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ESG mergulha no turismo para preservar paraísos e fortalecer o setor

Conheça a Aliança Futuri Brasil, que atua no sul da Bahia para implementar práticas sustentáveis e desenvolver produtos e roteiros com foco na regeneração

Indígenas Pataxós recebem turistas na aldeia Tibá, em Cumuruxatiba (BA) (Nívea Dias/Divulgação)

Indígenas Pataxós recebem turistas na aldeia Tibá, em Cumuruxatiba (BA) (Nívea Dias/Divulgação)

Renato Krausz
Renato Krausz

Sócio-diretor da Loures Consultoria - Colunista Bússola

Publicado em 23 de março de 2023 às 16h15.

Última atualização em 6 de novembro de 2023 às 17h45.

Você pede a senha do Wi-Fi e a pessoa lhe responde com outro pedido, para você renunciar às garrafas de vidro. Conversa de lunático? Nada disso! A senha para acessar a internet na pousada Casa de Paixão, em Caraíva, na Bahia, é naobebalongneck.

Fica evidente que a pousada quer conscientizar o turista por todos os meios. E o motivo desse nariz torto para as long necks são características peculiares da região que tornam a reciclagem do vidro muito mais difícil que a do alumínio. Como a cerveja que vem na latinha é a mesma, então por que não colaborar com a gestão de resíduos de uma das regiões mais bonitas do litoral brasileiro?

Aí vai mais um pretexto para aderir: agora deixou de ser lícito beber no vidro, porque a prefeitura de Porto Seguro decretou há duas semanas, lá para Caraíva, a proibição da venda de cervejas em garrafas não retornáveis e long necks.

Bem antes do decreto, a Casa de Paixão já estava empenhada nesta e em muitas outras missões com o intento de diminuir o impacto negativo e aumentar o positivo do turismo na região. A pousada participa da Aliança Futuri Brasil, uma iniciativa de turismo regenerativo criada em agosto do ano passado com três nobres objetivos: 1) integrar todos os atores do setor; 2) implementar práticas mais sustentáveis; e 3) desenvolver novos produtos e roteiros turísticos com foco não apenas na preservação, mas também na regeneração de áreas protegidas.

“Só manter não é suficiente. A ideia é deixar melhor do que está”, afirma Thais Guimarães, coordenadora do projeto na ONG Conservação Internacional (CI-Brasil), que atua há 30 anos no país. A CI-Brasil criou o projeto Turismo+Sustentável, que por sua vez foi o berço da Aliança Futuri.

A atuação da Aliança hoje abrange nove municípios da região conhecida como Abrolhos Terra e Mar, que pega do norte do Espírito Santo até o sul da Bahia. O potencial de expansão, no entanto, é palpável. Mas com quem exatamente é feita a tal da aliança? Com todo mundo. Comunidades, governo, empresas. Há entre os aliados desde os guias nativos da região ou um pequeno camping até um mega resort, como o Transamérica, na Ilha de Comandatuba, passando pelas secretarias municipais e a Secretaria de Estado de Turismo (Setur) da Bahia. A Fundação Grupo Boticário financiará a elaboração de um roteiro de turismo regenerativo.

A Aliança Futuri nasceu de uma ação coletiva de 130 pessoas de várias áreas ligadas direta ou indiretamente ao turismo. Há uma carta de princípios que todo novo aliado precisa assinar e um manual de boas práticas com muita informação já consagrada no Brasil e no mundo sobre sustentabilidade, além de coisas específicas da região. Um exemplo: o manual conclama os restaurantes de lá a servir peixes frescos locais – e por conseguinte fortalecer os pescadores – em vez de salmão (ou suposto de salmão) congelado.

Outra parte fundamental do trabalho consiste em dar mentorias para fortalecer negócios que são escolhidos por meio de um edital. Uma empresa de consultoria, a Raízes Desenvolvimento Sustentável, foi contratada para esta tarefa. Entre os mentorados estão, além da pousada Casa de Paixão, a Associação das Barracas do Pontal, em Santo André (Cabrália), a empresa Bahia Active, que opera passeios de bicicleta em Porto Seguro, e até uma aldeia indígena, a aldeia Tibá, localizada dentro do Parque Nacional do Descobrimento, em Cumuruxatiba.

Na aldeia, a mentoria inclui aulas de marketing e empreendedorismo, com o intuito de estruturar melhor o turismo que existe ali. “Hoje fazemos planilhas de custos e cadastramos todos os visitantes, que também são convidados a fazer o plantio de árvores para participar do nosso projeto de reflorestamento”, diz a publicitária e fotojornalista Nívea Dias, uma aliada da Futuri que há 20 anos trabalha com comunidades indígenas e desde 2021 mora em Cumuruxatiba.

“Nosso objetivo é promover e fortalecer a geração de renda na aldeia para que a gente não precise mais sair para trabalhar na vila”, me conta por videochamada o Manuhã Pataxó, um jovem de 20 anos, que é bisneto da mais emblemática líder dos pataxós, Zabelê (1932-2012), e sobrinho de Zé Fragoso, atual cacique da Tibá.

Mas não é só isso. Manuhã diz que seu sonho é unir todas as aldeias da região, para que o turista possa ter uma experiência conjunta do que cada uma tem como ponto forte. E ele vai citando as aldeias: “É o peixe na folha de patioba aqui da Tibá, o ritual lá na Pequi, a agricultura da Cahy...”.

E, além desse sonho, Manuhã Pataxó tem um ainda maior: obter a demarcação das terras. “Quem não tem a demarcação da terra vive sempre com medo. Somente com ela poderemos ter onde deixar nossos filhos quando partirmos”, diz o jovem, que se orgulha de ter sido um dos cinco indígenas do Brasil que ganharam uma bolsa da Agência Pública para fazer reportagens sobre ameaças às terras e aos povos indígenas.

Cada um dos nove negócios mentorados recebeu R$ 14 mil para desenvolver e implementar práticas sustentáveis. Outros R$ 250 mil foram investidos nas Unidades de Conservação e em três Parques Nacionais da região. São números modestos ainda, mas com potencial de crescimento, inclusive para outras regiões do Brasil. O que é preciso para isso? “Apoio financeiro”, diz a coordenadora Thais Guimarães, uma executiva que deixou o mercado corporativo para entrar de corpo e alma neste projeto.

A Aliança Futuri precisa conquistar sua autonomia. Num país com o potencial de turismo que o Brasil possui, tomara que ela conquiste logo! Já estive em alguns lugares do sul baiano, mas não conheci Caraíva nem Cumuruxatiba. Quero muito ir. Seria lindo se meus bisnetos, a quem eu dificilmente conhecerei, tivessem também a chance de encontrar naquela região um paraíso preservado. E aposto que eles, se lá forem na maioridade, só beberão cerveja em lata – ou num outro tipo de recipiente mais sustentável, que ainda nem existe.

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