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Futuro da saúde está em romper fronteiras sociais e morais, diz indiano

Suresh Kumar foi pioneiro em cuidados paliativos baseado em comunidades, com o que já tratou mais de 600 mil pacientes

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Suresh Kumar: o vírus tornou óbvio que a elite não pode se proteger seletivamente (Divulgação/Divulgação)

Suresh Kumar: o vírus tornou óbvio que a elite não pode se proteger seletivamente (Divulgação/Divulgação)

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Bússola

Publicado em 26 de julho de 2021 às, 18h13.

O médico Suresh Kumar criou, na Índia, o conceito de cuidado paliativo baseado na comunidade. Em Kerala, atua com mais de 15.000 voluntários treinados, que ajudam a tratar de doentes terminais. Oferece cuidados paliativos não apenas para pacientes com câncer, mas também para outras pessoas que sofrem de doenças debilitantes, desde o diagnóstico até o fim da vida. Por meio dessas ações, alcançou mais de 600.000 pacientes até agora. Repetiu o mesmo modelo em muitos outros estados da Índia, além da Tailândia, Indonésia e Sri Lanka.

Em 2 de outubro, Kumar Kumar falará pela primeira vez para o Brasil em uma aula aberta e gratuita sobre as perspectivas da pandemia de covid-19 e sobre como será o futuro da saúde na construção de redes comunitárias na assistência ao paciente. A Bússola conversou com o médico sobre sua visão sobre o futuro da medicina e da saúde no mundo. Confira.

Bússola: Como será o futuro da saúde mundial? O senhor fala em três tendências visíveis quando olhamos para a situação da saúde global.

Suresh Kumar: A primeira, sem sombra de dúvidas, são os avanços rápidos na tecnologia médica, que tornam o gerenciamento de doenças mais fácil, mais eficaz e mais caro. A segunda tendência corresponde ao aumento da lacuna no acesso aos cuidados de saúde entre os diferentes grupos socioeconômicos. Em terceiro lugar, eu diria que a interconexão entre a saúde dos seres humanos de todas as classes e entre os seres humanos e outros organismos está ficando mais evidente. A única maneira de avançar para a raça humana é trabalhar em conjunto, ou veremos um profundo colapso acontecer. Caminhamos para uma situação cada vez mais complexa e paradoxal onde as disparidades e a interdependência se aprofundam.

Bússola: O senhor acredita que esse processo foi acelerado com a pandemia?

Suresh Kumar: Com certeza, sim. Os marginalizados são mais afetados pela pandemia. Ao mesmo tempo, o vírus tornou óbvio que a elite não pode se proteger seletivamente ou escapar da questão sem levar a proteção e o bem-estar de toda a raça humana e, além disso, de todo o mundo animal. O vírus não respeita fronteiras, seja entre países, seja entre classes ou mesmo entre seres humanos e animais. Os conceitos de ‘Um mundo’ e ‘Uma saúde’ tornam-se ainda mais relevantes em face da pandemia. Precisamos romper as fronteiras sociais e morais que nos separam, e compreender que somente poderemos crescer coletivamente.

Bússola: Já existe algum lugar no mundo que aplica o que o senhor acredita ser o futuro da saúde?

Suresh Kumar: Eu não diria sobre o futuro, mas sobre as ações estratégias que alguns lugares já realizam, que visam nos levar a esse futuro. Por exemplo, Kerala, na Índia, com uma população de 34 milhões, é como qualquer outra região de baixa e média renda.

Possui um sistema de atenção primária à saúde razoavelmente bem desenvolvido, alto índice de alfabetização feminina e índices de saúde relativamente bons. Mas o que se destaca em Kerala são seus experimentos com serviços de cuidados paliativos baseados na comunidade.

Os bairros se organizam em organizações comunitárias que trabalham com o sistema de saúde primária e governos locais para cuidar dos doentes incuráveis, idosos e os mais próximos do fim da vida na área. Essas iniciativas lideradas pela comunidade fizeram com que essa região de baixa renda se tornasse a zona mais bem coberta em cuidados paliativos em todos os países de baixa e média renda.

