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Ataque da Boeing põe em risco soberania e 1 milhão de empregos, diz AIAB

Julio Shidara, presidente da AIAB, expõe os motivos que levaram a entidade a unir esforços com a Abimde para processar a Boeing

Boeing vem contratando sistematicamente engenheiros brasileiros (David McNew/Getty Images)

Boeing vem contratando sistematicamente engenheiros brasileiros (David McNew/Getty Images)

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Publicado em 10 de dezembro de 2022 às 15h43.

Última atualização em 10 de dezembro de 2022 às 17h55.

Por Bússola 

A Boeing é alvo de uma ação civil pública movida por duas entidades de classe. A Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) e a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde) querem interromper contratações sistemáticas que a gigante norte-americana vem fazendo no setor de defesa brasileiro. Segundo as associações, centenas de engenheiros altamente gabaritados já saíram de empresas que fazem parte da Base Industrial de Defesa (BID) do país para irem trabalhar na Boeing 

"O Brasil é hoje um dos poucos países fora do eixo Estados Unidos-Europa que detém a capacidade de projetar, produzir e certificar aeronaves competitivas globalmente", afirma o Coronel Engenheiro da reserva da Força Aérea Brasileira, Julio Shidara, que também é presidente da AIAB. "A contratação sistemática de profissionais brasileiros pode colocar esta realidade em xeque".  

A seguir, confira a entrevista que ele concedeu à Bússola 

Bússola: O que esses engenheiros têm de tão especial? 

Julio Shidara: Eles são a elite da engenharia aeroespacial brasileira. São altamente qualificados, formaram-se em instituições públicas brasileiras de excelência, como o ITA, a UFSCar e a UFMG, custeadas pelo contribuinte brasileiro, portanto. Para dar uma ideia da escassez desses profissionais, desde 1950, quando foi fundado, o ITA formou apenas 1.644 engenheiros aeronáuticos. Tirando os aposentados, que são cerca de 800, e os profissionais que deixaram a profissão por outros motivos, restariam apenas em torno de 400 engenheiros ativos hoje. Porém, como são necessários, no mínimo, dez anos de especialização e atuação para sua formação, temos menos de três centenas de engenheiros que podem ser considerados qualificados para atuarem no setor.  

Quantitativamente, a Boeing já levou dois terços disso. É muita gente! Além de tudo isso, eles participavam de projetos estratégicos nas áreas de Defesa e Segurança e detinham conhecimento essencial à soberania nacional devido ao acesso que tiveram a informações qualificadas e dados classificados. Já passou do tempo de interrompermos este processo. Não podemos permitir uma deterioração acelerada de um patrimônio tão caro à sociedade brasileira e que foi construído em décadas de esforço nacional e vultosos investimentos públicos e privados. É ainda relevante destacar que um time de engenharia é como um time de futebol, ou seja, composto por profissionais especializados que atuam de forma coordenada e sinérgica e que, portanto, mesmo a captura de uma fração deles pode produzir grandes prejuízos. 

Bússola: Não é um ataque à livre concorrência? 

Julio Shidara: Defendemos fortemente a livre iniciativa e a livre concorrência, mas elas não podem ser usadas como justificativas para a obliteração dos demais princípios constitucionais que regulam a ordem econômica, principalmente a soberania nacional e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, estas as maiores prejudicadas pelas ações de captura promovidas pela Boeing. Estamos diante de um desafio complexo e multifacetado que requer uma análise holística. A Boeing está capturando de forma sistemática um volume expressivo de engenheiros de empresas de defesa, que têm papel fundamental no desenvolvimento de projetos que guardam segredos de Estado e de interesses estratégicos para o nosso país. Entendemos que, neste caso específico, os interesses individuais não podem sobrepujar os interesses maiores e coletivos do Estado brasileiro e de sua capacidade de oferecer defesa e segurança ao cidadão brasileiro.  

Bússola: O risco então é a perda de capacidade de defesa? 

Julio Shidara: Sim. Mas não apenas isso. A economia e empregos de mais de um milhão de brasileiros estão sob ameaça também. Veja: o setor nacional de defesa é responsável por aproximadamente 285 mil empregos diretos e 850 mil indiretos e movimenta anualmente cerca de R$ 200 bilhões na economia nacional, o que representa cerca de 4% do Produto Interno Bruto Nacional (PIB). Fragilizar as empresas que fazem parte dele é fragilizar todo esse ecossistema. Sem a necessária autonomia tecnológica nacional, jamais as nossas Forças Armadas poderão ter a certeza de que seus equipamentos funcionarão em tempos de guerra. 

Ainda está fresco na memória de muita gente o imbróglio entre a Boeing e a Embraer. As duas empresas passaram dois anos negociando uma parceria, que foi desfeita dias antes da formalização do acordo, quando a Boeing deveria pagar US$ 4,2 bilhões à Embraer. O senhor acredita que a Boeing está usando as informações privilegiadas que teve durante aquele período para sair em busca de profissionais específicos?  

Não conhecemos detalhes de como as contratações foram realizadas, mas é certo que a Boeing teve acesso a informações privilegiadas e não se pode descartar a possibilidade da empresa norte-americana estar se valendo delas para capturar esses engenheiros.  Na ação, não entramos no mérito das motivações da Boeing nem dos mecanismos por ela empregados para realizar as contratações. Limitamo-nos tão somente aos fatos, ou seja, ao perfil das contratações por ela já realizadas. De qualquer maneira, é importante deixar claro que, além da Embraer, que é a maior Empresa Estratégica de Defesa (EED) do Brasil, pelo menos outras nove companhias também perderam profissionais para a Boeing. O impacto é sistêmico.   

Bússola: Qual seria o desfecho ideal desta ação contra a Boeing?  

Julio Shidara: Neste primeiro momento, estamos aguardando a manifestação da Advocacia-Geral da União e do Ministério da Defesa. O que esperamos é que os órgãos manifestem-se e intercedam para interromper este processo de deterioração e criar uma solução que garanta a livre concorrência e a mobilidade de emprego sem, contudo, colocar em risco a soberania nacional e o emprego de milhares de brasileiros.   

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