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Saquê é tudo igual? Workshop gratuito em São Paulo terá aulas e degustações

Defensor do fermentado de arroz e fundador da Mega Sake, Fabio Ota promove entre os dias 22 e 23 de janeiro, em São Paulo, o Festival do Sake 2024

 (kuppa_rock/Getty Images)

(kuppa_rock/Getty Images)

Júlia Storch
Júlia Storch

Repórter de Casual

Publicado em 19 de janeiro de 2024 às 10h22.

Última atualização em 23 de janeiro de 2024 às 15h16.

Com presença frequente em drinques como a caipirinha, o saquê nem sempre tem verdadeiro reconhecimento entre os fementados. Defensor da bebida feita de arroz e fundador da Mega Sake, Fabio Ota promove entre os dias 22 e 23 de janeiro, em São Paulo, o Festival do Sake 2024.

A quarta edição do evento gratuito contará com a presença do professor Haruo Matsuzaki, uma das maiores autoridades no assunto, autor do livro The Sake Book e presidente da Japan Sake Exports Association. Além da presença de Shinichiro Shimizu, presidente da Shimizu Seizaburo Shoten, produtora da marca Zaku, e de Hideyuki Komai, presidente da Hachinohe Shuzo, empresa responsável pelos saqus da Mutsu Hassen – sakaguras (fabricantes) que estão constantemente presentes no ranking dos cinco melhores produtores de saquê do mundo.

A programação do festival terá início no dia 22 com a masterclass do professor Matsuzaki. Sob o tema “Do produtor à taça: como os ingredientes e a produção afetam o sensorial do Sake”, ele tratará sobre os impactos de cada insumo e dos diferentes processos no resultado sensorial da bebida.

A aula teórica e prática inclui degustação dos diferentes estilos de saquês e explicações detalhada de como os diversos tipos de arroz, água (mole ou dura), Koji - microorganismo essencial para a preparação da bebida milenar e velho amigo da gastronomia japonesa - e leveduras selecionadas e isoladas ao longo dos séculos têm papel importante nos aromas e sabores que sentimos em uma taça de saquê.

No dia seguinte (23) será a vez de conhecer a fundo todo o minucioso processo de fabricação dos premiados saquês Zaku e Mutsu Hassen, com direito a degustação. Ao longo dos últimos cinco anos, ambas as marcas desfilaram entre as seis mais reconhecidas em todo o mundo pela excelência de seus produtos no World Sakagura Ranking, que reúne a classificação dos principais concursos anualmente.

Os workshops gratuitos serão realizados no Nikkey Palace Hotel, no bairro da Liberdade. No entanto, os consumidores que apreciam saquê ou quiserem aprender mais também serão bem-vindos. As inscrições são gratuitas e deverão ser feitas antecipadamente pelo Sympla.

Em entrevista à Casual EXAME, Haruo Matsuzaki e Fabio Ota explicam sobre as diferenças entre saquês, como escolher a bebida e como harmonizar saquês com pratos. 

Fabio Ota, fundador da Megasake. (Gladstone Campos/Divulgação)

Quais são as principais diferenças entre harmonização de vinhos e saquês?

Haruo Matsuzaki: O saquê pode ser ainda mais adequado para harmonização do que o vinho. Porque o saquê tem maior teor alcoólico e muito mais umami que o vinho.

Fabio Ota: O saquê é a bebida que mais contém umami dentre todas as bebidas alcóolicas, e isso vem dos aminoácidos que estão presentes, principalmente, na parte mais externa do grão de arroz. Isso explica porque o saquê está presente hoje no menu harmonizado de praticamente todos os restaurantes estrelados pelo mundo e, no Brasil, não poderia ser diferente. Nós fornecemos saquê para menus harmonizados de restaurantes como Oteque, Lassai, DOM, Evvai e Tuju, nenhum deles de especialidade japonesa. Aproveitando o gancho da comparação entre saquê e vinho, no Japão há um ditado que é assim: o vinho é um presente dos deuses para os homens, mas o saquê é um presente dos homens para os deuses. E para agradar os deuses, a bebida tem que ser muito boa, né?

O que torna o saquê tão versátil?

HM: O processo de fermentação é complexo e os métodos também são versáteis. Os aromas e sabores não vêm apenas dos ingredientes principais, arroz e água.

