Acompanhe:

Joaquim Levy: O que esperar da economia em 2022?

Próximo ano deve se beneficiar da situação externa confortável, um câmbio competitivo e a normalização de setores como o da saúde

Modo escuro

Continua após a publicidade
Crescimento em 2022 será moderado, ou mesmo negativo, sem expansão significativa do emprego (Leonidas Santana/Getty Images)

Crescimento em 2022 será moderado, ou mesmo negativo, sem expansão significativa do emprego (Leonidas Santana/Getty Images)

B
Bússola

Publicado em 17 de dezembro de 2021 às, 13h00.

Por Joaquim Levy*

O PIB se contraiu no terceiro trimestre de 2021 e as indicações para o quarto trimestre vão na mesma direção. A pesquisa sobre o setor de serviços (PMS) mostrou queda de 1,2% em outubro, mês em que a arrecadação real da Receita Federal cresceu apenas 0,23% em relação ao ano passado e o indicador mensal do PIB, o IBC-Br do Banco Central do Brasil (BC), mostrou queda de 0,4%.  Enquanto isso, a inflação continua perto de 1% ao mês, algo raramente visto no Brasil nos últimos 20 anos.

Mas, para além da variação de curto prazo dos indicadores econômicos, a evidência maior dos desafios dos próximos meses está em que esses indicadores mostram que o nível da atividade econômica se recuperou quase plenamente do choque da covid. O PIB está próximo aos níveis de 2019, apesar do retardo do consumo das famílias, o qual continuará prejudicado pela inflação. A própria PMS começa a cair a partir de um nível de atividade no setor de serviços às famílias acima daquele pré-pandemia.

Daqui para frente, vencida a recuperação obtida com a ajuda do gasto público e de uma política monetária expansiva, há o árduo trabalho de crescer, agora sem tanto auxílio do governo e tendo que enfrentar algumas das sequelas, inclusive sociais, da pandemia.

A recuperação não veio de graça e mostrou o poder e as limitações das políticas keynesianas. Keynes ensinou que o gasto público pode evitar sofrimento desnecessário quando há capacidade ociosa na economia. De fato, a opção keynesiana em grande escala estimulou a retomada econômica no Brasil (e na maioria dos países da OCDE) na metade de 2020. Mas ela não é estratégia de crescimento, e estímulo demais à demanda se traduz geralmente mais em inflação do que crescimento, como visto a partir do final de 2020, quando a queda dos estoques levou a aumento de preços e escassez em alguns mercados.

E agora?

O governo terá menos chances de gastar à frente, apesar dos mais de R$ 100 bilhões encaixados no orçamento de 2022 com a PEC dos precatórios, que equivalem a quase 1,5% do PIB quando se incluem os efeitos multiplicadores de um aumento de despesa. Diante da persistência da inflação e do aperto monetário já contratado, é improvável que o aumento do déficit público no ano que vem consiga estimular muito a economia, especialmente pelo impacto que a PEC teve na percepção da solidez e efetividade do arcabouço fiscal proporcionado pelo teto do gasto.

O fato de já termos alcançado o nível de atividade de 2019 também tem implicações para o mercado de trabalho. Durante muitos meses a pesquisa nacional sobre mercado de trabalho conduzida pelo IBGE (PNAD) foi prejudicada pela Covid, pois ela não podia ser domiciliar.  Agora, um novo cenário do mercado de trabalho surgiu com a retomada da pesquisa na sua forma habitual. Ele também indica que o espaço de recuperação “sem custo” praticamente já se esgotou. Assim, a taxa de desemprego não deve cair muito nos próximos meses, limitando o aumento da demanda das famílias.

A demanda das famílias também deve ser limitada em 2022 pela subida dos juros. Essa subida pode custar até 5% da renda das famílias, comprometendo até 35% da renda familiar com o serviço das suas dívidas. Assim, o crédito não irá financiar maior consumo, o qual vai depender da despoupança das famílias. Isso está se dando não só nas famílias mais abastadas que voltaram a viajar, mas também entre os trabalhadores, como ilustrado pelo grande sucesso dos produtos financeiros que permitem ao trabalhador antecipar até 7 anos dos “saques aniversário” do seu saldo no FGTS.

O crescimento em 2022 será moderado, ou mesmo negativo, sem expansão significativa do emprego, e sujeito a uma política monetária que deverá estar atenta para facilitar a queda da inflação sem asfixiar a economia.

