20%, que surpreendeu diversos analisas. Os economistas apontam que o agro brasileiro foi beneficiado por condições favoráveis no clima, nos preços de commodities em patamar elevado e na diminuição no custo de fertilizantes no começo do ano.

"O desempenho econômico do país foi caracterizado por dois semestres distintos: a primeira metade do ano se destacou por uma safra excepcional de grãos, impulsionando significativamente a agropecuária. Com recordes na produção de soja e milho, o setor agrícola experimentou um robusto crescimento de 15,1%, demonstrando o papel vital da agricultura na sustentação da economia nacional", diz Hugo Garbe, professor doutor de Ciências Econômicas do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

O economista Bruno Imaizumi, da LCA consultoria, destaca também como os bons números do agro transbordaram para outros setores da economia. "Teve impacto na indústria, em processamento de matérias primas, no setor de transporte, com transporte de cargas. Resultou em um efeito maior para além apenas da agropecuária", diz.

Com o recuo de 5,3% do quatro trimestre e a safra 2023/2024 sendo influenciada pela fase mais quente do El Niño, é esperado que o agro não tenha as mesmas condições favoráveis neste ano.

"Esse ano devemos ter um efeito menor do agro em termos de expansão na economia. Por conta disso, teremos um cenário que dependeremos de outras questões para o crescimento acontecer", afirma Sergio Vale, economista da MB associados.

2. Indústria extrativa avança, com destaque para minério e petróleo

Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, o crescimento de 8,7% na indústria extrativa foi "exuberante" e reforma o papel do Brasil como um grande produtor de commodities.

"O minério de ferro e o petróleo foram o grande destaque do segmento. O Brasil é o segundo maior produtor de minério de ferro do mundo e o sétimo maior de petróleo. Estamos caminhando para produzir 4 milhões de barris por dia, em um mesmo nível de produção do irã. O Brasil caminha para se tornar top five, em uma transformação produtiva incrível", diz o economista.

Gala destacou ainda que a alta puxada pelo agro e commodities de mineração e petróleo são a grande boa notícia do resultado revelado nesta sexta, e coloca o Brasil em uma rota de crescimento "bastante interessante".

"É o segundo ano que o Brasil cresce quase 3%. Fazia muito tempo que isso não acontecia, desde 2010 e 2011. Como dizia a minha avó portuguesa, em casa que falta o pão, todo mundo briga e ninguém tem razão. E no Brasil, está aparecendo mais pão, isso melhora a situação do governo, arrecadação, salário, lucros etc. É uma ótima notícia na perspectiva geral", diz.

3. Resiliência do setor de serviços no segundo semestre

O setor de serviços, que representa 70% do PIB, avançou 2,4% em 2023. Apesar de o dado ser menor em comparação com 2022, quando a alta foi de 4,3%, os dados do setor no segundo semestre mostram uma resiliência, que resultou no desempenho anual positivo do PIB brasileiro.

"A resiliência desse setor foi crucial para balancear os efeitos da desaceleração gradual da economia, influenciada pelo patamar elevado da taxa básica de juros. Apesar desses desafios, o setor de serviços conseguiu registrar um crescimento no ano", diz Garbe, da Mackenzie.

Essa resiliência se explica, segundo Imaizumi, da LCA consultoria, pelo retorno das empresas para regimes híbridos e presenciais de trabalho, que gerou mais renda e postos de trabalho. "Isso fez com que muitas vagas fossem geradas, em atividades que não exigem muitas qualificações, mas deram mais renda para as pessoas", explica Imaizumi.

O economista da LCA destaca que o resultado foi um comércio mais aquecido e o crescimento da contratação de serviços de apoio à escritórios e edifícios, serviços de limpeza, segurança e portaria. "Tudo isso foi impulsionado pela volta das empresas após anos de pandemia com as empresas mantendo os funcionários em casa", diz.

Hoje, o Brasil tem uma taxa de desemprego de 7,6%, com mais de 100 milhões de pessoas empregadas, e aumento recorrente do rendimento médio real e da massa de rendimento, que chegou a R$ 305,1 bilhões em janeiro, novo recorde da série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012.

Ainda nessa mesma ótica, o consumo das famílias avançou 3,1% no ano, beneficiado por estímulos fiscais importantes, como o reajuste real do salário-mínimo e a fixação do valor do programa Bolsa Família em R$ 600. Esse dado, ao lado do mercado de trabalho aquecido, construiu o cenário para manter o poder de compra da população.

Os gastos do governo, desembolsos do BNDES, que aumentaram em 2023, retomada de obras públicas que estavam paralisadas no governo anterior, e aumento de vagas na administram pública também são citadas como medidas que favoreceram para o resultado em 2023.

4. Fiscal e taxa de juros como desafios para o PIB de 2024

Mesmo com o resultado estável do quatro trimestre, com viés de desaceleração da atividade econômica, Sergio Vale manteve a sua estimativa de um crescimento de 2% em 2024, com desemprego em baixa e queda da taxa de juros e da inadimplência. O economista da MB Associados salienta que um crescimento maior depende de questões estruturais.

"Crescer acima de 2%, como foi em 2022 e 2023, fica difícil porque não temos condições estruturais para isso. É necessário que o fiscal se ajuste com mais intensidade para esse cenário se viabilizar. Como aconteceu nos governos Lula 1 e 2, que o crescimento ocorreu porque o governo teve uma responsabilidade macroeconômica bastante importante naquele momento. Falta isso para entrarmos em uma expectativa mais positiva", diz Vale.

O economista destaca ainda a necessidade de observar as reformas microeconômicas para o Brasil crescer a longo prazo. "Têm as reformas microeconômicas que ainda precisam acontecer, como a para baixar o spread bancário que o governo lançou no ano passado e está trazendo novas medidas esse ano. A reforma tributária avançou, mas precisa ser concluída até o final de 2024", conclui.

Já Gala diz que outro fator que será um desafio do Brasil para este ano será a retomada de investimento, que chegou na mínima em quase 20 anos. A solução para esse cenário, segundo ele, seria a queda da taxa de juros

"A Formação Bruta de Capital foi para 16% do PIB em 2023, o que é muito baixo. Esse número já foi 22% a 23% entre 2014 e 2015, e agora despencou. É mais um sinal de que os juros realmente precisam cair porque a economia está desacelerando na ponta e o investimento está muito baixo", diz o economista do banco Master.

Hoje, a Selic está em 11,25%, após cinco cortes consecutivos de 0,50 ponto percentual. O Copom, colegiado que decide a taxa básica de juros, manteve a sinalização de que o ritmo de corte de 0,50 ponto continua sendo o mais apropriado para as próximas reuniões - no plural.

A expectativa do Boletim Focus é de uma taxa de 9% no fim de 2024. As sinalizações da autoridade monetária já mostram resultado, uma vez que a Formação Bruta de Capital avançou no quatro trimestre após quatro quedas seguidas.

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