FO: O que torna o saquê versátil é justamente ele ter praticamente todas as características positivas do vinho, como acidez (que, inclusive, pode ser bem alta), aromas variados, diversidade de corpo, refrescância, retrogosto e, por outro lado, ter algumas qualidades que o vinho não tem, conforme mencionei na questão anterior: ter a maior quantidade de umami dentre todas as bebidas alcoólicas e ter um potencial de diversificar o sensorial variando a temperatura.

Quais as principais formas de harmonização com saquê?

HM: Um sabor leve é bom para saquês de sabor jovem e que não têm um gosto complexo.

FO: Como existem muitos saquês diferentes (eu diria que, pelo menos uns 20 mil rótulos diferentes sendo produzidos no Japão) as possibilidades são infinitas. Por possuir muito umami, se bem pensada e testada, o saquê vai funcionar como um complemento e ampliar as sensações de cada prato. Nas dezenas de eventos harmonizados que já fizemos nesses 3 anos de operações no Brasil, o que sempre recomendamos para os participantes é colocar um pouco de comida na boca e, ainda com a comida na boca, colocar em boca um pouco do saquê. Juntos, comida e saquê, na sua boca, vão proporcionar sensações e sabores muito superiores do que se saboreados isoladamente.

Quais são os melhores saquê para harmonizar com alimentos?

HM: Esta é uma pergunta difícil. Geralmente, eu respondo que o estilo padrão de saquê Junmai tende a combinar bem com uma ampla variedade de alimentos.

FO: Em geral, os saquê que mais possuem umami são os que utilizam arroz menos polido, justamente porque os aminoácidos que trazem o umami para a bebida estão localizados mais na parte externa do grão, enquanto o miolo do arroz utilizado para fazer saquê possui uma concentração de amido. Assim, eu diria que os melhores saquês para harmonização são os da categoria junmai (sem adição de álcool etílico) e não necessariamente os mais caros, já que os mais caros costumam ser aqueles que utilizam um arroz mais polido (como junmai ginjo e junmai daiginjo), e portanto tendem a ter menos umami. Claro que isso depende muito do tipo de comida, mas outra característica comum nos junmai é a acidez, que favorece boa parte das harmonizações.

O que faz a diferença na hora da produção e da harmonização do saquê?

HM: Os principais fatores para distinguir a produção do saquê são o arroz, a água e a técnica ou método de fabricação.

FO: Variações no processo de produção e a seleção de matéria prima são essenciais para dar identidade a cada saquê. Esse é inclusive, o tema da masterclass que o Prof. Matsuzaki irá ministrar na próxima segunda-feira, dia 22 de janeiro. Combinados com clima e costumes locais, formam o “terroir” do saquê. Vimos em perguntas anteriores que há uma infinidade de saquês sendo produzidos, tradicionais, modernos, para todas as ocasiões e gostos. Isso só amplia as opções na hora de harmonizar.

Claro que ainda não temos muita variedade, mas confio que o número de importadores e de rótulos no Brasil tende a crescer e se tornar variado. Acredito na montagem de um portfólio de produtos bastante distintos uns dos outros, para que possamos mostrar ao consumidor a variedade e flexibilidade dessa bebida maravilhosa.

Qual o melhor saquê para quem está começando a conhecer a bebida?

HM: Sugiro um saquê Ginjo leve e frutado. Tem um aroma fino e é fácil de beber.

FO: Acho que o mais importante é adquirir um saquê fresco. A maioria dos importadores de saquê no Brasil não utiliza contêineres e tampouco, guarda refrigerada. Pouca gente sabe, mas o saquê não pode passar de 15 graus Celsius e, no caso dos mais aromáticos e mais delicados, esse limite é de 5 graus Celsius. Alguns dias fora de geladeira não vão estragar seu saquê, mas se o importador embarca os saquês no Japão num container não refrigerado, ele fica entre 45 a 50 dias num navio até chegar aqui, podendo atingir temperaturas superiores a 50 graus Celsius, especialmente se estiver tomando sol, no convés do navio. Só nessa longa viagem, ele já não vai ser a mesma coisa do que era quando saiu da fábrica no Japão. E o que passa a dominar esses saquês “cozidos” é a percepção de álcool no nariz e na boca.

Isso só prejudica a maior disseminação da bebida por aqui, corroborando a ideia – equivocada – de que o saquê é uma bebida muito forte. Muitos desses consumidores só tomaram saquê antes numa caipirinha, e tendem a achar que o saquê é uma bebida destilada e mais alcoólica (como a cachaça ou vodka), quando na verdade é uma bebida leve, refrescante e muito mais versátil do que o vinho. A graduação alcoólica dos saquês varia de 13% a 16% em média.

