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A Cartier não tem obsessão pelas novas gerações. Entenda o porquê

O vice-presidente Arnaud Carrez diz em entrevista que o formato clássico dos relógios não impede a marca centenária de falar com jovens consumidores

Arnaud Carrez, vice-presidente sênior da Cartier. (Jean-François Robert/Divulgação)

Arnaud Carrez, vice-presidente sênior da Cartier. (Jean-François Robert/Divulgação)

Ivan Padilla
Ivan Padilla

Editor de Casual e Especiais

Publicado em 26 de abril de 2023 às 07h00.

GENEBRA — Marcas de luxo, em todos os segmentos, perseguem um mesmo objetivo: falar com novos consumidores, renovar o portfólio de clientes, perpetuar valor por gerações. Não parece ser o caso da Cartier, maison criada em Paris em 1847 com atuação em joalheria, relojoaria e acessórios, como óculos, perfumes e itens de papelaria. “Não há contradição entre ser clássico e contemporâneo. Nossas coleções são icônicas, universais e transgeracionais. Não temos obsessão por engajar clientes jovens, isso acontece naturalmente”, afirma o francês Arnaud Carrez, vice-presidente sênior e Chief Marketing Officer da Cartier.

Carrez conversou com a EXAME no ­Palexpo, centro de exposições em Genebra, na Suíça, onde, no fim de março, foi realizado o Watches & Wonders, o mais prestigiado salão de relojoaria da atualidade. A Cartier teve um privilégio único entre todas as 48 marcas que participaram da edição deste ano. Cada manufatura tinha direito a um estande, maior ou menor de acordo com a relevância no mercado. A Cartier foi a única marca que teve dois espaços, um para a demonstração dos lançamentos do ano e outro para as reu­niões com os revendedores do mundo todo.

A deferência no salão de relojoaria se deve à importância da marca. O conglomerado suíço Richemont registrou 19,2 bilhões de euros em vendas em 2022, um crescimento expressivo de 46% em relação ao ano anterior. O grupo não abre faturamento por marca, mas estima-se que a Cartier responda por quase um terço desse total. A Cartier foi a segunda marca de relógios suíços mais vendida do mundo, com um faturamento estimado de 2,75 bilhões de francos suíços, com 620.000 peças vendidas, segundo levantamento da consultoria Morgan Stanley. Pelo segundo ano consecutivo, ficou à frente da Omega e só perdeu para a Rolex.

Arnaud Carrez conhece bem a marca. Está há 25 anos na Cartier, começou na área de marketing e comunicação, e passou pelos escritórios da França, Suíça, México e Japão, além de Hong Kong, em cargos de direção regional. No estande principal da marca no salão de relojoaria ele deu a entrevista a seguir.

A Cartier é a segunda marca de relojoaria mais vendida do mundo, segundo levantamento independente feito pela consultoria Morgan Stanley. Só fica atrás da Rolex, marca suíça com muita força nesse mercado. O que explica esse sucesso?

Esse é o resultado de uma estratégia relevante e bem-sucedida estabelecida seis anos atrás. Naquele momento nós quisemos deixar mais clara nossa identidade, nossa imagem, em todas as coleções. Foi um trabalho de racionalizar nossa oferta de relógios e joias. Passamos também a trabalhar a comunicação de forma mais contemporânea, inovamos a linguagem da nossa rede de butiques. A Cartier é uma maison de joias criada em 1847. Logo depois passamos a ter relógios, com formas muito singulares. Tudo na Cartier começa no design, a técnica segue a forma. Não criamos movimentos de relógios e depois pensamos onde colocá-los. Queremos criar peças bonitas. A maioria de nossos concorrentes faz relógios em formatos redondos, e nós temos relógios quadrados. Tudo isso nos leva aos atuais bons resultados. 

Elegância é o principal atributo que os consumidores procuram na Cartier?

