Economia

Faça como os outros ou caia fora

Até recentemente, Wall Street costumava dar lição de moral pelo mundo. Parece que aquela filosofia vinha de um planeta extinto

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de março de 2010 às 10h45.

Até não muito tempo atrás, homens de negócio brasileiros em visita aos grandes templos da finança de Nova York corriam sempre o risco de ouvir, mais cedo ou mais tarde, demoradas aulas sobre a ética anglo-saxônica na atuação empresarial, a importância de obedecer a um rigoroso conjunto de valores em qualquer transação e os méritos do incomparável sistema bancário americano - baseado na integridade de seus dirigentes, na confiança pública e na eficácia de seus sistemas de operação. Os grandes nomes de Wall Street, então, falavam sobre good governance, accountability e fiscal responsibility. Pregavam as virtudes da transparência, da análise rigorosa de riscos e da mais estrita separação entre os interesses do banco, os interesses de seus executivos e os interesses do público. Quem jamais ouvira falar de um banqueiro americano capaz de confundir essas coisas? Eram apóstolos convictos da não-intervenção do poder público nos mercados financeiros e de um mínimo de regulamentos para seus negócios - ninguém melhor que o próprio "sistema", garantiam, para se autofiscalizar, controlar e manter a casa em ordem. Nunca encerravam esses sermões sem deplorar o triste estado de coisas em países com o biotipo do Brasil, a começar, aliás, pelo Brasil propriamente dito. Faltava a nações e povos como o brasileiro, em sua visão, a capacidade de entender a maioria, ou qualquer um, dos conceitos citados acima.

Vana verba, diriam os antigos - ou como são vãs as palavras, quando não correspondem aos atos. Na semana passada, enquanto o secretário de Tesouro americano, Henry Paulson, estatizava na prática as agências de crédito Fannie Mae e Freddie Mac, em mais um capítulo da crise sem fim que vem devastando o mercado hipotecário nos Estados Unidos, toda a filosofia superior produzida em Wall Street para iluminar o capitalismo parecia vir de um mundo extinto. O que era pecado mortal, só praticado em economias com baixo grau de seriedade, passou a ser virtude. Instituições financeiras que pareciam eternas, como o Bear Sterns e o Lehman Brothers, viraram pó. A conta de quanto dinheiro o governo americano já colocou no hospital para reanimação de bancos em estado de pré-falência continua em aberto. Os mais orgulhosos executivos da alta finança de Nova York vagam em busca de ajuda, hoje, em escritórios onde se fala árabe, coreano ou hindi. Outros estão desempregados. Uma parte concentra sua energia em esforços para escapar à cadeia.

Entre a época em que dava lições e o salve-se-quem-puder de hoje, Wall Street deixou claro para o mundo que as práticas financeiras adotadas ali, bem como nos grandes centros mundiais da indústria bancária, não eram mais sadias que quaisquer outras. Seus executivos não eram mais competentes, mais seguros ou mais íntegros. Seu "sistema", que em tese deveria estar acima do comportamento individual das pessoas, não estava. Deveria resistir às más decisões tomadas pelos seus dirigentes; não resistiu. O mecanismo de "autocorreção" não corrigiu nada. Enfim, o horror santo à intervenção do governo no mercado, para socorrer negócios tortos com dinheiro público, não era para levar a sério. Se isso não se fazia, é porque não tinha sido necessário - e não porque fosse errado. Quanto a princípios, valores e virtudes pessoais, o que se vê, no fim das contas, é bem simples. Andar na linha, nessas altas esferas, não era fruto de crença; resultava apenas do fato de que o medo era maior que a ganância. Quando a ganância, a uma altura qualquer do processo, ganhou do medo, a casa veio abaixo.

A crise causada pela degeneração do sistema hipotecário americano diz muito sobre uma doença que parece se firmar, cada vez mais, nos organismos financeiros - e não somente em Wall Street. Trata-se da necessidade, imposta com crescente insistência aos executivos, de tomar suas decisões com base não no que acham correto ou no que sabem fazer, e sim naquilo que os outros estão fazendo. O que mais ouvem, quando observam que algum tipo de operação é imprudente, ou que não se entende bem a sua natureza, nem se conhece bem os seus efeitos, é: "Faça os negócios que o mercado faz hoje; se os concorrentes estão ganhando dinheiro com eles, nós também temos de ganhar". A opção, em geral, é aceitar ou procurar outro emprego. Num mundo que vive assim, vai ficando difícil acreditar em tradições, bom nome e desempenho passado.

Acompanhe tudo sobre:BancosCrises em empresasEstados Unidos (EUA)FinançasGovernoPaíses ricos

Mais de Economia

Após pedido do governo, Zanin suspende liminar que reonera a folha de pagamentos por 60 dias

Haddad: governo anuncia na próxima semana medidas sobre impacto e compensação da desoneração

Fiergs pede ao governo Lula flexibilização trabalhista e novas linhas de crédito ao RS

É possível investir no exterior morando no Brasil?

Mais na Exame