A queda da inflação dependerá de não se repetirem choques que praticamente dobraram a inflação em 2021. O aumento da gasolina, etanol, gás de bujão e eletricidade adicionou quase três pontos percentuais à inflação de 2021 projetada no começo do ano. Além disso, automóveis novos e usados somaram mais de 0,5% de “surpresa inflacionária” ao longo do ano, a que se juntaram um rescaldo dos aumentos dos preços das commodities em 2020 e os efeitos da seca, que impactaram o preço da comida em casa.  Nada disso deve se repetir em 2022, com as commodities se acomodando ao redor do mundo. Assim, ainda que a gasolina não fique barata, ela não deve contribuir para a inflação se o real não desvalorizar. Por isso, o time de macroeconomia do Safra prevê uma inflação abaixo de 5% em 2022, mesmo com uma Selic entre 10% e 11%.

A partir dessas linhas gerais, o Banco Central terá que orientar a política monetária no começo de 2022, com implicações para 2023.

Há muitos reajustes de preço no começo do ano — inclusive do salário-mínimo, que deve ficar perto de 10%. Assim, a inflação não deve estar nos 0,5% mensais, necessários para a ela convergir para a meta.  O BC terá, portanto, que exercer certo julgamento em fevereiro, decidindo se continuará apertando a política monetária como sinalizado agora.

Talvez mais importante, o BC deverá apontar em março o que fará nos meses seguintes, inclusive eventuais reduções de juros no período eleitoral.  Para isso, ele contará com a leitura do PIB do quarto trimestre de 2021 e alguns indicadores do primeiro trimestre de 2022, além de mais informações sobre o passo da política monetária americana e das mudanças estruturais na China, e suas prováveis implicações.  Ainda lhe faltará, é verdade, o conhecimento da política fiscal que o governo vai deixar para 2023. O que pode vir com a publicação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO-2023) em 15 de abril, indicando, por exemplo, qual o valor dos benefícios do bolsa família no ano pós eleitoral.

Em suma, 2022 deve se beneficiar da situação externa confortável, um câmbio competitivo e a normalização de setores como o da saúde, graças ao sucesso da vacinação iniciada em janeiro de 2021. Apesar do impacto no arcabouço fiscal trazido pela PEC dos precatórios e certa latitude no uso dos créditos extraordinários em 2021, evitou-se o engano de esticar políticas keynesianas como ocorreu em 2011-12. Até porque a relação dívida pública/PIB que era de 52% há dez anos fechou 2020 em 88%.

Persistem, no entanto, desafios sociais sérios, apontando para a importância de uma discussão pública e saudável dos planos para 2023 e adiante, que tragam a esperança de crescimento do PIB acima de 3% no médio prazo. Crescimento que é considerado como possível por economistas experientes, baseado também na aceleração dos ganhos na educação alcançados nos últimos 20 anos, modernização da administração pública através de metas e outras ações de gestão e maior investimento privado e público na infraestrutura. Essas perspectivas também devem ser ingredientes valiosos para atravessarmos o próximo ano com segurança e tranquilidade.

Texto publicado originalmente no site O Especialista

*Joaquim Levy é engenheiro naval pela UFRJ, com mestrado em economia pela FGV e doutorado em economia pela Universidade de Chicago. É diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados no Banco Safra. Entre outros cargos, integrou o FMI, foi secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda; economista-Chefe do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e secretário do Tesouro Nacional. Foi vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, diretor do Banco Mundial e presidente do BNDES.

Siga a Bússola nas redes: Instagram | LinkedinTwitter | Facebook | Youtube

Veja também

Últimas Notícias

Ver mais
Banco Central projeta crescimento de 1,9% do PIB e inflação de 3,5% em 2024
Economia

Banco Central projeta crescimento de 1,9% do PIB e inflação de 3,5% em 2024

Há 7 horas

Galípolo: Resiliência no consumo deve persistir com Bolsa Família e queda da inflação
Economia

Galípolo: Resiliência no consumo deve persistir com Bolsa Família e queda da inflação

Há 20 horas

Houve progressos em prioridades de governo, sobretudo na inflação, diz premiê do Reino Unido
Economia

Houve progressos em prioridades de governo, sobretudo na inflação, diz premiê do Reino Unido

Há um dia

Ovos de Páscoa estão 10,3% mais caros este ano, aponta Fipe
Economia

Ovos de Páscoa estão 10,3% mais caros este ano, aponta Fipe

Há 2 dias

Continua após a publicidade
icon

Branded contents

Ver mais

Conteúdos de marca produzidos pelo time de EXAME Solutions

Exame.com

Acompanhe as últimas notícias e atualizações, aqui na Exame.

Leia mais