Elegância, sofisticação. Um de nossos principais pilares são os ícones. Temos muitas coleções icônicas na Cartier, como Panthére, Santos, Tank, Ballon. Cada uma é universal e transgeracional. Somos a única marca com tantas coleções icônicas, e cada uma tem um papel importante em imagem e no negócio.

O que a Cartier tem de diferente em relação aos seus principais concorrentes?

No mercado de relógios, a maior parte de nossos concorrentes é especialista em relógios, são monomarcas. Nós somos a segunda maior marca em relógios suíços do mundo, mas também temos joalheria, fragrâncias, acessórios. A Cartier é hoje uma das maiores marcas de luxo do mundo, com o mesmo status de Hermès, Chanel, Louis Vuitton, Dior.

Mais especificamente, o que a Cartier tem de diferente em relação às marcas de luxo que também têm linhas de joias e relojoaria, como Bvlgari e Tiffany?

Somos o número 2 na relojoaria, estávamos na terceira posição há dois anos. Somos número 1 em joalheria e estamos distantes dos demais. Nós reforçamos a imagem da Cartier, temos um bom brand equity [valor adicional que uma marca agrega a um produto, temos desejabilidade, segundo analistas. Nos leilões nossas peças são vendidas a preços altos.

A Cartier é uma maison de origem francesa dentro de um segmento dominado por manufaturas suíças. Isso não diminui o valor de imagem dentro do mercado relojoeiro? 

Somos franceses, somos parisienses. Especialmente no mundo da relojoaria isso nos dá um caráter especial. Mas 100% de nossos relógios são manufaturados na Suíça. Nossa imagem é francesa, são nossas origens, nossa história, e isso é um diferencial.

Butique da Cartier na China: queda nas vendas foi compensada por outras regiões (SOPA Images/Getty Images)

Campanha com Inteligência Artificial

Quais são os principais meios de comunicação da Cartier, uma marca tão tradicional, associada a uma estética mais conservadora?

Somos uma espécie de espírito livre dentro da maison em termos de comunicação. Nossas campanhas são percebidas como contemporâneas. Não sei se você viu a campanha recente com os atores Catherine Deneuve e Remi Malek, dirigida por Guy Ritchie, em que a vida de Catherine é contada em períodos distintos, com ajuda de inteligência artificial. Foi uma surpresa para muita gente essa associação entre os dois atores, esse tributo ao tempo, ao relógio Tank. Nos últimos anos estendemos os territórios em termos de diversidade. Além de produtos e categorias, passamos a falar mais da nossa capacidade de manufatura, que cresceu muito nos últimos tempos. A Cartier também tem muitas ações filantrópicas, como a Cartier Women’s Initiative, premiação que busca impulsionar a mudança através da capacitação de mulheres empreendedoras com negócios de impacto social ou ambiental. Todos esses tópicos contribuem para a imagem da marca.

Quais são as principais formas de distribuição da marca no mundo, entre lojas próprias, revendedores e e-commerce? Que canais são mais importantes em termos de vendas?

Não falamos em porcentagem. Mas o que posso dizer é que as joias só são vendidas em butiques da Cartier. Relógios são distribuídos nas butiques e nos revendedores, e o e-commerce ganhou uma força significativa nos últimos anos em todas as categorias, inclusive em relógios. Mas não é surpresa dizer que a venda física é a parte mais importante do nosso negócio. A pandemia foi um período complexo para todos, mas ao mesmo tempo foi uma oportunidade de adaptação, de mudança de perspectiva, de mudar as formas de trabalhar. Tivemos de fazer ajustes, passamos a organizar eventos digitais para alta joa­lheria, algo inesperado. Mas no fim conseguimos passar por esse período de forma positiva, eu diria.

O que explica as boas vendas das marcas de luxo em geral, e especificamente da Cartier, durante a pandemia de covid-19?

