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Geekonomy: Criptoarte — o museu da internet é volátil, rentável e blockchain

Assim como a Pop Art há quase de 70 anos, arte digital contemporânea retrata efemeridade da cultura do meme e da sociedade de consumo.

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Nyan Cat, compartilhado no YouTube em 2011. GIF: Chris Torres (Bússola/Divulgação)

Nyan Cat, compartilhado no YouTube em 2011. GIF: Chris Torres (Bússola/Divulgação)

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Cauê Madeira*

Publicado em 5 de março de 2021 às, 09h21.

Lá pelo meio dos anos 50, e com um pico na década seguinte, um movimento desafiou as tradições da fine art ao incluir em suas obras elementos da cultura de massa – quadrinhos, publicidade e produtos industrializados.

Mundialmente conhecida e imortalizada, principalmente nos trabalhos icônicos de Roy Lichtenstein e Andy Warhol, a Pop Art revolucionou o mercado das galerias e casas de leilão na época. Um movimento em constante transformação, mas mutável e amplamente remixado, foi um produto contemporâneo dos períodos de atividade de seus artistas. Há quem defenda, no entanto, que o movimento – ao menos como o conhecemos e classificamos – se encerrou nos anos 70.

Pois bem, pause e vamos saltar para 2014. Naquele ano foi fundada a plataforma de licenciamento digital Monegraph, com o primeiro marketplace para registro de obras de arte por meio de Bitcoin. Basicamente, a partir daquele momento, seria possível criar um código (token não fungível, ou NFT, da sigla em inglês) para determinar um identificador único que pode ser rastreado até sua origem. É uma das várias aplicações possíveis da tecnologia blockchain, que usa o poder da computação compartilhada para criar um registro digital seguro e muito difícil de hackear.

Nasceu a criptoarte. Ou cryptoart, já que o nome em português ainda não se popularizou muito. Em setembro de 2020, pela primeira vez, uma obra – criada pelo artista Matt Kane – criptografada em blockchain ultrapassou a barreira dos 100 mil dólares na venda. E qualquer um pode visualizar.

Então, qual é o ponto de gastar tanto dinheiro para uma peça que, afinal, é acessível para todos pela internet?

Não é simples, mas também não é nenhuma novidade. A cryptoart tem seus fundamentos iguaizinhos ao mercado de arte tradicional: a obra pode ser apreciada, reproduzida, compartilhada – assim como qualquer quadro famoso que você pode ver em uma revista, camiseta, ou no Instagram. Mas o original, aquele de verdade, só existe um.

A cryptoart, assim como uma obra de arte "física" – um quadro, por exemplo – tem um atestado de originalidade. Se paga pela certificação e pela rastreabilidade daquilo.

Até o Banksy já entrou na história. Uma empresa de blockchain comprou uma peça física do artista-grafiteiro-anônimo – cujas obras são valoradas em milhões de dólares – e a destruiu. Isso mesmo. Fizeram uma transmissão ao vivo para registrar o momento em que queimaram a arte impressa. O plot twist é que a transformaram em NFT. Ou seja, cryptoart. Continuou única, mas apenas no formato digital.

Aliás, a Christie's, famosa casa de leilões de arte, com mais de 250 anos de idade e tradição nesse mercado, fez seu primeiro leilão online de cryptoart. Ou seja, acho que é pra valer mesmo.

Mas o que tudo isso tem a ver com a cultura geek, que é o grande tema desta coluna? Bem, o assunto é meio nerd por si só, né? Mas o ponto de conexão que quero fazer aqui tem a ver com a cultura de internet, pop art e blockchain.

Meu alarme para a correlação disso tudo disparou quando, em janeiro deste ano, uma criptoarte de Justin Roiland foi vendida por 150 mil dólares. Esse cara é o criador da série animada – e incorrigivelmente nerd – Rick & Morty. A obra tokenizada era uma representação justamente dos dois personagens, e faz parte de uma série que inclui outras animações famosas, como Os Simpsons.

Há um paralelo claro entre a representação do espírito do tempo e a cultura contemporânea de consumo, algo que sempre permeou a cultura pop. Aqui, adaptada ao nosso contexto de digitalização e acesso à internet. Mas é também uma resposta do mercado de arte e um desdobramento curioso sobre a cultura do artista capaz de mediar o acesso à sua produção com menos intermediários.

Ben Gentilli, um artista inglês por trás de uma série de criptoartes relacionada à história do Bitcoin, recentemente conversou com a NBC. “Eu acho que, desde o Renascimento, nunca vimos uma mudança que devolvesse o poder às mãos dos artistas dessa forma, e eu digo isso porque a imprensa de Gutenberg permitiu que os artistas imprimissem edições e isso possibilitou fontes de receita que eles pudessem controlar a partir de seus próprios ateliês e estúdios ”, declarou.

E o cerne da questão da nossa cultura de internet atual, amplamente ancorada nos memes, é essa identidade coletiva. Ninguém é dono de nada. As imagens, vídeos e GIFs viralizam, ganham repercussão e podem simplesmente morrer ou se tornar um pilar fundamental e perene nos canais digitais.

Um desses grandes representantes, o Nyan Cat – meme famosíssimo, praticamente uma autoridade da categoria – é um vídeo de 2011 com uma animação bem simples: totalmente em pixel art, um gatinho com corpo de pop-tart (tipo uma torradinha) viajando pelo universo e deixando um rastro de arco-íris, com música pop japonesa de fundo. Ufa, que difícil é descrever tudo isso. Talvez essa seja uma característica fundamental de um meme: algo extremamente simples de se ver e consumir, mas muito complicado de explicar, justamente pela simplicidade e pelo contexto.

Milhões de pessoas consumiram – e consomem – o Nyan Cat. Compartilham figurinhas de WhatsApp, GIFs, escutam à música que embala o vídeo original, curtem cards com o personagem em todas as redes sociais. A maioria não deve fazer ideia de quem seja o criador.

Em abril, o meme celebra dez anos de idade. E para comemorar, o artista por trás do Nyan Cat colocou em leilão o GIF de uma versão remasterizada, por assim dizer, do original. E claro, com rastreamento blockchain. Uma peça realmente única. E rastreável. Um verdadeiro museu da internet.

No fim das contas, criptoarte é apenas um grande viabilizador da arte digital como mercado em expansão. Há muitos artistas trabalhando abordagens mais autorais e contemporâneas.

As possibilidades são infinitas. E uma delas é cristalizar a efemeridade da nossa cultura do meme e da cultura pop em um retrato da nossa sociedade de consumo. Tal qual a Pop Art fez décadas atrás. A motivação pode ter qualquer origem; do registro histórico ao remix de referências; da constatação irônica ao posicionamento político.

Independentemente do que seja – e não importa se é pop art ou não – estamos falando de um nicho que acaba por representar esse período louco em que nossa autoria coletiva alça ao estrelato vídeos, imagens, cards e áudios tão simples, tão singelos e tão contextualizados que fica praticamente impossível de explicar. Boa sorte aos humanos – ou extraterrestres – que quiserem nos estudar daqui a milhares de anos. Pelo menos, se forem espertos, vão conseguir rastrear a origem de tudo por blockchain, é claro.

 

* Cauê Madeira é sócio-diretor de Growth na Loures Consultoria

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