Então, mesmo que seja um saquê da categoria de entrada, chamada de “futsushu”, um equivalente ao saquê “de mesa”, se ele tiver essa logística refrigerada, vai ser agradável de beber e você vai continuar bebendo saquê nas próximas vezes em que for ao restaurante. Ou vai pedir para tomar em casa em reuniões com a família ou amigos.

Para os saquês premium, então, nem se fala, já que esses são os que mais sofrem sem refrigeração. Geralmente mais aromáticos, com muitas frutas no nariz, são os primeiros a perder essa qualidade e leveza.

Tem alguma dica imperdível para quem quer fazer uma boa harmonização com saquê?

HM: Eu costumo apreciar beber saquê com morango. Recomendo experimentar saquê com frutas.

FO: Além de utilizar saquês frescos, eu recomendo explorar muito. Teste, mesmo que você tenha lido que algo não funcione ou que aquele saquê não serve para isso ou aquilo. Me lembro que fiz um longo teste com 20 queijos brasileiros e os 8 saquês que tínhamos no portfólio, na época (hoje são mais que o dobro). Encontrei duas combinações que foram incríveis e que, no final, usamos para servir no nosso stand e no curso que dei na última edição do Mundial do Queijo em São Paulo. Ou seja, mente aberta, saquê fresco e curiosidade. Teste tudo com saquê: churrasco, pizza, massas, saladas, sushis, doces, pratos picantes, pratos leves, tudo.

Lembro de um evento que fizemos de harmonização no restaurante Cora, em São Paulo, em que uma das harmonizações mais fantásticas foi de um saquê (Toko Junmai Ginjo) que tinha notas aromáticas de maçã verde e que ficou incrível com uma salada de verão que tinha lascas de maçã verde (harmonização por similaridade). Em outro evento, harmonizei o braseado de músculo do Rodrigo Oliveira, que tinha um molho bem untuoso e potente, com um saquê frutado e refrescante (Zaku Megumi) e ficou divino (harmonização por contraste).

Três restaurantes em São Paulo que harmonizam pratos com saquê

Ping Yang

Ping Yang: Pla Dip. (Pedro Ferrarezzi/Divulgação)

Beau Michelle: “O Beau Michelle é um junmai produzido com levedura de vinho e, por isso, tem uma acidez mais alta, aumentando a complexidade e as possibilidades de harmonização. Uma curiosidade é que o nome do saquê se dá porque, durante a fermentação, "ouve" a música Michelle dos Beatles. O Beau Michelle é um saquê delicioso e aromático. Sua alta acidez, notas cítricas e dulçor equilibrado vão muito bem com o Pla Dip, um crudo de peixe com folhas de limão makrut e molho ácido, doce, salgado e apimentado. É uma combinação de sabores eletrizantes e muito frescos!”, diz Camila Ciganda. (R$ 380 a garrafa; R$ 118 a taça)

 Cais

Crudo do restaurante Cais. (Bruno Geraldi /Divulgação)

Saquê Niida Shizenshu Kan Atsurae Kimoto Junmai: "Kan atsurae é um belíssimo saquê natural (shinzenshu). Muito versátil, funciona bem com o menu do Cais. mas o prato que temos a melhor harmonização é o crudo de peixe com crispy chili. O peixe azul (em geral olhete) e a água de tomate têm muito umami, assim como o saquê. Além disso, a pontinha de açúcar residual da bebida equilibra muito bem com o molho picante do prato", diz Guilherme Giraldi.

Arturito

A clássica empanada argentina do restaurante Arturito. (Nani Rodrigues/Divulgação)

Saquê Niida Junmai: "Especial é pouco para falar desse saquê no mercado brasileiro. No meu curto caminho de estudo do saquê, sempre volto ao queridinho Niida, que traz um nariz muito complexo, de flores a cogumelos, e bate tête-à-tête com vinhos de alta gama. Na boca, ele lembra um vinho uma acidez deliciosa e elegante, um final de boca longo e muito corpo, além de uma textura que deixa brincar com harmonizações ousadas, como a seguinte: Empanada do Arturito de queijo scamorza, parmesão e mozzarella, cheia de suculência e muito tempero, o saquê corta a gordura do queijo e acompanha no corpo sem ficar para trás", diz Bautista Casafús. (Mega Saquê- R$260)

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