Essa experiência bem sucedida demonstrou duas coisas. A primeira é que leigos não profissionais podem contribuir para a saúde de maneira notável; em segundo lugar, mostrou que o atendimento de boa qualidade para grandes populações, abrangendo aspectos psicossociais juntamente com aspectos físicos, é possível mesmo em regiões com recursos materiais limitados. Em Kerala, pacientes não morrem sozinhos, e conseguimos fazer muito pelas pessoas, ainda que na ausência de muitos recursos financeiros.

Os cuidados paliativos de Kerala oferecem lições para os cuidados paliativos em outras regiões do mundo e para outras iniciativas de saúde. Acredito que as comunidades compassivas são o futuro da saúde, e uma poderosa estratégia de saúde pública.

Bússola: Como os países podem se preparar para esse futuro?

Suresh Kumar: Acho que precisamos voltar ao conceito central de saúde, que tem muito a ver com saúde social, saúde psicológica e saúde espiritual também. Precisamos pensar em relacionamentos saudáveis ​​entre os seres humanos e o resto do universo. Precisamos pensar em bairros saudáveis ​​onde as pessoas se interessem pelo bem-estar dos outros seres humanos. Recomeçamos a pensar além das instituições de saúde e sobre o papel da comunidade na promoção da saúde dos membros. Precisamos nos organizar em comunidades compassivas.

Bússola: O que são comunidades compassivas?

Suresh Kumar: Uma comunidade compassiva é aquela em que cada indivíduo é valorizado como qualquer outro. É uma comunidade que valoriza a dignidade de cada um dos membros, independentemente de sua condição econômica e se esforça continuamente para cuidar uns dos outros. Uma comunidade compassiva é aquela em que todos os indivíduos se sentem protegidos e apoiados e ninguém é deixado para trás.

Bússola: Qual a situação do Brasil em relação a esse modelo?

Suresh Kumar: A maioria das comunidades asiáticas, africanas e latino-americanas mostraram fortes laços interindividuais historicamente. É o mesmo com o Brasil. O capital social em diferentes comunidades pode ter se desgastado um pouco com o tempo, mas não se perdeu completamente.

O Brasil definitivamente tem um grande potencial para iniciar um movimento comunitário compassivo. Os cuidados paliativos baseados na comunidade podem ser um ponto de partida concreto, e creio que Rodrigo Luz e toda a equipe do Instituto Pallium Brasil poderão liderar esse debate nacionalmente. Rodrigo é um líder muito respeitado, e tem trabalhado em cooperação conosco há muito tempo, em uma época que não se discutia amplamente a questão das comunidades.

Bússola: Você acredita que haverá mudanças no atendimento ao paciente após estes tempos de pandemia? Como isso vai acontecer?

Suresh Kumar: Sim. Se nós, como raça, aprendermos nossas lições aqui, sim, mas isso depende de nós. O desamparo que sentimos diante deste vírus minúsculo e a universalidade do sofrimento que passamos devem nos ensinar que precisamos ficar juntos; que precisamos refletir sobre nossos caminhos. Espero que já tenhamos aprendido sobre a necessidade de pensar além das fronteiras, de países, regiões, raças e classes socioeconômicas. Espero que a pandemia nos faça ver que os países ricos e os países pobres não têm dois futuros diferentes. Acho que esse movimento acontecerá depois da pandemia, por meio de pessoas trabalhando juntas.

Bússola: Os profissionais de saúde estão preparados para esse futuro na saúde?

Suresh Kumar: Acredito que os profissionais de saúde são os mais resistentes a mudanças de atitude e abordagem em saúde, pois precisam desaprender muitas coisas para que isso aconteça. Mas uma comunidade que se organiza em torno da saúde e dos cuidados de saúde pode ajudá-los a desaprender e crescer!

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