Carreira

Casa própria é emoção, e há bons motivos para isso

Desculpem-me os racionais, mas adiar o sonho de ter o próprio canto para pagar juros menores nem sempre parece um bom negócio para o cérebro. É o que diz a ciência


	Padrão de funcionamento do cérebro pode nos tornar menos racionais ao tomar decisões financeiras
 (Garpenholm/Wikimedia Commons)

Padrão de funcionamento do cérebro pode nos tornar menos racionais ao tomar decisões financeiras (Garpenholm/Wikimedia Commons)

DR

Da Redação

Publicado em 20 de fevereiro de 2013 às 09h04.

São Paulo - O mundo das finanças nunca mais foi o mesmo desde que o psicólogo Daniel Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002. Não por ele ser psicólogo, mas por derrubar o mito de que nossas escolhas seguem sempre um raciocínio lógico e deliberado, principalmente quando as decisões envolvem grandes quantias de dinheiro.

Não seguem. O israelense Kahneman é um dos maiores especialistas da atualidade em processo decisório e reuniu décadas de pesquisa no livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar (Editora Objetiva), lançado recentemente no Brasil e eleito pelo jornal The New York Times um dos melhores de 2011, quando chegou às prateleiras americanas.

Ele afirma que o pensamento intuitivo, mais automático e emocional, age a todo o momento e não necessariamente é irracional, porque pode se basear em experiências anteriores e em habilidades já adquiridas. Por exemplo, imagine que você quer comprar determinado apartamento e o corretor afirma ser impossível mexer no preço. Você, acostumado a negociar, determina: então, nada feito.

Da sua parte, o processo nem exigiu longa análise de perdas e ganhos nem uma nova estratégia. Apenas um reflexo rápido de quem sabe que a chance de haver contrapropostas nesse tipo de transação é grande. Quem tem menos intimidade com acordos comerciais poderia optar por fechar o negócio naquele instante, mesmo abrindo mão de tentar baixar o valor, com medo de perder o imóvel. Saber quem tomaria a decisão mais acertada seria um exercício de futurologia. O que se conclui é que ambos se valeriam de recursos emocionais para chegar até ali. Porque, o que você chama de decisão, a ciência entende como hormônios.

Eu mereço

A evolução nos tornou seres sociáveis — e insaciáveis. Não fazemos escolhas baseadas apenas em sobrevivência, mas também na satisfação que elas trazem. "Não existe tomada de decisão sem mecanismos que avaliam o prazer e o desprazer", afirma o neurocientista Armando Freitas da Rocha, coautor do livro Neuroeconomia e Processo Decisório (Editora LTC) e professor colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 


"Os circuitos cerebrais envolvidos na expectativa de recompensa são os que liberam dopamina. Os ligados ao medo são os que disparam serotonina." A escolha vai depender de como você responde a esses estímulos, se mais propenso a se deixar paralisar pela possibilidade de perda ou se motivar pela expectativa dos ganhos.

Ao optar por uma das alternativas, não é só o lado pessoal — quantidade disponível de dinheiro e porcentagem do salário que será comprometida na dívida — que pesa. O social, principalmente diante da compra da casa, costuma sentar na cadeira da presidência. Pois é uma decisão que envolve outras pessoas.

"Quando vendi meu primeiro imóvel, optei por usar uma parte do dinheiro para comprar um menor, que passei a alugar, e uma outra para dar entrada no financiamento do apartamento onde moro com minha mulher e minhas filhas", diz Marco Zampieri, de 51 anos, supervisor de pós-venda da Volkswagen. "Na ponta do lápis, não tive ganhos. Mas sempre quisemos fazer um investimento a longo prazo, que ficasse para a família." Isso explica também por que algumas vezes colocamos qualidade de vida na frente de salário ao aceitar um emprego.

Atentas aos aspectos emocionais envolvidos no processo decisório, a economia e a psicologia se uniram e fizeram surgir a neuroeconomia, as neurofinanças e a economia comportamental. Hoje, existem até especialistas em neuromarketing, que aplicam esses conceitos para tornar produtos mais atraentes para os consumidores, como as empresas que preparam imóveis para a venda, cuidando da decoração, da iluminação e até do aroma de cada ambiente. Tudo isso para que o comprador se sinta em seu lar doce lar. 

O poder do status

A questão social é ainda mais determinante na escolha de um imóvel. Se você está acostumado a manter um padrão de vida além do suportado pelo holerite, pode ser induzido ao erro na avaliação e, mesmo achando que tem os pés no chão, optar por uma casa muito acima das suas possibilidades.

"A noção de preço é baseada no que compramos no passado recente. O cérebro vai estabelecendo parâmetros e patamares, que mudam de acordo com o grau de riqueza ou o hábito", diz o neurocientista Armando da Rocha. Segundo o economista Fernando Nogueira da Costa, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, esse fenômeno é conhecido como efeito demonstração.

"O desejo de imitar uma realidade financeira mais elevada é reflexo de descontrole emocional e da falta de autoconhecimento. Muitas vezes, as pessoas compram coisas de que não precisam a fim de impressionar gente da qual não gostam com dinheiro que não têm."

Acompanhe tudo sobre:Casa própriaComportamentoEdição 175ImóveisPsicologia

Mais de Carreira

Cinco perguntas para fazer na entrevista de emprego para garantir a vaga

O bilionário da IA: ele começou lavando pratos em lanchonete e hoje tem fortuna de US$ 70 bilhões

Campeões da contratação: por que alguns profissionais são mais cobiçados que outros? Estudo responde

O que significam FYI, MVP, Gap? Saiba quais são os termos corporativos mais buscados

Mais na Exame