Nesse período os clientes procuraram por confiança. Cartier tem essa imagem forte, essa herança. E acabou sendo uma marca de destino para muitos consumidores que procuravam por uma autoindulgência, por fazer um agrado a seus parentes amados. As linhas icônicas que eu citei foram muito procuradas, foram e ainda são consideradas símbolos de estilo, de conexão emocional. As pessoas procuraram por produtos de alto valor, mas com durabilidade, perpétuas.

Em que categorias, entre joalheria, relógios e acessórios, a Cartier enxerga maior potencial de crescimento nos próximos anos?

Enxergo muito potencial em muitas regiões. Temos nossos mercados tradicionais, como China, Estados Unidos, Europa e Oriente Médio. Mas temos também mercados emergentes crescendo muito rapidamente, principalmente no Sudeste Asiático, países como Tailândia, Malásia, além de Austrália e Oceania em geral. A força da Cartier é o balanço entre a distribuição dos produtos, a presença da marca. Quando uma região sofre mais, temos a compensação de outros mercados. Em períodos de crise, como foi com a covid-19, saímos mais fortes do que antes.

A China sofreu um lockdown rigoroso, o que impactou muitas marcas, mas não foi o caso da Cartier. A Ásia ainda respondeu por 41% das vendas do grupo Richemont em 2022. Como vocês compensaram a redução de consumo na China e a ausência de turistas chineses na Europa e nos Estados Unidos? 

Enquanto o mercado doméstico da China caiu, vimos muitas regiões, especialmente a Europa, crescendo em termos de consumo. Isso é o resultado de um trabalho intenso feito pelos times para engajar e interagir com os clientes locais. Não ficamos esperando os consumidores chineses voltarem.

A maior marca do grupo Richemont

Você não citou o Brasil como um exemplo de mercado emergente em crescimento. Qual é a importância do mercado brasileiro?

O Brasil é um dos principais mercados da América do Sul. Temos uma presença histórica no Brasil, em joalheria, relógios e acessórios, temos uma forte reputação no Brasil.

A Cartier tem esse design clássico, com algarismos romanos, formato quadrado. Como uma marca tão tradicional, fundada em 1847, consegue falar com as novas gerações?

Não há contradição entre ser clássico, elegante, e falar com novas gerações. Temos uma forte base de consumidores jovens no mundo todo, que cresceu significativamente nos últimos anos. Estamos falando de coleções icônicas, que são universais e transgeracionais, são aspiracionais para os consumidores do momento, para os jovens. Não temos obsessão por engajar clientes jovens, isso já está acontecendo naturalmente. Temos os produtos certos, nossa comunicação é assertiva e contemporânea, não fazemos coleções específicas pensando nos jovens.

A Cartier faz parte do grupo Richemont, um dos maiores do mundo em relojoaria e joalheria. Qual é a vantagem para a marca em estar dentro de um conglomerado com outras manufaturas?

Somos grandes e isso nos dá mais responsabilidades do que vantagens. Temos essa dimensão, sabemos da nossa estatura. Temos visibilidade, as pessoas olham para nós. Confiança é difícil de ganhar e difícil de manter. Ser a maior marca do grupo nos faz ser mais cuidadosos no que fazemos, e temos de mostrar exemplo em muitos aspectos, em comprometimento, sustentabilidade, qualidade de produtos. Ser grande nos traz obrigações. Temos vantagens, claro. Temos recursos, investimentos, mas estamos constantemente sob holofotes. No passado a Cartier era considerada uma marca mais institucional, muito clássica, não era tão notada. Mas hoje tudo o que nós fazemos gera muito interesse.

Vemos cada vez mais os grandes conglomerados de luxo partindo para fusões e aquisições, para ganhar escala, acesso a dados, facilidades logísticas. A consolidação é o futuro desse mercado? Vai haver espaço para marcas independentes?

Não posso falar pelo grupo. Mas, globalmente falando, não tenho certeza, depende dos grupos, da maturidade das marcas. Não temos visto tantas aquisições tão recentemente. Não sei se concordo sobre isso ser uma tendência, existem muitas nuances nesse mercado.  

O jornalista viajou a convite da organização do Watches & Wonders.

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